A morte da marca Trump como a conhecíamos (Reprodução)

Você lembra do Donald Trump pré-presidência dos Estados Unidos? Os mais jovens, certamente, não terão tal memória. A entrevista de Bruna Lombardi, em meados dos anos 90, pode ajudar:

O executivo era sinônimo de sucesso financeiro, além de apresentador de grande êxito com a versão clássica do programa “O Aprendiz” (no Brasil, o show teve comando de Roberto Justus e João Dória Jr.).

Após seu mandato presidencial, Trump deixará um legado para a democracia norte-americana, mas também será um “novo Trump”. Longe de ser o carismático participante de séries como “Um Maluco no Pedaço” ou de filmes como “Esqueceram de Mim 2”.

O “novo Trump” agora tem sua imagem ligada a supremacistas brancos, discursos de intolerância e violência, além de alguém que deslegitima a tão orgulhosa democracia dos EUA.

Em artigo recente na Adweek, Robert Klara, editor sênior de marcas da publicação, refletiu sobre os efeitos dos últimos acontecimentos ocorridos nos Estados Unidos na marca Trump.

Durante anos, conforme destaca Klara, Trump usou sua propriedade, personalidade e celebridade para forjar uma marca viva que, ao mesmo tempo, incluía de tudo, desde roupas masculinas a perfumes. Depois de se tornar presidente, ele usou o escritório para polir ainda mais essa marca – mais visivelmente com o Trump International Hotel, a apenas três quarteirões a leste da Casa Branca, que estava repleto de diplomatas ansiosos para agradar o 45º presidente.

Você usaria o perfume Trump? (Reprodução)

Mas agora que Trump perdeu o apoio até de aliados firmes, o mundo dos negócios está começando a considerar a questão de como a marca Trump, que hoje existe na forma de 10 hotéis, 19 clubes de golfe e 33 prédios residenciais em todo o mundo, se sairá nos próximos meses, ou mesmo se sobreviverá.

“Os eventos [de quarta-feira] cimentaram uma ameaça terminal à sobrevivência do que restou da marca Trump”, disse Eric Schiffer, empresário em série e colaborador regular de negócios da CNN, à Adweek.

Tal queda não aconteceu de ontem pra hoje. Entre 2019 e 2020, Trump perdeu cerca de US$ 600 milhões de seu patrimônio estimado, uma queda de 20%, de acordo com a lista 400 da Forbes. Embora algumas de suas perdas – como US$ 1 bilhão em receitas perdidas que suas propriedades sofreram em abril de 2020 – resultem da paralisação das viagens causada pelo coronavírus, o alerta vermelho apareceu muito antes do Covid-19.

Entre 2015 e 2017, por exemplo, a receita operacional do resort Doral em Miami despencou 69%. “As propriedades da Trump Organization”, relatou o USA Today em 2019, “não são mais desejáveis ​​para os inquilinos”.

Ao contrário do que parece, Trump não possui a maioria das propriedades que levam seu nome. Ele possui apenas partes de alguns deles e, em vários casos, os desenvolvedores pagam taxas de licenciamento pelos direitos de pendurar a placa com o nome Trump na frente. Ou, pelo menos, eles faziam isso.

Em 2019, seis edifícios com o nome Trump em Manhattan tiraram suas placas Trump, seguindo a deixa de dois hotéis Trump fora dos Estados Unidos que já haviam feito isso. Naquele mesmo ano, o hotel Trump Soho no centro de Manhattan tornou-se The Dominick. O nome de Trump ainda está na torre de seu hotel-condomínio em Chicago, mas uma reportagem recente na revista Chicago questionou quando o nome seria retirado.

Grandes corporações e organizações, atentas às críticas do público e de seus próprios funcionários, devem ser cautelosas ao realizar uma convenção em alguma propriedade Trump. De acordo com a empresa de pesquisas PwC, 85% das reuniões dos EUA acontecem em hotéis, enchendo quartos que representam cerca de 68% da receita média de um hotel. Se as empresas não agendam reuniões em um hotel Trump, o dano potencial fala por si.

Outra onda que pode estar se dirigindo para a marca de Trump é a financeira. Trump garantiu pessoalmente cerca de US$ 600 milhões em empréstimos, muitos deles provenientes de hotéis altamente alavancados, como seu Trump International Hotel em Washington, o resort de golfe Doral e o Trump International Hotel and Tower de Chicago (no qual Trump deve US$ 50 milhões). Enquanto a maioria dos bancos abandonou Trump na década de 1990 após o colapso de seus cassinos em Atlantic City – algo que ficou conhecido como “Risco Donald” – o Deutsche Bank AG emprestou cerca de US$ 2 bilhões para a Organização Trump ao longo dos anos.

Portanto, se algum dos hotéis de Trump exigir financiamento adicional, Trump – em grande parte devido ao seu comportamento recente – pode ter dificuldade em encontrá-lo.

Mas Trump possui uma base de fãs, isso é inegável. Porém, segundo especialistas ouvidos pela Adweek, é questionável tal base é forte o suficiente para sustentar seu negócio. “Há uma grande desconexão entre as pessoas que acreditam em sua ideologia política e a demografia necessária para apoiar seus ativos de negócios”, refletiu uma das fontes ouvidas.

Uma pesquisa do Washington Post realizada antes da eleição de 2016 descobriu que o apoio de Trump foi mais forte entre os americanos que não foram para a faculdade e ganham menos de US$ 50.000 por ano. Uma pesquisa Pew conduzida em outubro descobriu que este perfil demográfico permaneceu praticamente o mesmo. Este é o grupo cujo potencial de ganhos foi mais duramente atingido pela globalização e pelo offshoring. Com as taxas de um quarto no Trump International Hotel & Tower em Nova York pairando na faixa de US$ 500 por noite, parece improvável que os trumpistas fanáticos apoiem Trump financeiramente se hospedando em seus quartos.

Tais fatos não significam que Trump não será capaz de aproveitar as inúmeras oportunidades de geração de renda que se apresentam aos ex-presidentes norte-americanos. Há um crescimento do potencial de receita no mercado de palestrantes, por exemplo. Obama, inclusive, já palestrou no Brasil (relembre aqui).

O presidente Bill Clinton ganhou US$ 260.000 por um único discurso que fez para a Fragrance Foundation em 2016 e, no mesmo ano, ganhou US$ 18 milhões para ser um “chanceler honorário” de uma escola. Em 2017, Barack e Michelle Obama assinaram um contrato de livro com a Penguin Random House no valor de US$ 65 milhões, e um ano depois concordaram em um contrato de vários anos para produzir conteúdo para a Netflix.

Não há como afirmar se a marca Trump irá sobreviver. Mas, certamente, ela não será mais a mesma.