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Num papo de mesa de botequim, recentemente, alguns produtores de som debatiam o suposto “fim do jingle”. Entre muitos argumentos sobre o envelhecimento do formato, o que acabou despontando de maneira mais ou menos clara é que há uma questão de definição em jogo, muito mais do que propriamente o fim de um formato de trabalho.

Como muitos publicitários não gostam mais de usar o termo “propaganda” para definir o que fazem, sob o argumento de que a definição envelheceu e tornou-se limitada, muitos trilheiros de hoje não apreciam mais o termo “jingle” para definir certos trabalhos. Mais do que isso: não apreciam toda a carga que o termo traz com ele dos tempos dos velhos “jinglistas”, das velhas agências, dos velhos RTVs, das velhas produtoras.

Esses vários tempos e suas inerentes mudanças provocadas no mercado estão sendo profundamente investigados pelo publicitário Fábio Dias, criador do projeto “Clube do Jingle”, que costuma dizer que para fazer jingle não basta ser músico, nem ser só publicitário.

Na visão dele, é preciso conhecer muito as duas coisas: condensar tudo o que um briefing pede em apenas 30 segundos, e ainda criar uma melodia forte, agradável, bem resolvida em métrica e rima, e que grude no ouvido das pessoas.

“É coisa para maestro. Não é para qualquer um”, diz Dias, que prepara um livro sobre a história do jingle e afirma que o formato vem, sim, sendo menos usado, dando lugar a músicas de sucesso conhecidas ou trilhas criadas por algum “trilheiro” mais barato e com menor risco de erro. Para ele, o jingle é a forma de propaganda que mais se aproxima da arte, e como tal sempre terá seu espaço. No entanto, trata-se hoje de um “highlander” da publicidade, uma espécie de ferramenta de comunicação imortal que nunca morrerá, apesar das transformações no mundo.

“A publicidade procura se arvorar nos movimentos musicais e culturais de cada época, e a verdade é que mudou a música e o modo de consumi-la. Hoje, o público jovem e boa parte do adulto ouve uma música muito mais rítmica do que melódica. É o fenômeno da música eletrônica. Além disso, há o barateamento e a facilidade que a tecnologia trouxe em relação aos equipamentos do estúdio. Hoje qualquer um pode montar um estúdio minimamente profissional em casa. Atualmente há poucos maestros e muitos ‘trilheiros’”, conclui Dias.

Apreciador e conhecedor incontestável de jingles, o publicitário Lula Vieira garante que não há nada como “o fim do jingle”. “Basta assistir a TV, ouvir o rádio ou acessar a internet. O que acabou foi a fórmula antiga do comercial de 30 segundos com a mensagem cantada como única definição de jingle. Ainda que eu ache meio picaretagem a expressão sound branding, não encontro melhor explicação para o papel que a sonorização está tendo, seja em quais forem as mídias. Existe até mesmo um trabalho muito interessante de ‘microjingles’, marcas sonoras que passam a mensagem em cinco segundos”, diz Lula.

Por outro lado, o publicitário lembra que há inúmeros exemplos de jingles por aí dentro da sua definição bem tradicional – como o da NET, da Decolar.com, do “desapega”, do Banco Itaú (digital), da campanha Criança Esperança.

“São alguns jingles dos quais me lembro de imediato e foram criados nestes últimos anos e que estão na TV. Se pensar mais um pouco, vou me lembrar de – pelo menos – mais uns dez trabalhos que poderiamos chamar de jingle, pois contêm de alguma forma as caracteristicas tradicionais dele. No rádio, basta ouvir a Tupi ou a Globo aqui no Rio. Lá estão os jingles reinando”, observa.

Para Philippe Degen, diretor de criação da Talent, jurado da categoria Radio este ano no Festival Internacional de Criatividade de Cannes, o jingle está vivo e passa muito bem. E ganhou até Grand Prix em Cannes. Quem não lembra de “Dumb Ways to Die”?

“É importante ressaltar que o jingle é uma ferramenta, não uma ideia. Não basta dizer: ‘Já sei, vamos fazer um jingle’. É preciso colocar algum conteúdo dentro dele. Foi o que a campanha ‘Dumb Ways to Die’ fez. A ideia era fazer uma música infantil para ensinar adultos sobre jeitos estúpidos de morrer, para chamar a atenção sobre os acidentes fatais que acontecem no metrô. Agora imagine se uma agência simplesmente jogasse esse job na mão da produtora de áudio e pedisse uma música sobre segurança no metrô. Eu já imagino um samba rock cantando algo como: ‘Olha o trem aí gente!’. Não ia ficar legal. Ia entrar por um ouvido e sair pelo outro. E quando isso acontece, a gente se pergunta se o jingle perdeu a força”, comenta Degen.

Como tudo na propaganda, existem jingles com ideia e jingles sem ideia. E talvez os sem ideia nem mereçam ser chamados de jingles, pois eles em geral remetem a trabalhos bem executados, com brilho musical, grudados como chiclete num canto do cérebro, de um jeito que as pessoas se pegam cantarolando no banho. “O jingle sem ideia, com letra e trilha branca, não perdeu a força, porque na verdade ele nunca teve”, conclui Degen.

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Serginho Rezende, CEO da Comando S Audio, chama a atenção, como Lula Vieira, para o período de “transformação” que vivemos, em que o jingle deixa de ter aquela forma original e se aproxima da música, com roupagem mais próxima do que é ouvido em discos. Na Comando S, ele proibiu chamar os trabalhos de “jingle”.

“Os artistas estão cantando músicas associadas a marcas, ou músicas compostas para campanhas. Como, por exemplo, a campanha do Santander com o Roger e a Tiê para o Banco do Brasil. Aqui na produtora é proibido tratar como jingle porque nossa filosofia é realizar qualquer trabalho de forma mais musical possível, desde a composição, produção, gravação, até a finalização. Em algumas campanhas de varejo ou de produto de massa, o jingle faz bem seu papel. Só temos que tomar cuidado com a linguagem. Hoje temos que adaptar aos nossos tempos, ao que as pessoas querem ouvir. Por isso, cada vez mais a presença de estilos musicais próximos aos que as pessoas querem ouvir”, conclui.

Lucas Duque, sócio da Sonido e vice-presidente da Associação Brasileira das Produtoras de Fonogramas Publicitários, também acredita que o conceito de jingle mudou e que os chamados jingles, hoje, são paródias de músicas famosas. Segundo ele, não é possível analisar o jingle por aquilo que ele foi um dia. Há maior sutileza ao entregar, hoje, produto e letra. As marcas querem uma experiência agradável aos ouvidos, mais do que “martelar o nome”.

“Sim, as marcas buscam músicas autorais para sua comunicação. Mas isso não é um jingle? Acho que é sim. Temos inclusive feito essas músicas originais. Ou seja, o jingle está vivo! Mas o conceito mudou um pouco. E acredito que hoje ele tenha um valor maior. Ajuda mais na construção da marca”, afirma.

O produtor musical Nani Dias, do Studio Hitz, vai além: para ele, a música pop se formatou tanto que virou jingle. Os artistas já fazem seus projetos buscando patrocinadores, e não fãs. Fãs não amam mais seus artistas, e quando isso acontece é porque seus jingles/músicas tocaram muito – portanto foram bem patrocinados e veiculados. Ele argumenta que hoje qualquer produto pode comprar o artista que bem entender.

“Veja o Hip Hop, por exemplo, e sua indústria milionária vendendo bem mais do que música. Os outros segmentos em geral seguem o mesmo padrão no mercado. Mas o jingle ainda é a forma mais barata e eficiente de associar uma melodia ou som a uma marca ou produto. Você pode dirigir, produzir, intervir e possuir. Sem esquecer que o sucesso de um jingle se deve principalmente a veiculação e mídia. De nada adianta um jingle chiclete se ele não tocar, não vai grudar em nenhuma mente”, argumenta o produtor. Para ele, sempre que um bom jingle estiver efetivamente em ação, o resultado será imediato e surpreendente. “Tanto é que o pop virou jingle, compre já o seu!”, diz.

A tecnologia e o modo de produção mudaram sim, o que atualizou o conceito e aproximou as ferramentas dos poderosos estúdios fonográficos da garotada que brinca no Garage Band. Mas, segundo Nani, um bom jingle, bem veiculado, é uma arma muito poderosa para plantar uma marca ou conceito na cabeça de qualquer um.

Impacto

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Kiko Fernandes, diretor e produtor da Speedball, diz que tornou-se corriqueiro agências solicitarem a produtoras um “jingle disfarçado”: uma música sob encomenda, com alguma frase ou slogan de uma futura campanha embutida na letra. Um artista ou banda conhecida grava e coloca seu repertório no show. A música é lançada fora do break comercial, seguindo uma divulgação normal na programação das rádios e TVs. O cliente oferece uma contrapartida que pode ser, além de um gordo cachê, o financiamento da turnê do artista e promoções com a banda. 

“Existe um desejo de se apropriar de um sucesso obtido por um artista ou canção. Ou mesmo utilizar antigos hits repaginados para trabalhar com a memória afetiva do target. Isso não é de hoje. Essa estratégia pode parecer eficiente. Mas oferece um enorme risco. Uma vez que aquele fonograma não foi composto para aquela ação, qualquer outro anunciante pode usar essa mesma música. É o que acontece, entre outros casos, com a música ‘Happy’, do Pharrell Williams. Vários anunciantes decidiram usar essa mesma música em suas campanhas. Ela está no ar com produtos de diversas categorias. Tudo se torna óbvio, sem impacto e enjoativo”, observa.

Para ele, se é memorabilidade e fidelização que uma marca deseja, o jingle em geral consegue isso de uma forma muito natural. Se a trilha sonora proporciona uma emoção desejada para uma determinada cena, o jingle vai além e agrega memorabilidade e simpatia a uma marca. Kiko não acredita, definitivamente, no “fim do jingle”.

“Estamos num momento de disperção de audiência, de aumento no percentual de verba desperdiçada na tentativa de se atingir o target, de um enorme esforço para se bater metas. Dispensar ou ignorar uma ferramenta tão potente e indicada para ajudar na fidelização, como o jingle, só por desconhecimento mesmo. Seria a vitória da ignorância sobre a razão”, opina.

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Filipe Trielli, presidente da Aprosom desde o início do ano passado e sócio e produtor musical da Panela, diz que a demanda por jingles continua grande. E que há até mesmo uma tendência de “volta do jingle”, talvez devido ao aumento de consumo pela Classe C e da consequente demanda de peças de varejo. Ao mesmo tempo, há os pedidos de músicas “sem cara de jingle”.

“Hoje os jingles que mais repercutem são os que não têm uma cara tão vendedora. O ideal é passar a mensagem de forma mais sutil. Um exemplo recente é a campanha do Pão de Açúcar, com ‘O que você faz pra ser feliz’, feito aqui na Panela. O nome do cliente só aparece na locução final. O que está ali é a expressão de um valor, um sentimento, que a marca gostaria de imprimir, e foi justamente por isso que fez sucesso. Há ainda o exemplo ‘Vem pra rua’, da Fiat, que também estrapolou a publicidade e virou hino nas passeatas”, diz Trielli, que também lembra o hit “Dumb Ways to Die”.

Para ele, o valor do jingle é misturar mensagem com canção e ficar na memória, quando bem feito. Não é à toa que lembramos dos jingles dos nossos brinquedos ou produtos preferidos da infância.
“Talvez vivamos o fim do jingle como o conheciamos nos anos 80 ou 90, mas também um renascimento. Os jingles de sucesso andam meio disfarçados de canção popular, mas ainda estão por aí com toda a força”, afirma.

Daniel Lopes, produtor da Silence, afirma que o jingle se modernizou, e que apesar do licenciamento de músicas e selos digitais, sempre haverá a necessidade da canção original, feita especialmente para o produto. “E quando digo feita especificamente para um produto, não quero dizer que haja a necessidade de se cantar o nome do produto. Acho que as pessoas têm muito na cabeça o estereótipo do jingle clássico, do jingle de varejo, que era carregado de informações promocionais na letra, soando artificial e ultrapassado. Esse tipo de trabalho não está em desuso, mas não atinge mais grande parcela dos consumidores que se sofisticaram ao longo dos anos”, argumenta.

Kito Siqueira, da Satelite Audio, diz que a “era de ouro” do jingle, como a conhecemos em outros tempos, acabou. Mas, em essência, o jingle é uma música, e deve ter uma boa estrutura musical: melodia, condução de ideias da letra, arranjo, sonoridade.

“Não adianta colocar todas as palavras que o cliente gostaria e fazer uma música ruim que fala tudo. Para isso um locutor ajuda muito mais. O jingle tem de carregar a sensação, personalidade e identidade da marca, de maneira que isso se torne uma única coisa”, explica.

Mas há quem prefira declarar a morte do jingle no lugar de falar de mudança ou de transformação. É o caso de Lou Schmidt, produtor da Antfood, que atua em São Paulo e em Nova York. Os jingles que restam – no seu formato mais “antigo”, digamos assim – estão hoje em campanhas de varejo, promoções de supermercado, campanhas políticas e peças veiculadas em carros de som, com apelo mais popular e direto.

“O jingle morreu faz tempo, com algumas raras exceções em nichos de públicos-alvo bem específicos. A maioria do público consumidor dos dias de hoje só se identifica com música para publicidade que pareça música de verdade, como uma banda, um artista famoso, uma trilha de cinema. Por outro lado, quando temos uma trilha composta para publicidade que parece mesmo com música, ela vai chamar atenção e você vai observar a enorme quantidade de pessoas perguntando no YouTube: ‘Qual banda toca a música de tal comercial?’. Isso gera um movimento que agrega muito valor à marca do cliente e ao produto vinculado à música”, analisa Schmidt.

Zanna, produtora da Zanna Sound e jurada do Radio Lions em Cannes em 2011, diz que vivemos a era da experiência. “Quem gosta de ser abordado pela vendedora que, está na cara, precisa bater a sua meta? Quem gosta de ouvir o som da cancela do shopping que fica falando que o shopping X agradece a sua visita enquanto retarda a sua saída? Da mesma forma, é um alívio baixar o som da TV ou do rádio na hora do intervalo. Não queremos mais ser abordados por essa venda pouco discreta em que insistem em empurrar algo que a gente não precisa”, diz.

Segundo ela, as pessoas querem se sentir envolvidas, querem atmosfera, qualidade, e o “blá-blá-blá publicitário” incomoda. “O jingle entrega o bife, é a venda cantada. Tem algo mais ultrapassado e chato? Não há mais espaço para esse formato de comunicação. Agora queremos ouvir boas histórias, boas ideias, queremos entretenimento, valores, apreciar marcas responsáveis, queremos sonhar. Jingles são muito concretos, não contam histórias desinteressadamente, no final tem sempre o tal do produto que você precisa comprar”, diz Zanna.