Tudo que eu quis ser na vida foi ser locutor de futebol no rádio. Ou piloto de avião. Ou motorista da Cometa que passava diante de minha casa pilotando um imenso ônibus azul que ia para lugares distantes como Ribeirão Preto ou Sorocaba, que para o garoto pobre que mal tinha dinheiro para pagar o bonde que saía da Lapa e ia até a Praça dos Correios, no centro, tinha o mistério e o encanto de Bagdá ou Casablanca.

Mas a preferência mesmo era para ser locutor de rádio, como o Fiori Gigliotti, da Rádio Bandeirantes de São Paulo, que fazia de uma partida de futebol pura poesia. (“Tarde de sol no Pacaembu, torcida brasileira! Apita o árbitro abrindo as cortinas do espetáculo… Começa o jogo! Balão subindo, balão descendo, toque de bola do Santos, todo de branco jogando no palco verde do lendário estádio de São Paulo…”). Puta que o pariu, isso é abrir uma transmissão esportiva.

Grudado no velho radinho de meu pai eu via, eu sentia o momento mágico do maior time de futebol que já pisou num campo de futebol fazer do jogo um momento sublime, pelo menos com um rei e seus súditos. Acho que fui o único moleque que se esgueirava pelas grades do Pacaembu para entrar de graça no estádio para ficar olhando as equipes de rádio.

A vida que eu queria era a de viver de estádio em estádio narrando as épicas aventuras dos ídolos da bola. Mas, eu, mesmo sonhador, achava que exagerava no devaneio. Já estava bom ser repórter de campo como o Tom Barbosa, também da Bandeirantes, que após o gol sentenciava no seu microfone que tinha o tamanho de um tijolo e um som de lata, para dar ao locutor principal um tempo para beber água.

Dizia ele: “O lance foi exatamente como você narrou, Fiori, Mengálvio mandou um tirambaço na gaveta de cima do arco defendido por Poy, cravando mais um golaço do alvinegro da Vila Belmiro!”

Naquele tempo as transmissões se chamavam “Jornadas Esportivas” e tinham o patrocínio da Gillette ou da Brahma. Eu gostava tanto de rádio que como minha avó morava na rua da Rádio Nacional de São Paulo, eu roubava da lata de lixo da emissora textos já lidos e ficava treinando, usando como microfone uma lata de massa de tomate Elefante.

Eram textos de comerciais ou trechos de novelas, que os ases do microfone caprichavam na dicção para dizer obras-primas como: “Somente o amor à beleza é capaz de explicar os milagres luminosos dos Lustres Bobadilha. Lustres Bobadilha, verdadeiras obras de arte feitas em luz. Ideias Luminosas, Lustres Bobadilha”.

Esse texto era lido por um locutor da Nacional chamado Silvio Santos, que fazia o horário do meio-dia, nos intervalos comerciais do programa Manoel da Nóbrega, dono de um tal de Baú da Felicidade, que quase faliu, não fosse o locutor Silvio Santos ganhá-lo quase de presente e começar a construir um império. Eu comecei assim na propaganda. Lendo papéis velhos jogados fora. “Ela é linda… está noiva… usa Ponds!” “Dor de cabeça? Melhoral. Melhoral é melhor e não faz mal”. “Geladeira começa com GE”.

As pessoas lotavam o auditório das emissoras de rádio para ver as pessoas falarem ao microfone. E se aglomeravam em volta dos aparelhos para acompanhar uma partida de futebol. Era um milagre. E confesso que nunca em tempo algum um jogo foi mais emocionante do que as velhas vozes do rádio traziam para as pobres ruas de meu bairro.

E nunca houve amor mais sofrido do que o das mães solteiras nas novelas que jamais acabavam. São saudades, não muito mais do que isso. Como um dia teremos saudades do que hoje achamos maravilhas do mundo moderno.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor

(lulavieira@grupomesa.com.br)

 

Tudo que eu quis ser na vida foi ser locutor de futebol no rádio. Ou piloto de avião. Ou motorista da Cometa que passava diante de minha casa pilotando um imenso ônibus azul que ia para lugares distantes como Ribeirão Preto ou Sorocaba, que para o garoto pobre que mal tinha dinheiro para pagar o bonde que saía da Lapa e ia até a Praça dos Correios, no centro, tinha o mistério e o encanto de Bagdá ou Casablanca. 
Mas a preferência mesmo era para ser locutor de rádio, como o Fiori Gigliotti, da Rádio Bandeirantes de São Paulo, que fazia de uma partida de futebol pura poesia. (“Tarde de sol no Pacaembu, torcida brasileira! Apita o árbitro abrindo as cortinas do espetáculo… Começa o jogo! Balão subindo, balão descendo, toque de bola do Santos, todo de branco jogando no palco verde do lendário estádio de São Paulo…”). Puta que o pariu, isso é abrir uma transmissão esportiva. 
Grudado no velho radinho de meu pai eu via, eu sentia o momento mágico do maior time de futebol que já pisou num campo de futebol fazer do jogo um momento sublime, pelo menos com um rei e seus súditos. Acho que fui o único moleque que se esgueirava pelas grades do Pacaembu para entrar de graça no estádio para ficar olhando as equipes de rádio. 
A vida que eu queria era a de viver de estádio em estádio narrando as épicas aventuras dos ídolos da bola. Mas, eu, mesmo sonhador, achava que exagerava no devaneio. Já estava bom ser repórter de campo como o Tom Barbosa, também da Bandeirantes, que após o gol sentenciava no seu microfone que tinha o tamanho de um tijolo e um som de lata, para dar ao locutor principal um tempo para beber água. 
Dizia ele: “O lance foi exatamente como você narrou, Fiori, Mengálvio mandou um tirambaço na gaveta de cima do arco defendido por Poy, cravando mais um golaço do alvinegro da Vila Belmiro!”
Naquele tempo as transmissões se chamavam “Jornadas Esportivas” e tinham o patrocínio da Gillette ou da Brahma. Eu gostava tanto de rádio que como minha avó morava na rua da Rádio Nacional de São Paulo, eu roubava da lata de lixo da emissora textos já lidos e ficava treinando, usando como microfone uma lata de massa de tomate Elefante.  
Eram textos de comerciais ou trechos de novelas, que os ases do microfone caprichavam na dicção para dizer obras-primas como: “Somente o amor à beleza é capaz de explicar os milagres luminosos dos Lustres Bobadilha. Lustres Bobadilha, verdadeiras obras de arte feitas em luz. Ideias Luminosas, Lustres Bobadilha”.  
Esse texto era lido por um locutor da Nacional chamado Silvio Santos, que fazia o horário do meio-dia, nos intervalos comerciais do programa Manoel da Nóbrega, dono de um tal de Baú da Felicidade, que quase faliu, não fosse o locutor Silvio Santos ganhá-lo quase de presente e começar a construir um império. Eu comecei assim na propaganda. Lendo papéis velhos jogados fora. “Ela é linda… está noiva… usa Ponds!” “Dor de cabeça? Melhoral. Melhoral é melhor e não faz mal”. “Geladeira começa com GE”. 
As pessoas lotavam o auditório das emissoras de rádio para ver as pessoas falarem ao microfone. E se aglomeravam em volta dos aparelhos para acompanhar uma partida de futebol. Era um milagre. E confesso que nunca em tempo algum um jogo foi mais emocionante do que as velhas vozes do rádio traziam para as pobres ruas de meu bairro. 
E nunca houve amor mais sofrido do que o das mães solteiras nas novelas que jamais acabavam. São saudades, não muito mais do que isso. Como um dia teremos saudades do que hoje achamos maravilhas do mundo moderno.