Participei de perto de uma trama internacional. Alguém já teve a experiência de viver de perto uma situação envolvendo a segurança do planeta? Pois é, pobres mortais de vida comum, eu já. É bem verdade que por motivos óbvios não vou poder contar detalhes desta minha aventura nos meandros da diplomacia. Esses motivos óbvios são realmente óbvios: eu não sei de nada. Mas, no meu mirrado currículo de aventureiro, este talvez seja o acontecimento que mais se aproxima de uma trama digna de um romance de espionagem. Vou contar o que sei, vi e ouvi, já que décadas nos separam dos fatos e provavelmente a maioria dos participantes já está morta ou aposentada.

O cenário é Londres, início da década de 1970. Tudo começa no aeroporto de Heathrow. Eu já estava na cidade, para uma reunião da De Beers, e fui receber meu colega Pedro Paulo de La Peña, diretor da conta na Thompson Espanha, que chegaria de Madri. E ele, apesar de todas as confirmações e de ter seu nome na lista de passageiros, ao chegar no aeroporto, desapareceu. Simplesmente. Sumiu. Fui ao balcão da Iberia, à polícia, à alfândega. Tudo indicava que ele tinha desembarcado, mas havia misteriosamente desaparecido. Com meu inglês irretocável (não há o que se possa fazer com ele) eu tentava desesperadamente descobrir como meu colega e amigo poderia ter sumido. Nada no pronto-socorro, nenhum rastro no DutyFree. Pedro Paulo tinha sumido em algum momento. Num tempo sem celulares (sim, o mundo já existia antes dos celulares, ainda que os mais jovens não possam imaginar como seria) comecei a ficar desesperado.

Ligar para Madri e conversar com a mulher dele não me pareceu uma boa opção. Perguntar o quê? Cadê o Pedro Paulo? Sumiu do avião? Vai ver que ele conheceu uma mulher deslumbrante no voo e à esta altura já está entregue ao mais caloroso romance. Ou, quem sabe, diante de um comissário parecido com Dominguim, descobriu o amor que não ousa dizer seu nome. Estaria perdido no aeroporto, vítima de um apagão de consciência? Mistério. Tive de desistir, depois de horas de busca inútil. Só fui encontrar Pedro Paulo horas depois, na sede da De Beers. Puto da vida. Insuportável. Completamente fora de si, clamando por touros para matá-los com as próprias mãos. Depois de muito tempo, conseguiu explicar. Ao sair da alfândega, foi surpreendido com uma placa onde estava seu nome. Imaginando que eu tivera algum imprevisto, concluiu ser seu transporte e – confiante – se apresentou. Foi conduzido para uma limousine enorme, por três homens armados que – cheios de rapapés – o instalaram no banco de trás. E se mandaram, falando um inglês pior do que o meu (como se fosse possível) e explicando algumas coisas num tom absolutamente subserviente. Mas ininteligível.

Até que já meio distante do centro, pararam num posto de gasolina onde Pedro Paulo conseguiu se fazer entender. Cadê o Lula? Para onde vocês estão indo? Quem são vocês? Que merda eu estou fazendo nos arredores de Londres? Socorro! Os caras, então descobriram que estavam com o Pedro Paulo errado. E, numa deselegância atroz, jogaram as malas dele no chão e se mandaram. Pedro Paulo teve de chamar um táxi e ir para o escritório da De Beers por conta própria. À esta altura a Thompson inteira, a embaixada da Espanha, a polícia de Madri estavam investigando o misterioso sumiço de um espanhol. Eu diria que Pedro Paulo chegou como se espera de um ilustre portador de seu sangue. Muito puto da vida. Querendo processar a Inglaterra inteira, a Scotland Yard, quebrar os cofres fortes da De Beers e, de sobra, encher de porrada o filho da puta que não foi buscá-lo no aeroporto. Ou seja: eu. Acalmar quem havia de? Fluente em várias línguas, ele ofendeu a mãe de todo mundo de várias etnias. Foi um custo convencê-lo que eu estava no aeroporto, conforme o combinado e não tinha nada com a troca de identidades. Isso é tudo. Mas toda vez que desembarco num país estrangeiro fico imaginando quem eram os caras que estavam buscando o Pedro Paulo. Que reunião seria aquela que haveria com ele? E o que aconteceu com o outro Pedro Paulo? E com os caras da limousine? Mas toda vez que alguém conta perto de mim alguma história que envolva espionagem ou mistério, dou um risinho de soberba. Eu já estive envolvido num caso internacional. E saí vivo para contar. Quer dizer. Vivo por enquanto.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)