Divulgação

Em um artigo recente sobre a Netflix no Vulture.com um leitor deixou ] seguinte comentário: “Algumas das séries originais Netflix são boas, mas o serviço originalmente era um lugar para se encontrar bons filmes. Hoje a Netflix está tão focada em promover suas próprias séries que parece ter desistido de seu modelo original de negócio”. Na realidade, ser um espaço para todo tipo de conteúdo nunca foi “o modelo original de negócio” da Netflix.

Ao criar seu serviço, em 2013, o CCO Ted Sarandos queria torná-lo uma HBO. Dois anos depois, se não chegou à qualidade ou à lucratividade da HBO, Sarandos conseguiu produzir um volume de conteúdo bem maior que seu cobiçado concorrente.

E conseguiu outra proeza: atingiu um valor de mercado de US$ 32,9 bilhões, mais do que o canal mais caro dos Estados Unidos, a CBS, e a principal produtora de TV por assinatura americana, a Viacom. A explicação é simples: o modelo de consumo de conteúdo proposto pela Netflix é imbatível e irreversível, e segue a tendência do consumidor de não querer mais assistir sua programação em horários determinados. À TV tradicional caberão as transmissões ao vivo, que vão muito bem obrigado.

Pedro Curi, coordenador do curso de graduação de Cinema e Audiovisual da ESPM Rio, diz que, no Brasil, a Netflix, outros serviços de streaming e os próprios serviços de pay per view, em geral, atendem a nichos premium, enquanto a TV por assinatura brasileira mantém-se empenhada em popularizar a audiência. Pedro fez uma pesquisa para sua tese de doutorado em que ouviu 5 mil pessoas na internet e descobriu, por exemplo, que 70% delas usam Video On Demand para assistir suas séries e conteúdos favoritos. E como VOD, leia-se downloads em geral fora dos padrões legalizados ou pagos. E, mesmo nos Estados Unidos, esse volume é alto.

O que ainda atrapalha o streaming por aqui é a ainda baixa qualidade de conexão. “No Amapá chega-se a levar uma hora para carregar um vídeo de 15 minutos. Mas a tendência é melhorar, claro”, observa.

Alberto Pecegueiro, diretor-geral da Globosat, diz que a TV por assinatura, por sua capacidade em se adaptar rapidamente às novas tecnologias, tem sido um importante player no mercado de OTTs (over-the-top content, transmissão livre via banda larga). “Vários canais Globosat são exibidos via simulcast pela internet, sempre associados ao pacote de TV por assinatura, na plataforma Globosat Play. Além disso, os canais contam com programas que podem ser assistidos a qualquer hora e onde se quiser. São mais de 2,2 milhões de usuários cadastrados e este número vem se ampliando.”

Maurício Mota, da Wise Entertainment, diz que o mercado de TV por assinatura no mundo todo anda preocupado com a Netflix e outros serviços de streaming por três motivos. O primeiro é que a Netflix não é apenas distribuidora, mas produtora. “E compram globalmente, então os canais estão começando a perder sua receita de poder vender o mesmo conteúdo em 200 países”, observa.

O segundo motivo: a Netflix leu a cultura melhor do que ninguém e percebeu que as pessoas querem assistir o conteúdo desejado na hora desejada. “Appointment TV” vai servir só para eventos esportivos e grandes eventos ao vivo. Ponto. Isso quer dizer que anunciantes de todo o mundo estão se adaptando ao streaming e as receitas tradicionais vão cair.

O terceiro motivo seria a tendência de não ter mais TV por assinatura a menos que a oferta de conteúdo seja muito boa. “Milhões de pessoas nos EUA hoje só têm Netflix, Hulu e uma banda larga muito veloz. Claro que o mercado ainda vai existir, mas a pergunta é: por que pagar por 700 canais se você só assiste a dez?”, diz.

Estreia

No final do ano que vem, será exibida na Netflix a primeira série brasileira criada e produzida por aqui. “3%” é como se chama o thriller fantástico que começa a ser filmado no início do ano que vem, em 4K. É um projeto da Boutique Filmes, que convidou para dirigir a primeira temporada de sete episódios o diretor Cesar Charlone, internacionalmente conhecido por trabalhos como “Cidade dos Homens”. Tiago Mello, diretor de conteúdo e negócios da Boutique, que será diretor-executivo da série, diz que a produtora vem trabalhando para canais da Fox, Turner e da Globosat, e considera a Netflix um canal de inovação.

A série mostra um mundo dividido entre “o lado de cá”, mais pobre, e o “lado de lá”, mais rico, no qual jovens passam por provas para entrar em um lado ou em outro. Os atores serão Bianca Comparato e João Miguel. “Vivemos um processo de amadurecimento, com as nossas séries indo para fora. Até pouco tempo atrás só se assistia novela no Brasil. Temos que criar a nossa marca e, quanto ao consumidor, não tem jeito, não dá mais para enquadrá-lo, não há mais horário para o conteúdo, é uma mudança inevitável”, diz Mello.

Maurício Mota, copresidente e sócio da Wise Entertainment, de Los Angeles, diz que o mercado nunca esteve tão bom para quem produz e vende conteúdo. “Estamos na ‘terceira era de ouro’, onde todos os canais estão comprando mais e mais conteúdo de qualidade e mais ousado. Todo mundo entende cada vez mais que ‘Conteúdo é o melhor marketing’ e que a audiência e a marca dos canais são construídas muito mais com as séries que você compra do que milhões em marketing. Minha mãe, a roteirista e escritora Sonia Rodrigues, diz uma coisa maravilhosa sobre a TV hoje: ‘As séries representam para o século 21 o que o romance representou para o século 19 e o cinema para o século 20’”, diz.

Gil Ribeiro, diretor-presidente da Conspiração, diz que a Netflix aos poucos se tornará um player importante no Brasil, mas que, por enquanto, não há budget para produzir em volume por aqui. “Eles não possuem uma distribuição que valha a pena para investir fortemente em conteúdo nacional, começaram agora. Já negociei várias com eles e há uma dificuldade de valores. Mas deve melhorar muito, quanto mais janelas melhor. É muito bom players como Amazon e os próprios canais montando seus projetos. O modelo está mudando. E para nós, o importante é que o conteúdo esteja presente em todas elas”, diz.