Modelos in-house aumentam espaço entre anunciantes
Quem disse que santo de casa não faz milagre? A Oliver deposita a sua fé no modelo de agências in-house e cumpre a promessa de entregar os resultados aos clientes. Mais de três milhões de pessoas assistiram as vídeo-aulas transmitidas pelos 600 personal trainers contratados pela Danone com a chancela da marca YoPro.
A ação da house agency montada pela Oliver para a Danone gerou renda para os profissionais que sofreram com o fechamento das academias de ginástica durante a pandemia da Covid-19 e levou a prática dos exercícios físicos até as pessoas. Foram mais de 20 mil inscritos no canal YoPro Academia 24 horas no YouTube e cinco milhões de visualizações. Da Argentina, a marca Axe, da Unilever, nem precisou pedir o impossível para receber a sua graça.
A in-house U-Studio, outra construída pela Oliver, fechou uma parceria com os rappers Bhavi e Trueno, que criaram o hit Fresko para lançar o desodorante Axe Free Style. A canção ficou entre as dez mais ouvidas do Spotify e impactou mais de 30 milhões de pessoas. Já a cantora Anitta endossou por aqui a marca Rexona com a ação “The Million Dolar Pack”, que partiu de social listening e se transformou na linha Rexona by Anitta com mais de US$ 2 milhões em earned media.
De acordo com dados da Association of National Advertisers (ANA), cerca de 80% dos anunciantes já têm uma in-house nos Estados Unidos não só para compra de mídia e ações no digital, mas para estratégia, planejamento e criação em meios tradicionais. A pandemia trouxe uma surpresa. Das 196 empresas consultadas pela ANA, 92% ajustaram suas linhas criativas. Desse universo, 55% delegaram a missão às suas in-houses e 26% acionaram agências tradicionais. O restante optou por outras equipes. No Brasil, metade dos dez maiores anunciantes já opera com o modelo.
A crença no potencial criativo não fica de fora. O relatório “Criatividade dentro de casa”, da Oliver, traz cases de Netflix, Apple, Google e Spotify, além das análises de Washington Olivetto e Joanna Monteiro, presidente do Clube de Criação, entre outros profissionais. A pesquisa fala sobre o aumento da participação das in-houses em festivais como Cannes Lions – que praticamente dobrou entre 2017 e 2019.
Mas há quem pondere essa evolução. Para Washington Olivetto, “a crescente aceitação das in-houses estaria ligada às dificuldades de administrar custos e à miopia estratégica das agências tradicionais”. Joanna, do Clube de Criação, acredita que “os modelos são complementares”.
Talentos também se sentem à vontade e viram “prata da casa”. Tor Myhren, que trocou a direção global de criação da Grey em 2015 pela vice-presidência de marketing e comunicação da Apple, é um deles. Há ainda Suzana Apelbaum, que desde 2014 atua como diretora de criação do Google em Nova York, e Leo Macias, head global de criatividade da Snap. Inc, controladora do Snapchat.
A realidade consolidada internacionalmente sinaliza o avanço no Brasil. “O modelo vem se provando. De 2019 para 2020, crescemos quase 200% e a expectativa é de uma alta entre 50% e 70% neste ano”, confirma Raffael Mastrocola, CEO da Oliver para a América Latina, região de maior crescimento da empresa no mundo. Fundada pelo inglês Simon Martin em 2004 e hoje pertencente ao Grupo You & Mr Jones, a Oliver possui mais de 40 escritórios e 200 operações globalmente.
São 500 funcionários na Argentina, México e no Brasil, onde a empresa chegou em 2017 para construir house agencies baseadas no entendimento do negócio, da cultura dos clientes e de suas necessidades específicas. “Ter uma in-house ou outro formato que possibilite velocidade e intimidade é um ponto de grande relevância. Nem sempre a questão está apenas nos custos”, aponta a professora Roberta Iahn, do curso de publicidade e propaganda da ESPM.
Eficiência, agilidade, integração, otimização de custos e a postura colaborativa estão entre as vantagens. “Os clientes buscam cada vez mais controle do seu ecossistema de comunicação para garantir respostas rápidas”, acrescenta Mastrocola. Não se trata simplesmente de alocar profissionais. A Oliver faz uma imersão que dura de oito a 12 semanas para compreender as demandas e desenhar a solução com base em pessoas, processos e tecnologia, além da gestão.
“Para o anunciante há sempre a questão da estrutura, investimentos e demanda. Já para as agências, este tipo de operação apresenta dificuldades competitivas em relação a qualidade da informação, sistema de controle e precificação. A operação, para ser boa, é cara”, contrapõe a professora da ESPM.
Segundo Mastrocola, na in-house da Unilever são 40 marcas trabalhadas no Brasil, Argentina e, em breve, no México. A Oliver ainda construiu as divisões internas de comunicação da Zurich, Adobe, Azul Linhas Aéreas, Danone, Intuit, Itaú, Microsoft na América Latina, United Health Group e Bayer – essa última organizada virtualmente em plena pandemia.
O otimismo vem de transformações que inflamam o debate sobre a gestão do setor. “O Brasil tem um formato único, sem agências de mídia e onde existe a Bonificação por Volume (BV), mas sinto que é um momento de ressignificação. Quem não passar por isso, terá problema”, reflete Mastrocola, chamando a atenção para as discussões puxadas pelas entidades do setor.
“Vemos a ABA rompendo com o Cenp. Não tem certo ou errado. Cada anunciante tem a sua necessidade”, diz Mastrocola. As in-houses da Oliver trabalham em parceria com as agências dos clientes. “Somos colaborativos. Não há briga, de digital com offline, ou por verba. Não faz sentido porque somos transparentes, não ganhamos BV. Trabalhamos para o cliente. Uma boa ideia pode vir de qualquer lugar”, defende.
A professora Roberta Iahn concorda. “É fato que o nome ‘agência’ e seu sistema de trabalho estão em desconstrução”, confirma. Mas ela não vê o crescimento apenas do formato in-house. “Vivemos uma intensa busca por novos modelos para tornar a operação publicitária viável, competitiva e lucrativa, liberta da veiculação de mídia, mais dinâmica em relação às necessidades das marcas e aos possíveis formatos de veiculação e modos de produção”, analisa Roberta.
Segundo a estudiosa, a pluralidade de soluções tecnológicas tornou o mercado publicitário extremamente pulverizado, deixando um dilema sobre remuneração em toda a cadeia, tanto para quem paga como para quem recebe. “Anunciantes sonham com o equilíbrio entre o que é realizado internamente e o que é terceirizado”, reitera. Não é preciso um olhar do paraíso para entender que, na verdade, não se trata de milagre e sim de aceitar transformações que devem moldar novos rumos para o mercado nos próximos anos.