Modismos pouco consequentes
Desde que comecei neste setor, há cerca de 40 anos, tenho observado que de forma sistemática e constante surgem inovações “revolucionárias” que, por seu potencial disruptivo e de maior eficiência e eficácia, teriam o condão de tudo mudar em pouco tempo.
Só que não, para usar uma expressão da linguagem contemporânea. Mesmo quando a inovação contém alguma dose de inovação real e capacidade de aplicação prática que vai expandir a paleta de soluções ou incrementar algum instrumento clássico, seu nível de adoção efetiva é baixo – justamente porque é mais um modismo pouco consequente, porém saudado como um elixir milagroso que nos levará a substituir o insubstituível em nosso ramo, que são os fundamentos óbvios de ter um bom produto ou serviço, corretamente posicionado, amplamente distribuído, oferecido pelo preço certo e promovido como se deve. Ou seja, por mensagens inteligentes e criativas, campanhas consistentes e permanentes e uso intensivo da mídia, no caso de bens de consumo popular.
Essa fórmula, que funciona há mais de um século e foi magistralmente definida nos famosos 4Ps de E. Jerome McCarthy no início dos anos de 1960, continua essencialmente a mais válida de todas, com as devidas adaptações para as características de cada mercado e momento, os targets objetivados e o ciclo de vida próprio de cada marca.
Desde o começo da onda de explosão da tecnologia, há cerca de 25 anos, a frequência e a ambição desses modismos têm se expandido e as “inovações revolucionárias” vêm se sucedendo, gerando enorme ilusão, desperdício de recursos, desvios de rota e causando o enfraquecimento de marcas que vinham vivendo uma trajetória positiva. Isso ocorre porque muitos de nós sofrem de um viés preocupante de histeria com as perspectivas de mudança. Eu mesmo já bebi muito dessa água, confesso. Tendemos a acreditar freneticamente em cada nova mania e pensamos que o resto do mundo também está sintonizado na mesma vibe. Tendemos a superestimar a atração dos consumidores por coisas novas e subestimamos sua ligação com comportamentos tradicionais.
É por isso que o incessante exagero em torno de cada novo truque de marketing e publicidade tem de ser encarado com altas doses de reserva e desconfiança. Apesar de todas as besteiras que ouvimos nas palestras e conversas, e que lemos na mídia do setor, é evidente que os consumidores não estão todos usando os óculos conectados do Google, ou com fones de ouvido de realidade virtual ou trocando objetos do dia a dia por aqueles feitos em impressoras 3D.
Os norte-americanos, para mencionar o mercado mais exuberante do mundo, fazem menos de 10% de suas compras online, menos de 2% delas sem celulares e dirigem menos de 3% de seus carros com motores híbridos.
Também já sabemos que os milagres de “conteúdo gerado pelo usuário” e “crowdsourcing” tiveram um impacto pouco significante sobre as agências de publicidade tradicionais. E que a mídia digital, com todos seus fantásticos recursos, não abalou para valer a audiência e a relevância publicitária das novelas, dos esportes e do jornalismo da TV – nem mesmo dos filmes e séries transmitidos por essa “mídia antiga”.
Os últimos modismos sobre o qual devemos ter todas as reservas são a interação das marcas e das empresas comerciais através dos chatbots e dos comandos de voz (do gênero do Alexa), que estariam em vias de transformar nossos instrumentos mercadológicos tradicionais em peças de museu. Posso apostar que daqui a poucos anos vamos pensar nessas maravilhas como outra tentativa inconsequente de substituir o tradicional e “doloroso” dever de casa pela fórmula mágica do momento.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)