Rafael Sampaio

No fim de janeiro, o primeiro petardo surgiu na forma de uma matéria especial no The New York Times sob o título de A fábrica de seguidores, na qual foi publicado um verdadeiro dossiê de um esquema perverso envolvendo todos os setores relacionados às mídias sociais e os chamados “influenciadores digitais”. Ficou evidente que se estava apenas relevando uma parte pequena do que provavelmente é um esquema muito mais abrangente, envolvendo outros gigantes das mídias sociais e um incontável número de pessoas, agências, operadores digitais e até anunciantes.

Por razões que oscilam do puro banditismo à conveniência e acomodação passageira, passando pela busca de sobrevivência de um modelo furado, o sistema, chamado de “mercado negro” pelo jornal americano, está mais disseminado do que se imagina e os problemas de confiança no digital são piores do que se pensava.

A matéria mencionada (facilmente encontrada no site do jornal por quem desejar a partir de seu título em inglês), faz um raio X, devidamente documentado, de como celebridades, atletas, políticos e especialistas nos mais variados assuntos compram seguidores e anabolizam sua fama e reputação, em busca da receita publicitária de anunciantes maravilhados com as revolucionárias possibilidades do mundo digital.

Interessadas em não estragar essa fantasia e “tendência”, agências, operadores e até publishers sérios não fazem grande esforços em enxergar a realidade; inclusive um gigante como o Twitter, ainda em busca de consolidação comercial, que se limita a publicar policies que qualquer um menos bem-intencionado simplesmente não segue ou flagrantemente viola. No decorrer da realização da matéria, como é relatado, gente disposta a falar muito no início simplesmente sumiu e centenas de milhares de contas falsas foram desativadas.
Logo que foi publicada, a matéria acelerou esse processo, levou empresas a saírem do ar virtual e fisicamente e gerou a ação de autoridades em Nova York e na Flórida – mas será difícil enquadrar os piores, que se evadiram para suas operações clandestinas no Terceiro Mundo. O Twitter está incomodado, é claro, e tomando algumas providências. Mas como não existem leis e regras definidas para esse setor e controle externo efetivo de suas práticas, provavelmente vai limitar a limpeza ao que foi publicamente exposto neste caso.

A coisa é tão grave que até uma empreendedora de sucesso, recentemente convidada para integrar o conselho do próprio Twitter, foi flagrada fazendo bobagem e teve seu caso exposto em uma matéria seguinte no NYT.

Mas o próprio jornal saiu em seguida com outra matéria apontando o principal vilão desses problemas da internet: o mercado publicitário, que tem levado cada vez mais recursos para esse mundo digital sem o devido senso crítico, sem a exigência dos controles e da aferição de resultados que há décadas exigem das demais mídias. Dessa forma, tem havido vista grossa para os problemas do digital e falta de real empenho em estruturar soluções reais para construir uma mídia que tem tudo para ter um futuro brilhante – desde que seus problemas básicos sejam efetivamente resolvidos.

Quando eu já estava escrevendo este texto e sentindo que ele demandava uma segunda parte para mais reflexões, surgiu outra bomba, que de fato pede uma sequência: alguns órgãos da imprensa americana revelaram que o Newsweek Media Group, através de seu site International Business Times, montou um esquema fraudulento global para entregar uma “compra de cliques” que lhe havia sido encomendada por uma agência federal dos Estados Unidos – com a complacência de uma agência digital e até da DoubleClick (uma empresa do Google).

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)