Com uma frequência acima do razoável e disseminada entre anunciantes e agências de todos os tamanhos e tipos, pode ser observada a perigosa tendência de se colocar o cachorro para abanar seu rabo.

As razões para esse desvio são várias, começando pela dificuldade de manter o foco no que realmente é importante para o produto/serviço anunciado/promovido, passando pela falta de estratégias bem definidas, capazes de orientar a grande quantidade de ações táticas, e também pela abundância de plataformas de marketing e comunicação, uma enormidade de alternativas de mídia e um amplo espectro de soluções de todos os tipos.

Some-se a isso uma grande quantidade de produtos, serviços e empresas sem uma base competitiva sólida, que ficam ziguezagueando entre vários caminhos e objetivos, e um número maior do que aceitável de juniores em quase todas as áreas das empresas, que oscilam seu comportamento entre a ignorância da falta de preparo e experiência, uma visão rasa e pouco substanciada de suas funções e tarefas e, não menos prejudicial, muita arrogância sem nenhuma justificativa.

Isso leva a muitas tentativas de reinventar a roda, à adoção de soluções repetitivas, falsamente modernas, e à paixão por novidades ainda pouco substanciais e não consolidadas.

Funcionando como chama e combustível para essa verdadeira badtrip está o fato de que o marketing e a comunicação demandam cada vez mais recursos que, na outra ponta, são mais escassos pela redução da rentabilidade combinada com a maior quantidade de demandas que afetam as empresas. Isso dentro de um contexto no qual a competição direta e indireta é cada dia maior e os consumidores estão mais espertos, mais emponderados e até mais hostis.
Tem-se, assim, o caldo de cultura ideal para surgimento e expansão dos problemas acima descritos, que se traduzem em produtos/serviços que tentam compensar a falta de competitividade real com malabarismos como as chamadas “experiências” e a customização cosmética, trocando-se a disciplina evolutiva das competências pelo wish ful thinking das pirotecnias mágicas.

Do lado da comunicação, tenta-se a mágica de trocar publicidade pertinente, criativa e bem produzida por experiências de crowdsourcing, native advertising e outros truques semelhantes. Sob o aspecto da mídia, retira-se recursos das opções consolidadas e comprovadas para se arriscar na terra incognitados influenciadores digitais, das incontroláveis redes sociais, da economia porca das compras programáticas e do pântano das fraudes que apresentam uma fatura de resultados não comprováveis.

No fundo, todos nós sabemos que essas alternativas, que seriam acessórias, complementares e experienciais, não têm como substituir de forma sólida o espectro de plataformas, mídias e soluções tradicionais, que custam um bom dinheiro e pedem um esforço de desenvolvimento crítico importante para sua estruturação de modo consistente, que tragam resultados previsíveis com alguma segurança.

É a situação clássica na qual o rabo é maximizado e passa a crer que é o cachorro que tem a obrigação de abaná-lo. Situação que pode até gerar uma ilusão passageira de que se descobriu a pólvora ou se colocou o ovo em pé, mas que, rapidamente, leva a desfechos que oscilam entre a nulidade de resultados e verdadeiros desastres.

Não quero afirmar nem defender a tese de que o rabo não deva existir – apesar de diversas raças de cães viverem muito bem sem ele –, mas sim que o rabo deve se limitar à sua posição complementar e função acessória. Em seu devido lugar e comandado como se deve, o rabo pode ser muito útil ao desempenho e bem-estar do cachorro.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)