Mídia como capital

Dia 1º de março completou um ano da gestão de Walter Longo à frente do Grupo Abril, um dos maiores de comunicação do Brasil, presente nas áreas de mídia, gráfica, distribuição e logística, por meio de holdings e empresas controladas. Nesse período, ele implementou, desenvolveu e/ou criou 36 novos negócios na companhia para gerar inovação e sinergia. O resultado até aqui é um amplo portfólio de serviços: Mídia, Assinaturas, Print, Total Express, Licensing, Casa Cor, Abril Branded Content (ABC) e Abril Big Data (ABD). Para tanto, a maior parte do capital aportado é a mídia, principal insumo da empresa. Exemplo recente disso, é a participação do Grupo na operação brasileira da Guiato, maior plataforma web e mobile de ofertas geolocalizadas do varejo físico. Segundo Longo, foram R$ 15 milhões em mídia investidos na transação. “Mídia é nossa atividade fim, mas pode ser atividade meio também”, afirma. “Estamos entrando de sócios em diversos negócios: de meios de pagamentos a energéticos”.

Neste mês, o Grupo anuncia mais uma parceria, desta vez com a catarinense Neoway, empresa de inteligência de mercado por meio do Big Data. De acordo com Longo, a Abril já possui mais de quatro milhões de assinantes, com alcance mensal de 80 milhões de pessoas. “Estamos lançando essa aliança com a Neoway, que tem outros tipos de dados, mais de crédito, seguro etc. Vamos juntar isso tudo e passar a aplicar na área de marketing. Nossa ideia é criar um produto chamado Dynamic Big Data, que é um novo jeito de usar dados, misturando fatos com conteúdo”. Ele garante que muitas outras novidades estão sendo criadas e serão anunciadas nos próximos meses. Confira a seguir entrevista com o executivo, com mais de 40 anos de experiência profissional, formado em administração com especialização em marketing (Califórnia/EUA).

 

Que produto lançou em parceria
com  Neoway?

Estamos lançando uma aliança com a Neoway, que tem outros tipos de dados, mais de crédito, seguro etc. Vamos juntar com o Abril Big Data (ABD), que já existe há muito tempo. Temos quatro milhões de assinantes e mensalmente falamos com 80 milhões de pessoas, um big data monumental. Isso nos dá um volume brutal de dados e informações, que trabalhamos para 80 clientes. Agora aplicaremos na área de marketing. Nossa ideia é criar um produto chamado Dynamic Big Data, que é um novo jeito de usar dados misturando fatos com conteúdo. Quando acho que alguém tem interesse num negócio, crio conteúdo disso. Analiso informações para saber a relevância e se a pessoa tem os recursos necessários para tanto e falo diretamente com ela. Quando se cruza conteúdo com o interesse, se tem uma possibilidade de acerto maior, minimizando custos, além de aumentar a eficiência.

 

Qual o público-alvo do Dynamic Big Data?

O mercado em geral, quem tiver interesse em big data aplicada ao marketing, CRM etc. Nós oferecemos o serviço, que não é simplesmente vender à lista, é preciso desenvolver. Por exemplo, uma empresa de pet foods que tem necessidade de descobrir quem são as famílias no Brasil que têm cachorro velho com problemas de rins. Cruzamos algoritmos e descobrimos 150 mil famílias com esse perfil, para lançar o produto. Faremos uma consultoria, depois que definirmos essas famílias, e vamos decidir o que fazer. É o relacionamento através de dados que pretendemos fazer à área de marketing.

 

Como vai funcionar essa parceria?

A Neoway é muito especializada na área financeira, bancária, de seguros. Vamos cruzar as informações para criar um banco ainda maior de dados. Nossos técnicos, que são mais voltados para marketing, alteram esses dados e tiram do banco comum entre a Neoway e a Abril.

 

Quais os destaques, deste um ano, da
sua atuação nos negócios da Abril?

Passamos a ter uma noção de Grupo, a trabalhar de maneira sinérgica. Ou seja, antes havia um presidente da editora Abril, da gráfica Abril, um da distribuidora Total. Com a minha posição de presidente do Grupo, passei a ver o potencial de sinergia que a empresa pode oferecer. Resumindo, trabalhamos na sinergia das unidades de negócios, que trabalhava de maneira mais autônoma, criamos um Grupo coeso de oferta ao mercado, um conceito de supplychain. Outra coisa, foi desenvolver novos produtos para oferecer para os mesmos públicos. Por exemplo, o Gobox, plataforma de clube de assinaturas de produtos, onde é possível comprar um clube de vinho, de fraldas, do Eataly, recebendo mensalmente em casa, como se fosse uma revista. Lançamos ainda o Go Read, que com R$ 22 compra-se a assinatura de 150 revistas digitais. É o Netflix das revistas, são mais de 15 editoras que se associaram a nós. Passamos a desenvolver parcerias utilizando a nossa mídia como capital de investimento. Temos hoje um monte de áreas dentro, em que desenvolvemos, praticamente como sócios, diversas marcas e produtos. Temos uma empresa chamada Multiassistência, que oferece assistência domiciliar e de automóvel ao mercado. Sou sócio disso, vendo isso, cobro isso e quem presta o serviço é a empresa Tempo Assist. Aproveitamos a sinergia dos negócios da Abril para oferecer mais serviços. Se a mídia tem menos publicidade, eu posso ganhar dinheiro de outras formas. Fazendo a propaganda e serviços dentro da revista. Outro movimento importante que fizemos foi a cultural autoral: dar mais exposição aos líderes de cada uma das revistas.

 

Quanto foi investido nessas e em outras
estratégias de negócios, desde sua chegada?

Fica difícil falar sobre investimentos. Porque, por exemplo, somos sócios da Guiato, em que investiremos R$ 15 milhões, mas esse volume é em mídia, não será em dinheiro. É híbrido, às vezes é dinheiro, em outras mídia ou serviços. Não dá para precisar exatamente o quanto. Estamos usando nossa mídia como forma de ganhar dinheiro. É nosso know-how, atividade fim, mas pode ser atividade meio também.

 

Você disse que a receita de publicidade vem caindo e outras, como serviços, produtos e eventos, aumentando. Quanto que essas novas fontes de receitas já representam?

Falando especificamente da editora Abril, a área de assinaturas era 40% e publicidade 60%, agora é o contrário. Eventos era considerado publicidade, vendia-se o patrocínio do evento. Então, a queda da publicidade nos últimos anos foi maior do que esta, mas, em vez de página de revista, eu ofereço evento, que é uma mídia, não separamos isso.

Este ano o Grupo Abril vai crescer?

Nossa previsão de crescimento para este ano é de 11%. O que não é muito, porque no ano passado decrescemos uns 10%. No fundo, ficaremos igual a 2015. Mas isso é porque foi o pior ano da história do país. Todo mundo caiu.

 

Novidades para este ano?

Tem muita coisa para este ano. Mas nada que podemos adiantar, porque cada área terá seu momento de divulgar. A gestão é pautada para trabalhar de maneira efêmera, mudando o tempo inteiro.

 

Quantos novos negócios implementou
no Grupo?

Eu ajudei o pessoal a criar. Tem 36 novos negócios no Grupo Abril. Inclusive trouxemos de volta seis revistas que haviam sido vendidas. A revista Placar deixou de ser apenas uma revista e se tornou multiplataforma. Colocamos a Placar dentro da Veja na área digital, eventos de futebol. Cada uma das marcas está inventando coisas. Este ano passa a ter Casa Cor Miami. Não para de ter novidades. É gestão, se consegue inocular na empresa, na organização, essa sensação de mudança e novidade constante, a empresa reage e vai em frente. A empresa tinha represado um pouco isso, por falta de liderança.

 

Você dorme?

Interessante essa sua pergunta. Durmo apenas três horas, mas sempre foi assim. Sou que nem o João Doria. Eu não tomo café, não almoço e não janto. Porque eu não como, eu não durmo. Grande parte do dormir está relacionada à necessidade do corpo de digerir a alimentação. Como barra de cereal, um bolinho, qualquer coisa. Quando eu tinha 20 e poucos anos fui ao médico e ele me disse: “você está tecnicamente morto, mas vamos ver quanto tempo consegue sobreviver.” Até hoje não aconteceu nada.

 

Toda essa mudança do Grupo tem a ver
com seu perfil? Inclusive de profissional
de agência de publicidade?

Tem a ver com o perfil de inovação digital. Não sou publicitário, mas uma pessoa da área de inovação, tecnologia. Na agência fazia essa área de planejamento estratégico. Tem mais a ver com missão consultiva do que com a propaganda. As agências hoje em dia estão passando por uma revisão profunda. Porque as formas de remuneração mudaram, as consultorias roubaram um espaço gigantesco, o mundo digital diminuiu as margens, que antes se ganhava BV de 15%. Tem muita coisa acontecendo. Creio que as agências ficaram muito tempo dormindo. É preciso atuar de maneira efêmera para ficar perene. Se atuar de maneira perene, se fica efêmera. Passaram muito tempo fazendo as mesmas coisas, com o mesmo modelo. Preocupadas com prêmios e com Cannes. As consultorias vieram e roubaram a cena.

Hoje a leitura de dados passou a ser um
diferencial estratégico?

São várias coisas. Primeiro, continuo achando que dados são fundamentais para se trazer resultados à empresa, mas, por exemplo, as companhias estão preocupadas com a perda da importância do branding em função da diminuição dos investimentos publicitários. Publicidade cria branding, big data. Promoção cria venda, mas não necessariamente marca. Na hora que se comoditizar e tirar a marca, o que passa a importar é o preço, aí haverá uma margem menor.

 

Você chama a nossa era de pós-digital,
por quê?

Porque a era digital foi caracterizada pela excitação e o medo do digital. Ficávamos excitadíssimos com as oportunidades que o digital nos proporcionava, agora isso já faz parte do nosso cotidiano, por isso chamamos de pós-digital. Nessa era, onde já convivemos cotidianamente com o digital, algumas características surgem e estão mudando. Umas delas é a efemeridade, as decisões precisam ser cada vez mais rápidas. Mesmo certas, precisam ser revistas. É necessário mexer em time que está ganhando. E por que isso? Porque num mundo em que tudo é mais efêmero, as empresas não morrem apenas por fazer coisas erradas, mas também por fazer coisa certa por um tempo longo demais. Ora, quando isso acontece, preciso atuar de maneira muito mais veloz. As empresas ainda atuam de forma muito lenta, as decisões são demoradas, passam por vários layers decisoriais. Não estamos empoderando a ponta que tem relação com o público na velocidade certa. Nosso grande desafio é agilizar as operações, criar poderes e decisões mais na ponta, com isso trabalhar de maneira mais efêmera. As empresas que atuarem dessa forma, vão ficar perene.

 

O que é preciso fazer para isso?

Gestão nada mais é que dividir seu tempo com sabedoria entre pendências e tendências. Nós, no Brasil, no meio dessa crise toda, estamos muito mais preocupados com pendências do que com tendências. Isso vai fazer um mal enorme lá na frente. Nós vamos nos atrasar enquanto país, em relação aos outros. Temos de disseminar a cultura de uma visão de tendências dentro das companhias. E o big data, a internet das coisas e a inteligência artificial, que pareciam futuro, já estão aí. Nós precisamos, portanto, inocular na mente de todos a visão de que precisaremos atuar dentro de um mundo cada vez mais efêmero, com mais tecnologia e inovação.

 

Você disse que as pessoas podem se
inspirar no circo. Por quê?

Parece anacrônico falarmos de circo, quando se fala de futuro. Mas, a verdade é que o circo, neste último século, sempre atuou da maneira que os novos manuais de gestão nos falam que devemos atuar. Ou seja, o circo sempre trabalhou de forma efêmera. Quando o mercado em que ele está instalado diminui, ele pega tudo põe num caminhão e leva embora para outro local. Nada mais efêmero e veloz que isso. Sempre falamos que temos de interagir com nosso público. Neste caso, o palhaço é o melhor exemplo. Leva as pessoas para o picadeiro. Falamos que devemos assumir risco, o circo assume risco toda noite colocando aquele globo da morte. Ou seja, o circo sempre teve todas as características que uma empresa precisa ter. A única decisão que temos de tomar é se queremos ser o circo Garcia ou o Cirque du Soleil.

 

O anunciante já sabe lidar com tantas
informações? Com o impacto direto
do seu público-alvo?

Acho que sim, mas claro que depende do anunciante. Alguns estão bastante científicos nessa análise, nessa busca, outros ainda não. Mas, de certa maneira, o mundo digital equalizou novamente essas possibilidades. Há pouco tempo, algumas empresas grandes tinham feito investimentos maciços em big data, portanto, tinham uma vantagem competitiva em relação às pequenas e médias empresas, que desapareceram. Hoje todo mundo tem acesso a todo tipo de informação. Se antes ser grande era uma enorme vantagem competitiva, hoje é quase que um problema ou desafio, porque a empresa pequena tem as mesmas possibilidades de uma grande, com a vantagem da velocidade de decisão que a grande não tem. Cabe a nós, que somos gestores, dar a nossas empresas a mesma velocidade para continuar competitiva.