Semana passada, matéria de página inteira no caderno Negócios, do Estadão, me causou um sentimento estranho. O texto discorria, serelepe, sobre o fato de que, “mesmo com a crise, a venda dos medicamentos em todas as categorias não caiu”.

Em dado momento, um grande laboratório registrava “um crescimento robusto na categoria de medicamentos voltados para depressão e ansiolíticos”. Tudo assim, num clima positivo, comemorando a consistência econômica do negócio. Afinal, os dados carregavam uma boa notícia para acionistas dessas empresas e investidores.

Quando comecei a ler a reportagem, baseada em pesquisa realizada por entidade representativa do segmento a pedido do jornal, preparei o espírito para uma reflexão sobre o “problema” representado pelos dados revelados.

Não consegui realizar no momento que é diferente tratar do assunto numa editoria de Negócios e Mercado e numa editoria de Medicina e Saúde. Quem escreve sobre Negócios e Mercado escreve sobre resultados econômicos.

Seja pelo fato de as pessoas consumirem mais frutas e legumes ou mais ansiolíticos e antidepressivos. Precisei fazer toda essa avaliação para tentar reorganizar a minha capacidade de separar as informações de acordo com suas fontes.

Se eu sou um investidor e leio essa notícia num caderno de Negócios, devo pensar em aplicar o meu dinheiro no negócio de medicamentos. E não pensar em como as pessoas andam infelizes. E as pessoas andam muito infelizes, deprimidas, desesperançadas. Lançam-se no consumo de drogas receitadas pelo negócio da medicina que amenizam os sintomas mais agudos das doenças e, assim, conseguem suportar um pouco melhor a própria existência. É grave. Porque as pessoas andam tentando se matar com frequência. Muitas conseguem. Muitas mesmo. Alguém comentou comigo “ainda bem que existem os antidepressivos e os ansiolíticos”. É verdade.

Da mesma forma que é maravilhoso sabermos que existe a anestesia. Mas se, de repente, houvesse um aumento substancial na venda de anestésicos porque as pessoas passaram a sentir dores lancinantes com mais frequência, qual deveria ser a prioridade das nossas mentes? Bom, depende da editoria, certo?

Tudo isso pode parecer ingênuo. Mas confesso que me senti bem em ter me chocado com o tratamento jornalístico dado ao tema, mesmo naquele ambiente editorial. Não por julgar se está certo ou errado.

Tecnicamente está certo. Senti-me bem, porém, pelo sentimento ter me revelado uma sensibilidade alerta à essência dos fatos. Acho importante que todos nós, profissionais, consigamos sustentar essa independência dos sentimentos, sem prejuízo das práticas que o nosso trabalho exige.

Atuando no marketing e na publicidade por mais de 40 anos, muitas vezes escutei que, trabalhando por encomenda, não tínhamos opinião sobre nada. Uma acusação injusta, tão injusta quanto seria acusar a jornalista que escreveu a matéria no jornal de insensível ao sofrimento alheio. O importante é não perder a capacidade de sentir estranheza naquilo que não nos parece natural.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)