Miriam Chaves: “resultado é o bolso do cliente”

 

Miriam Chaves, diretora de marketing e vendas da Time For Fun, uma das maiores empresas de entretenimento do mundo, já participou do Cannes Lions inclusive como organizadora do evento no país, na época em que atuava no O Estado de S.Paulo, representante do festival no Brasil. Agora em 2014 volta na função de jurada na categoria de Creative Effectiveness – uma das menores do festival em termos de participação, mas que tem espaço de sobra para crescer. Primeiro porque avalia resultados, algo que os anunciantes cobram cada vez mais de seus fornecedores de comunicação. E também pela própria presença crescente dos profissionais de marketing dos clientes no Palais des Festivals. Nesta entrevista, ela fala sobre a importância da área e de um briefing bem-feito, que traga resultados claros. “Creative Effectiveness é o bolso do cliente!”, diz.

Convite
“Eu já estive envolvida com Cannes Lions, quando trabalhava no Estadão. E sei que o jornal indica três nomes, mas que a palavra final é sempre da organização do festival. E acabei sendo aprovada. Recebi muito bem esta nomeação para o júri, principalmente pela área na qual irei participar.”

Experiência
“Em 2010, por coincidência um ano em que o festival dividia suas atenções com a Copa do Mundo, eu me envolvi com a organização, junto com o Armando Ruivo (hoje sócio da produtora Trator Filmes) e a Clélia Salgado, atuando pelo Estadão. E lembro que tivemos um resultado excelente, após uma queda nos anos anteriores. Conquistamos diversos Leões (foram 58, um recorde do país na época), tivemos a AlmapBBDO como Agência do Ano. E entre os fatores que ajudaram nesse desempenho estão as várias reuniões que tivemos com as agências aqui, aumentando bastante a adesão ao festival.”

Júris
“Cannes é minha estreia em júris. Eu só participei na ESPM de julgamentos de projetos no mestrado, como estratégias novas para um tipo de produto. Mas tudo dentro do ambiente acadêmico.”

Aprendizado
“Eu julgo o Creative Effectiveness uma categoria de extrema importância. Não só no contexto do festival mas também como um aprendizado para as novas gerações – e daí falo até como professora, já que dou aula na ESPM. Vejo que há profissionais que estão iniciando e se preocupam com o lado bonito do comercial, deixando de lado fundamentos básicos, como o que se busca em uma campanha. E esta área guia os profissionais de criação e de marketing para buscar o briefing bem-feito. Pois tudo começa no briefing. Eu sempre digo: é tudo lindo desde que esteja de acordo com o objetivo que você traçou para seu produto. Se você quer awareness, é um tipo de campanha. Se quer um call to action para todo mundo aparecer agora na loja e comprar, é outro tipo de ação. Então é preciso definir esse parâmetro antes e depois medir a efetividade do trabalho realizado para o cliente.”

Preparação
“Vou chegar em Cannes alguns dias antes do início do julgamento. Devemos ter reuniões entre os jurados e também estou marcando conversas com pessoas do meu interesse. Também pretendo falar com os ex-jurados brasileiros da área (Hugo Janeba, da Mixer, e João Ciaco, da Fiat). Mas não vejo como uma grande dificuldade. Estou há 30 anos na área de marketing e comercial, já passei por empresas como Colgate-Palmolive, PepsiCo, Citibank, MTV e o próprio Estadão. Essa minha formação vai me ajudar muito. E ainda mais o fato de eu estar hoje em um setor de venda de tickets para eventos. Sim, é evento, mas eu faço parte do varejo dessa área. Nós temos que vender tickets para lotar estádios, casa de shows, teatros. E patrocínios, para a conta fechar. Então na T4F temos que elaborar uma campanha específica para o anunciante e outra para o consumidor final. E não é nada fácil, salvo atrações como Metallica, que esteve recentemente no país e lotou o Estádio do Morumbi só pelo nome da banda, embalar um produto e fazer com que a pessoa se anime a ir a um grande estádio, a Interlagos, ao Campo de Marte, para ver um show. Temos que fazer o consumidor pensar que a experiência será boa mesmo sendo longe, mesmo sendo difícil de estacionar. Pois o Brasil não tem muita comodidade para quem busca ir a shows. Temos que criar esta experiência. Caso do Lollapalooza, que este ano mudou do Jockey Club para o Campo de Marte e recebeu muitas críticas por isso. Porém, os mesmos que criticaram elogiaram depois. Porque o espaço era muito bom, porque coordenamos com a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) um esquema de serviço de trem, porque o show hoje termina mais cedo do que antes. O que fez as pessoas pensarem: ‘eu vou a esse show de qualquer jeito’.”

Área dos clientes
“Como eu disse, tenho aqui comigo dois chapéus – o do comercial e do marketing. Se você entrar na Tickets for Fun, empresa de vendas de ingressos da T4F, verá que é igual a entrar na Amazon para comprar um livro. É varejo. Tenho também a experiência de lidar com a estratégia de marketing dos clientes. Pego mais recentemente a série de ativações que a Skol e a GM fizeram no Lollapalooza, lançando uma cerveja e um carro para o próprio festival, com filmes publicitários para os dois produtos. E eu tenho reuniões com os clientes todos os dias. Estou envolvida com os anunciantes e preciso ajudá-los a atingir seus objetivos. Por isso acho que será legal participar desta área que cresce à medida que aumenta a cada ano a presença dos anunciantes em Cannes.”

Invasão de anunciantes
“Não é difícil entender porque os profissionais dos clientes frequentam cada vez mais o Cannes Lions. Quando não tínhamos na nossa vida a força que a internet tem hoje, quando não existiam redes sociais, tudo era diferente. A democratização do digital é muito responsável por essa mudança. Pois tudo era mais simples. Você criava um filme para a TV, um anúncio impresso, um banner em um site e pronto. Então o festival só atraía os criativos. A partir do momento em que a complexidade da comunicação com o consumidor chegou a um nível extremamente alto, você começa a ter um horizonte de possibilidades mercadológicas que é bem diferente do que há 10 anos. Então os profissionais de marketing devem estar antenados a tudo o que ocorre e aprender com quem está fazendo direito. Cannes e outros eventos reúnem isso. As grandes empresas que lidam hoje com comunicação digital e nas redes sociais, por exemplo, não estão no Brasil. As grandes ideias vêm de fora. Eu tenho dois filhos e vejo que um monte de gente está fazendo coisas totalmente errada para falar com eles. Trabalhei na MTV e sei bem o que é lidar com jovens. O que ele gosta em um dia, já pode não gostar no outro. Eu participo de um fórum anual nos Estados Unidos cujo objetivo é fazer avaliação numérica de retorno de patrocínios. E só vai anunciantes. Ele quer aprender a usar melhor sua verba.”

Eficácia
“O cliente tem que primeiro falar o objetivo: ‘eu quero aumentar o awareness da minha marca’. Você faz a campanha com esse objetivo e depois mede se conseguiu atingi-lo. Se ele diz: ‘eu quero mudar a imagem de meu produto’. Não quer dizer que você vai criar um trabalho para que o cliente, em princípio, venda mais. Mas, sim, que a percepção da imagem que o consumidor tinha de sua marca mudou. E se quiser vender mais existem diversas estratégias para isso. É algo muito claro e com que os profissionais de marketing devem ter cada vez mais cuidado para ir em busca.”

SELO DE QUALIDADE
“Não sei se o fato da campanha já ter sido bem avaliada no ano anterior (concorrem em Creative Effectiveness trabalhos que foram no mínimo shortlist na edição anterior do festival) pode influenciar em algo neste ano. Eu vou completamente sem preconceitos para o júri, para avaliar o que mais interessa na área – qual foi o briefing e qual foi o resultado (o resultado, junto da eficácia, responde por 50% do peso na avaliação dos jurados, contra 25% da ideia e outros 25% da estratégia). Não me importa se ela já foi premiada anteriormente. O briefing foi bem-feito e o resultado foi atingido? Então a campanha se encaixa no que estamos julgando, ela é corretíssima. Aliás, acho que até campanha que não é premiada, mas atinge seu objetivo com eficiência, é o máximo.”

Da T4F para o júri
“Eu acho que a principal coisa que posso levar daqui da empresa para o júri é a estratégia que nós mesmos desenvolvemos para nossos produtos, além do que eu já citei. Nós temos parceria com a Disney, com a Live Nation e outras onde trocamos muitas experiências mercadológicas. Sabe o que é vender todos os ingressos para ‘Rei Leão’ em 2013 e 2014, de quinta a domingo, sendo dois espetáculos aos sábados e domingos? É isso que temos que fazer, elaborando uma estratégia que além de não fugir dentro do que o ‘Rei Leão’ já possui, faça com que as pessoas tenham o mesmo desejo de assistir ao espetáculo aqui que teriam se estivessem em Nova York, na Broadway. É claro que falar em Disney sempre é mais fácil, mas é um exemplo que deve ser estendido para tudo que fazemos. Não fazemos campanhas para nós mesmos, mas sim para o que oferecemos aos consumidores.”

Ideia X resultado
“Cannes precisava de uma área em que a ideia nem sempre fosse o principal item a ser julgado, mas sim o resultado. É o bolso do cliente! A campanha de Dove (‘Retratos da real beleza’, 14 Leões no Cannes Lions 2013, entre eles o cobiçado GP de Titanium), por exemplo, além de muito boa, atingiu totalmente o objetivo do briefing. Falava das mulheres como ela realmente é, com todos seus defeitos, e que não precisam ser ‘photoshopadas’para ter uma outra imagem. Porque antigamente, quando se fazia uma propaganda de batom, colocava-se a Cindy Crawford como modelo, para que todas mulheres achassem que usando aquele produto ficaria igual à ela. Tudo bem, era um objetivo na época. E tudo depende do objetivo. Nunca trabalhei em agência e nunca serei criativa. Meu negócio é o ROI. E o do anunciante, também.”

Leão brasileiro?
“O fato de ainda não ter conquistado um Leão na área não quer dizer que as agências, criativos e anunciantes brasileiros sejam incapazes de desenvolver estratégias capazes de conquistar prêmios no festival, com trabalhos tendo briefings bem-feitos e resultados comprovadamente atingidos. Todo mundo aqui é capaz, a gente faz isso todos os dias. Eu mesmo avalio minhas campanhas na Ticket for Fun diariamente. Agora, porque o Brasil nunca ganhou em Creative Effectiveness eu não posso dizer. Mas vale lembrar que a categoria também tem pouco tempo (foi criada em 2011).”

Copa X Cannes
“Com certeza a Copa, sendo realizada no Brasil, pode atrapalhar a ida de delegados a Cannes, principalmente anunciantes. Em 2010 não existia essa preocupação, pois foi na África do Sul. Agora é um complicador. E dá para entender a ausência de possíveis líderes dos clientes, do pessoal de mídia. Não irão querer deixar de ir ao festival – é que, definitivamente, não poderão. E pode existir mesmo uma ‘juniorização’ dos brasileiros presentes no festival.”

Off
“Tem três coisas que eu adoro na minha vida quando estou fora do dia a dia do trabalho. Assistir a filmes e séries, viajar e andar. Mas andar no estilo ‘power walk’, bem rápido. Tanto que eu brinco que tenho que andar duas vezes, uma com minha cachorra e outra sozinha.”