Miopia, arapucas e coelhos da Páscoa
O conceito de miopia é evidentemente emprestado do artigo sobre miopia em marketing, de Ted Levitt, escrito em 1975 para a Harvard Business Review, que se tornou um clássico entre os textos e concepções analíticas de nosso setor.
A miopia no setor publicitário acontece em diferentes graus e ângulos, daqueles relacionados em aspectos aparentemente diferentes, mas na essência muito parecidos como acreditar que tudo que é tradicional está superado e tudo que é novo funciona melhor; que é possível usar indefinidamente a mesma abordagem, instrumento ou campanha, sem nenhuma atualização; que o simples fato de empregar uma novidade pela primeira vez em uma categoria ou mercado é suficiente para se alcançar o sucesso; que uma mensagem excepcionalmente boa compensa um produto deficiente ou um produto fantástico dispensa comunicação; que o fato de uma sacada inteligente que deu certo para uma campanha restrita a um público focado e uma marca de nicho vai dar certo para qualquer esforço, target e negócio; e assim por diante.
Todos os dias nos damos conta do fenômeno da miopia em marketing e publicidade, inclusive na ideia de que uma excepcional ação de marketing é tão forte que pode existir sem investimentos publicitários ou que grandes volumes de publicidade farão acontecer um plano de marketing medíocre. Outro problema recorrente é que esses pensamentos, atitudes e ações míopes acabam sendo os principais responsáveis pela armação de arapucas pelos próprios marqueteiros ou publicitários, seja em relação a seus concorrentes, clientes ou superiores.
A realidade é que parte importante – talvez a maior parte – das arapucas nas quais nos metemos em nosso dia a dia profissional é autoconstruída ou se aproveitou de nossa contribuição, voluntária ou involuntária, para ser estruturada.
E depois, quando somos capturados pelo fracasso, tendemos a culpar, exclusivamente, os outros por isso: o mercado, a crise, a concorrência predatória, os consumidores ultrapassados, os preços, nossos chefes, clientes, colegas e fornecedores, além do grande azar que tivemos e assim por diante.
Finalmente temos a questão de continuar acreditando em coelhinhos da Páscoa, Papais Noéis, duendes irlandeses, fadas madrinhas, gênios de garrafas e toda a sorte de elementos mágicos que vão nos socorrer a dar um jeito de que coisas mal feitas, tortas, pobres e burras darão magicamente certo.
No fundo, todos dos setores de negócios, marketing e publicidade sabem que produto ou serviço sem comunicação não rola; que marcas com atitudes esquizofrênicas não se fortalecem ou perduram; que mensagens bobas ou mal produzidas não conquistam corações, mentes e bolsos; que o barato funciona pouco ou acaba saindo caro; que fazer as coisas com pressa e sem planejamento vai elevar os custos e reduzir os retornos; que mentir ou ser preconceituoso é como dar um tiro no pé; que a grande massa dos consumidores não vai criar nem espalhar as mensagens da marca; que as mídias sem mensuração independente estarão mentindo sobre seus números; que as agências que nunca fizeram uma grande campanha provavelmente vão continuar fazendo publicidade medíocre.
Ao combinar perigosamente a miopia com o pouco cuidado em relação às arapucas e à crença de que haverá algum passe de mágica milagroso nós estamos dando muita moleza para o azar e o fracasso que vem correndo atrás dele. Como diria Geraldo Vandré, em outra circunstância e com outro objetivo, mas que serve como uma luva para o marketing e publicidade atuais, “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. E, infelizmente, o que mais tem é gente que espera acontecer.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)