Gênero não é uma questão de engano. E, ao arrepio da imparcialidade, quem se impregna dessa cilada enganosa nutre separatismo sem sentido em uma sociedade que busca pluralidade. O marketing e a comunicação publicitária pregam a clusterização, que contempla a diversidade por nichos de consumo, e não por exclusão. Há exceção, mas excessos são podados naturalmente.

No último domingo (28) foi celebrado o Dia Mundial do Orgulho LGBTQIA+. A parada que é realizada na Av. Paulista, em São Paulo, foi adiada. Muitas marcas, no entanto, fizeram manifestos relacionados à data. O hotel Tivoli Mofarrej coloriu sua fachada com as cores do arco-íris. Rappi e Skol Beats promoveram a Janela Parade.

Campanha 35, da Y&R para o portal Athos, teve como trilha sonora a canção Forever Young, com interpretação da cantora Liniker (Divulgação)

O National Geographic lançou a ação #OrgulhoNatGeo e programação com títulos como Intolerância LGBTQIA+. Doritos é apoiadora de primeira hora. Este ano, a marca da PepsiCo fez instalação de luzes da artista Yvette Mattern, na Paulista. Desde 2015, O Boticário traz a temática na sua comunicação. Avon, Amstel, Coca-Cola e Natura, também.

“Empresas e agências têm entendido o poder da inclusão e da representatividade em seus times e conversas que promovem. Se era tabu há poucos anos, hoje é impossível não dar espaço e protagonismo para essa comunidade”, argumentou Fernanda Tedde, head de atendimento da AlmapBBDO.

Essa Coca-Cola é Fanta (Divulgação)

A consultoria Mais Diversidade tem proposta para conectar recém-formados LGBTQIA+ ao mercado de trabalho. Netflix e Glaad (Gay & Lesbian Alliance Against Defamation) constataram que programas com personagens LGBTQIA+ estão em alta. “Uma pesquisa mostrou que 80% dos brasileiros que não se identificavam com a temática disseram que séries como Elite e Sex Education, e personagens como Casey (Atypical) e Robin (Stranger Things) ajudaram a melhorar o relacionamento com pessoas LGBTQIA+, explicou o comunicado da Netflix.

“Apesar de uma crescente representatividade, acredito que ainda há muito o que a publicidade precisa avançar”, disse Carol Escorel, diretora de negócios e operações da Talent Marcel. “A publicidade se aproveitou muito tempo veladamente de conceitos como modernidade e humor para tentar atingir a um público que, claramente, precisava e gostaria de ser representado não por estereótipos, mas sim por empatia. Por ser um dos grandes agentes de mudança na sociedade, mesmo ainda em dívida, estamos em evolução constante quando falamos em diversidade na propaganda. E o que motivou as marcas a se posicionarem foi o próprio comportamento do consumidor atual, que enxerga as diferenças de uma maneira mais fluida, além de não aceitar falhas de conduta moral”, argumentou Tato Bono, VP de produção da WMcCann.

Tato Bono, da WMcCann: “Menos estereótipos e mais empatia” (Divulgação)

O estudo The Truth About Diversity, produzido pela McCann Truth Central, aponta que 73% das pessoas acreditam que as marcas têm a responsabilidade de promover a diversidade. E que ainda existem as caixas organizadas: “Asiático”, “Gay” “Desativado” etc.

“Foram percorridos apenas os primeiros 10 km da maratona”, ilustrou Aloisio Pinto, chief strategy & product officer da Isobar e líder do pilar LGBTQIA+ da DAN Brasil. “Se os casais e famílias homoafetivas não moram mais na invisibilidade, continuam sendo tratados de forma superficial na comunicação. Por exemplo, retrata-se basicamente o mundo dos meninos, de vez em quando o das meninas e ignora-se todas as demais cores do variado arco-íris. Mesmo nessa limitada paleta de duas cores, a abordagem tende a ser apenas iconográfica”, ele acrescentou.

Luiz Felix é content and art da Africa: trabalho com a Natura (Divulgação)

Rafael Nasser, diretor-geral da Hogarth Brasil, vê evolução. A agência tem o grupo de Diversidade e Inclusão e o movimento HoGaythians, para ampliar vozes dos funcionários LGBTQIA+ na publicidade. Nasser afirma que “entre os projetos para o Burger King, junto com a David, cobrimos a Parada do Orgulho LGBTQIA+ de 2018”.

“O Brasil é o país que mais mata pessoas por LGBTQIA+ fobia”, sintetizou Daniele Marques, sócia e CCO da Bold. “Se você parte do pressuposto de que a publicidade é capaz de influenciar a cultura, olhar para essa questão com a intenção de gerar soluções passa a ser uma responsabilidade para quem trabalha com marcas”, frisou Daniele, que gera conteúdo para a plataforma Think With Google, de dados e insights para agências e anunciantes.

Daniele Marques, da Bold, propõe mais responsabilidade (Divulgação)

Ana Paula Castello Branco, diretora de advertising & brand management da TIM Brasil, informa que a empresa promoveu a 1ª Parada Virtual do Orgulho LGBT e a campanha #OrgulhoConecta. “Eles ainda são pouco representados na publicidade brasileira e esperam mais, principalmente no contexto atual onde a LGBTfobia cresceu muito”, disse Ana.

Bruno Honório, analista de pesquisa & estratégia da Mutato, localiza avanços, mas vê abismo. “A publicidade tem o poder de mostrar representatividade, mas ainda é uma ferramenta capitalista. Quando o movimento começou, a motivação para levar personagens LGBTQIA+ para as campanhas foi o poder econômico da comunidade”, destacou.

Amstel está engajada e deu apoio para o Festival do Orgulho Live (Divulgação)

A Africa tem um comitê de diversidade que atua em conexão com a Natura. “Lançamos o filme-manifesto soumaisdoquevcvê, para a Natura&Co, no mesmo domingo em que a Parada LGBTQIA+ precisou acontecer virtualmente. Queremos dar luz à diversidade e à pluralidade das pessoas LGBTQIA+ de maneira positiva. O resultado foi um filme sensível, com a Liniker. É uma campanha que celebra o respeito pela diversidade”, relatou Luiz Felix, content and art da Africa. Renan Ciccone, gerente de marketing de Amstel, vê como natural o endereçamento da publicidade à temática da diversidade. “Em tempos de isolamento, fizemos duas lives para o público LGBTQIA+, que contaram com arrecadação de fundos para instituições da comunidade.

O Festival do Orgulho Live teve shows ao vivo e simultâneos dos artistas Pabllo Vittar, Aretuza Lovi, Pepita, Mateus Carrilho e Urias”, relacionou Ciccone, detalhando ainda que a Amstel conta desde 2018 com a colaboração da Consultoria Mais Diversidade. “A empresa tem comitê interno de inclusão e diversidade, e posteriormente o grupo de afinidade LGBTQIA+ Além do Colorido, que conta com mais de 20 voluntários.”

A Coca-Cola começou em 2017 com a ação Essa Coca-Cola é Fanta e incluiu latas com a expressão temática do projeto. A campanha Fan Feat, para o verão de 2018, teve concurso para consumidores escolherem os feats cujos vencedores foram Luan Santana, Simone e Simaria e Pabllo Vittar. No ano passado, para celebrar todas as formas de amor, a Coca-Cola fez ação interna onde substituiu a logomarca pela palavra Love nas geladeiras disponíveis nas suas unidades.

David Laloum fala que ainda há uso de imagem heteronormativa (Divulgação)

“Coca-Cola é uma marca de todos e para todos. Com essas ações, reforçamos nosso respeito às diferenças e à liberdade individual. Queremos celebrar a diversidade e ajudar a construir um mundo mais igualitário”, afirmou a executiva Poliana Sousa, VP de marketing da Coca-Cola Brasil.

A Y&R criou o Coletivo da Diversidade e tem realizado trabalhos LGBTBQIA+, como Faixa da Resistência, para a Dojo; Menstrual, para Buscofem; Eu sou, para Starbucks; 35, para o portal Athos; e Previsão do Arco-iris, para o Climatempo. A cantora Liniker interpretou a canção Forever Young na campanha 35, para o portal Athos.

“Não temos como falar em um tipo de consumidor específico, pois os gostos, vontades, interesses, repertórios e vivências são muito diferentes. Isso dito, sempre quando estamos comunicando um produto ou uma marca, podemos alcançar essa comunidade em diversos aspectos, porém algo que costuma ser problemático é que, apesar de estar dentro desse conjunto de pessoas que serão impactadas por uma propaganda, as diferentes expressões do que é ser LGBTQIA+ são comumente preteridas por uma imagem heteronormativa. Um outro ponto a se ter atenção é a utilização de estereótipos e caricaturas para representar essa comunidade”, finaliza David Laloum, CEO da Y&R.