Nádia Rebouças trabalhou em publicidade por 40 anos, e foi uma das primeiras mulheres executivas de destaque do mercado, quando se tornou diretora de planejamento da J. Walter Thompson (1975/1987). Depois de passar por agências como Lintas, SGB e Caio, montou sua Oficina. Chegou a se associar à Grey e à FCB, mas se distanciou do mundo “MadMen” para se dedicar a projetos em que a comunicação é ferramenta transformadora de relações dentro das empresas. Ela foi vanguarda há 20 anos, ao falar de temas que hoje se tornam parte do discurso das companhias, como sustentabilidade. Basta lembrar que foi ela quem liderou, nos anos 1990, o Comitê Ideias, que desenvolveu a campanha contra a fome para a Ação da Cidadania, de Herbert de Souza. Veja a seguir os principais trechos desta entrevista.

Bia Penteado

Começo

Eu era educadora, e tive uma escola de artes, a Pimpolho, em São Paulo, aos 19 anos. Depois, fui trabalhar com a área de pesquisa, como freelancer, na Lintas. Lá trabalhavam cerca de 18 sociólogos – pessoas como Fatima Pacheco Jordão e Clarice Herzog, muito por causa do Ivan Pinto, que eu considero o responsável pela minha carreira publicitária. Ele achava que os sociólogos tinham uma visão crítica da humanidade, e isso era muito bom para a publicidade. Um dia precisaram de uma pedagoga para fazer um trabalho para Chicletes Adams, uma promoção dirigida para crianças, e me recomendaram (porque eu era socióloga e pedagoga). Fui para casa com um saquinho cheio de chicletes e criei a promoção, que fez tanto sucesso que o Ivan me fez uma proposta para a área de atendimento, que aceitei.

JWT

Fui chamada para fazer a apresentação pela conta da Esso, que era a menina dos olhos da agência. Eu estava retornando da minha licença maternidade. Pedi as transparências (na época ainda se apresentava dessa forma), levei para casa e demandei carta branca para apresentar do meu jeito. Troquei tudo de ordem, cortei algumas coisas, mudei outras e, no dia seguinte, estava lá cedinho para apresentar. Disseram-me que ‘fiz o presidente da Esso dançar’. Ganhamos a conta e passei a ser candidata natural a diretora-geral do escritório do Rio, algo inédito para uma mulher. Minha vida virou um inferno. Pedi demissão.

Crítica

Mesmo quando estava na propaganda, era uma crítica a determinadas coisas. Incomodava-me o racismo – porque não dávamos visibilidade a 50% da população -, o machismo, a publicidade de cerveja, o jeito de ser e de viver dos publicitários. Durante todo o tempo em que estive na publicidade, no fundo, eu tentei sair.

Comunicação interna

Construí meu caminho porque comecei a perceber que muitas empresas se davam mal não por causa da publicidade, mas por causa da comunicação interna. Dentro da empresa era um caos. Abri a Rebouças em 1999 para fazer gestão da comunicação para bons negócios. Começou uma vida nova. E fui fazendo tudo por intuição. Hoje, mais do que nunca, no mundo interconectado em que vivemos, como construir reputação externa sem reputação interna?

Criação

É curioso como me soa antigo o departamento de ‘criação’ nas agências, onde supostamente a criação ocorre, onde há um ‘diretor de criação’. Criação é realizada em toda a agência, criadores somos todos nós, ou devemos ser. Esse sempre foi um embate nas agências: o departamento de criação achar que tem o monopólio de criar. Nunca aceitei isso. Eu falo de cocriação há mais de 20 anos.

Planejamento

Eu acredito em planejamento. Em pensar. Pensar é ser criativo. E sempre fui planejadora. Na Lintas ainda não havia esse cargo, mas no atendimento eu costumava dizer que éramos planejadores. Uma das primeiras palestras que fiz na vida foi ao lado do Luís Grottera, que falava de planejamento de mídia e eu de planejamento no atendimento. Atender me parece uma profissão sem caráter. Sempre tive alma da planejadora, da consultora, da criatividade. Eu tinha essa visão, mas estava em um ambiente em que isso não era possível, em que tudo era compartimentalizado.

Social

Sempre quis ajudar o mundo a mudar. Desde da ECO 92, trabalhei na área social: com o Betinho, atendi ONGs, em projetos variados como a campanha Onde você guarda o seu racismo. Mais recentemente, trabalhei no projeto Comer pra quê? (para o Ministério do Desenvolvimento Social). Desenhei o projeto com três nutricionistas, e criamos uma campanha para dialogar com os jovens, junto com eles. Acredito que se eu trabalhasse com publicidade hoje, faria isso: criaria campanhas junto com o público.

Complexidade

Vivemos a era da complexidade. Tudo o que é bom, é mau. A tecnologia, por exemplo, melhora a vida, mas também piora. As redes sociais são ótimas para defender causas – eu que sempre fui ativista -, mas por outro lado dão voz a pessoas que nunca tiveram palco, e falam barbaridades.

Publicidade

A publicidade tem uma força enorme. Os meninos de hoje podem fazer coisas maravilhosas. Nunca vou desistir de fazer os publicitários refletirem a respeito do quanto podem ajudar o planeta e o país. O quanto podem trabalhar, por exemplo, contra a exclusão das pessoas. Tudo é possível para a publicidade.

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