A população mais velha continua invisível aos olhos do mercado publicitário. Poucas campanhas são direcionadas ao target, que tem dinheiro e tempo para gastar. Viaja, frequenta restaurante e, nos dias de hoje, faz exercícios físicos e se diverte com amigos da mesma faixa etária. O velho ainda vai virar moda, porque o mundo caminha para essa transformação, já que a população envelhece muito e vai bem, obrigada!

Hoje, ao que tudo indica, o mercado não sabe o que fazer para a camada da população mais velha. Os atuais idosos têm espírito de jovem e muita lenha para queimar. Atualmente, 54 milhões de brasileiros têm 50 anos ou mais. Em 2045, portanto daqui a 37 anos, essa turma representará quase metade da população brasileira. Trocando em miúdos, serão 93 milhões de senhores e senhoras circulando por aí.

A população velha movimenta em torno de R$ 1,6 trilhão, o equivalente ao consumo de duas Holandas. Todos estes dados são de uma pesquisa conduzida pelo Instituto Locomotiva, comandada por Renato Meirelles. E tem mais: a renda média dos 50+ é de 40% acima da média nacional. Nada desprezível, vamos combinar!

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Ainda assim, o mundo dos negócios não acordou para esse target. Sim, dirão os especialistas, ninguém quer se associar aos mais velhos para não ficar com cara de velho, com indesejáveis ruguinhas. Ora, pois! Faz todo sentido. Foi assim (e ainda é) com o pessoal estacionado na faixa da baixa renda, que quer consumir, mas o mercado olha com certo distanciamento, para dizer o mínimo.

Para Meirelles, o publicitário “faz propaganda para ele mesmo”. “É impressionante! É a ditadura estética do jovem. De jovens para jovens”, diz ele, que acredita que esse profissional se considera um ser eternamente jovem. Segundo o executivo, a grande maioria dos idosos não se vê representada na propaganda. E quando aparecem nas peças publicitárias, ainda conforme Meirelles, estão “fantasiados de jovens”.

A constatação é que é um target ávido para consumir, que tem tempo e dinheiro para isso, mas ainda faz pouca diferença para o mercado. Segundo o estudo do Locomotiva, é um pessoal que tem uma vida social intensa, sempre com a casa cheia (66% recebem amigos); 26% jantam fora; e 27% das mulheres ouvidas na pesquisa vão ao salão de beleza. Ainda assim, a maioria das empresas não desenvolve produtos para essa faixa etária – não entram nessa conta artigos geriátricos, planos de saúde e remédios, inclusive, para disfunção sexual.

Para Guilherme Jahara, CCO da F.biz, esse ambiente tem a ver com a cultura. “O fato é que o país está tão desorientado para lidar com o aumento da população idosa quanto as pessoas estão despreparadas para envelhecer. Esse forte componente cultural se reflete em vários segmentos da economia, não só na propaganda”. Para ele, enquanto o Brasil era um país jovem, a propaganda se acostumou a olhar para novos consumidores, entendendo que os mais velhos já conheciam marcas e já haviam atingido uma estabilidade na vida. “Mesmo assim, é preciso considerar o uso de ferramentas de CRM e estratégias ‘one-to-one’ para comunicação com a terceira idade. Não necessariamente esse é um público totalmente negligenciado pela propaganda, mas, sim, trabalhado de forma específica, embora menos exposto na grande mídia”.

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HORA DE REPENSAR
De qualquer forma, ainda segundo análise de Jahara, o mercado está diante de uma nova realidade, uma chance única de repensar a importância dos idosos na sociedade. “Nos próximos anos, acredito que o movimento elderly empowerment deva ganhar tanta importância quanto as questões que discutimos hoje, como empoderamento feminino. É um novo momento vindo, porque o nosso país está, sim, envelhecendo, mas de um jeito mais ‘jovem’”.

Ele explica que mais jovem quer dizer que há mais saúde e expectativa de vida, há mais esporte envolvendo pessoas acima dos 50 ou 60 anos, há mais abertura para a cultura e entretenimento, deixando diferentes gerações mais próximas. “É cada vez mais sobre atitude e menos sobre idade”.

Ele afirma que a sua agência não considera só a idade para planejar os projetos, mas, sim, a atitude e o comportamento de vida. “Hoje, vemos pessoas de 60 anos assistindo às mesmas séries que jovens de 25 anos. É sobre entender o comportamento das pessoas, e não só sobre mídia”, afirma, lembrando que, em 2016, fizeram uma campanha para a Closeup, sob o conceito Não julgue, beije, na qual mostrava diversos casais, muitas vezes, “rotulados” e “julgados”.

Segundo ele, um trabalho de fôlego, de grande audiência, ainda que executado essencialmente para o Instagram e OOH. “Entre os cinco diferentes casais apresentados, houve um que representou a terceira idade. A repercussão foi excelente”, comenta.

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CULTO
Para Flavio Waiteman, CCO da Tech and Soul, não há – ou quando existem são muito poucos – trabalhos direcionados à terceira idade. A percepção dele é que a faixa etária é importante e economicamente ativa e, por isso, merece uma comunicação específica, mas essa cultura ainda não está presente no mercado mundial da publicidade. “Podemos dizer isso ao observarmos as campanhas globais de grandes marcas. O culto à juventude permanece. Mesmo com o crescimento exponencial do número de velhos”, diz.

Waiteman lembra que, em 2006, o governo japonês decidiu homenagear os habitantes da ilha que ultrapassassem os 100 anos. “Quem ultrapassasse essa marca ganharia um copinho, um shot de prata. Uma maneira de homenagear os 100 anos de relacionamento entre o estado japonês e o indivíduo. A partir de então, todos os anos é feita a homenagem. Em 2017, foram 65 mil copinhos de prata. Ou seja, o mundo envelhece a passos largos e rapidamente”.

Mesmo assim, o mundo só pensa nos millennials e Waiteman questiona: “Será que é devido à curva de Rodgers e à adoção de novas tecnologias?”. Talvez. “Muitas marcas não desejam ser tageadas para esse público, pois a concepção de publicidade como a conhecemos é que seja sempre uma novidade”.

Ele acredita que o setor da moda tem condições para quebrar esse paradigma. “Quando for cool ser velho, provavelmente outros segmentos passarão a se comunicar com esse target. Aliás, é importante a gente usar a palavra correta. Terceira idade é um termo que evita uma condição. E toda vez que você evita falar sobre algo, está aumentando a mística e o preconceito sobre isso. As palavras preto, branco, novo e velho são importantes. Velho é uma condição, não uma condenação”, esclarece.

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ADOLESCÊNCIA
Jorge Tarquini, coordenador da pós-graduação em jornalismo da ESPM, fala que tudo passa pela adolescência prolongada. “Você já imaginou juntar alguém de 18 com alguém de 34 anos? Pois o enquadramento recente dos millennials faz isso. Exatamente por haver padrões de comportamento que unem esse espectro tão amplo”. Na geração de Tarquini (ele tem 53), por exemplo, havia uma progressão natural.

“Hoje, ter 34 é como ter 18, e criou-se um vácuo, um abismo entre gerações. E qualquer pessoa acima dos 34 é ‘velha’. Mesmo com atitudes de late teenagers, a geração de 34 ou menos está produzindo a publicidade para aqueles que eles julgam terceira idade. Portanto, ele não é deixado de lado: há uma miopia generalizada ao enxergar esse público. Baseando-se em estereótipos”.

Para ele, o mercado não sabe lidar com os velhos. Então, é melhor deixar que eles se encaixem sozinhos dentro daquilo que desejarem. Tarquini ressalta ainda que os anunciantes não querem ser associados com velhice. E, pior: “Não sabem como fazer parte do universo”.

Sergio Mugnaini, diretor-executivo de criação da DPZ&T, concorda que o mercado publicitário respira o novo. E, portanto, a novidade é um dos pilares mais fortes para que marcas consigam atrair a atenção do consumidor. Lançam novos produtos, novas embalagens e as próprias marcas buscam a todo momento manter uma postura atualizada em tentar manter o frescor principalmente associando seus produtos aos jovens.

“Acredito que, diante desse ponto, evitem uma associação maior a um público mais sênior. Mas as marcas estão perdendo oportunidades. Na minha opinião, faltam produtos. Novos segmentos e produtos aparecem a todo momento; não só para um público mais jovem, mas também para um público mais sênior, que cada vez mais busca experiências”, analisa.

Para ele, também existe certo desconhecimento sobre hábitos de consumo, de informação. “Atualmente, o público sênior está cada vez mais conectado. Utilizando não somente o WhatsApp, mas também vivendo a vida através das redes sociais”. A pesquisa do Instituto Locomotiva mostra que o poder da internet ganhou nos últimos oito anos, no Brasil, mais de 4 milhões de internautas maduros.

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PERDA
Mugnaini esclarece que, quando fala que as marcas estão perdendo oportunidades, quer dizer que elas deveriam criar produtos específicos para o público sênior e utilizar a mídia segmentada das redes sociais para endereçar as campanhas, por exemplo.

O Locomotiva aponta também que 76% dos “maduros” dizem não se identificar na forma como as propagandas os representam. 81% afirmam que a publicidade deveria representar melhor a diversidade da população brasileira e 88% acreditam que os anunciantes deveriam respeitar a diversidade de seus clientes.

Rodolfo Sampaio, sócio e VP de criação da Moma, acha que poucos produtos são específicos para a terceira idade. “De um modo geral, esse público é atingido num target mais amplo. Mas com a extrema segmentação do meio digital, mesmo vendendo um produto para o público em geral, é possível adequar o tom da mensagem”, analisa.

Sampaio vê que esse público chega à terceira idade cada vez mais saudável e cheio de disposição. Para ele, a terceira idade é a nova meia-idade e não acredita que haja a necessidade de ter velho em uma campanha para que esse target seja impactado. Segundo ele, o mercado não é preconceituoso. “As marcas são democráticas e abertas a todos, e têm cada vez mais valorizado o target”.

Um publicitário que atua numa das grandes agências do mercado, que prefere não se identificar, reflete sobre o assunto, até porque diz estar com 51 anos e “logo, logo” será um dos 60+. Ele atende várias marcas de destaque e afirma que, em todos os casos, não existe nem nunca existiu um job específico para o público 60+.

E há muitos nessa faixa etária consumindo os produtos das marcas para as quais trabalha. Se é um descuido ele não sabe responder. Mas avalia que talvez não exista a distinção e isso seja realmente algo moderno. “Tento me colocar na posição de uma pessoa 60+. Talvez preferisse ser tratado como mais um e não fazer parte de um nicho, de uma casta. Do ponto de vista da inclusão de pessoas 60+ nas campanhas, pelo menos aqui na empresa que trabalho e com os clientes que atendo, isso é algo natural”.

Segundo ele, na hora da escolha dos castings dos velhos acima dos 60 é natural, pois fazem parte de uma ativa parcela consumidora. “Portanto, nada mais natural do que serem incluídos nas narrativas, como pessoas de qualquer idade”.

Ele acredita que o velho está na agenda da maioria das marcas. A próxima grande conversa, ainda mais intensa do que é hoje, será sobre longevidade, que, para ele, tem um aspecto um pouco diferente da terceira idade hoje analisada. “A longevidade vai mudar muita coisa. Não apenas nas campanhas e na vida das marcas”, conclui.

A inclusão dos idosos no mercado publicitário é tão importante que a Folha de S.Paulo lançou, em novembro de 2017, a série Ao seu Tempo. Na época, o jornal publicou pesquisa inédita realizada pelo Datafolha que mostrou diferentes maneiras de encarar a idade entre os brasileiros.

Só para relembrar alguns tópicos, em média, a população do país se considera jovem até os 37 anos. Essa faixa fica cada vez mais elástica e chega aos 47 anos nas respostas dadas por mulheres que passaram dos 60.

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