Momento é desafiador para anunciantes e publicitários de mídia

“Metade do dinheiro que gasto com publicidade é desperdiçado. O problema é que não sei qual metade”. Esta frase sem autor definido é aceita pelo mercado há pelo menos dois séculos. No entanto, desde que as mídias digitais começaram a ganhar força entre os anunciantes, parece haver um desejo não declarado de enterrar o ditado – ou no mínimo reduzir a porcentagem jogada fora. Na tentativa de chamar a atenção e conquistar clientes, muitas agências digitais vendem a ideia de que podem identificar tudo sobre o destino dos investimentos em ações na internet, mas isso é realmente possível considerando a complexidade do ecossistema digital?

“Tem duas formas de se enxergar: a prática e a filosófica. No lado prático, existe um problema quando falamos no grande volume relacionado à qualidade do tráfego entre consumidores e robôs. O mercado precisa, sim, encontrar soluções mais eficazes para isso”, diz o country manager da MediaMath no Brasil, Marcelo Sant’Iago, reconhecendo que há fraudes e outros problemas que desmentem em parte a capacidade de precisão infalível do digital.

“Do lado filosófico, devemos refletir sobre a cobrança que existe em cima do digital, em grande parte por culpa do próprio mercado. A internet é uma mídia que nasceu com culpa. O discurso é ‘invista comigo porque a gente tem métricas para medir tudo’, o que às vezes cria discussões inócuas, como se no online tudo devesse ser justificado. Em outros meios como televisão, por exemplo, nunca se exigiu algo parecido com viewability. Se o espectador levanta para ir ao banheiro ou buscar a pizza, o comercial não será visto e o anunciante pagará do mesmo jeito. Mesmo assim, a TV recebe mais da metade dos investimentos publicitários no Brasil, pois querendo ou não ainda é um meio importante para atingir o consumidor”, acrescenta.

Alê Oliveira

Marcelo Sant’Iago, country manager da MediaMath

A crítica de Sant’Iago, que lidera no país um dos grandes players mundiais que trabalham com soluções de mídia programática, levanta um debate importante sobre a tendência de empresas que fazem campanhas digitais com a esperança de encontrar o mundo perfeito. Segundo o executivo da MediaMath, o mercado digital precisa acabar com o complexo de culpa e assumir posições mais fortes, além de fazer uma autocrítica e ser absolutamente transparente tanto na hora de promover suas vantagens como na hora de esclarecer a existência de pontos ainda polêmicos aos clientes.

Um dos pontos que tem gerado debates constantes nos bastidores da indústria da publicidade digital é justamente o viewability citado por Sant’Iago, métrica que mensura as visualizações de um anúncio na internet. Existe uma forte corrente a favor da ideia de que anúncios digitais não visualizados não devem ser cobrados.

O viewability não é a única métrica que existe. Uma das mais utilizadas, por exemplo, ainda é a taxa de clique (CTR), mas no momento a primeira é a que tem gerado mais debates acalorados.

De acordo com o membro do comitê de viewability e programático do IAB Brasil (International Advertising Bureau), Vitor Belotte, o padrão aceito internacionalmente é que um display visto em 50% do seu tamanho por um único segundo já pode ser considerado como visualizado. No caso de vídeos, o viewability é aceito quando a propaganda é assistida por dois segundos, característica que gera polêmicas. “Não é papel do IAB falar se isso é válido ou não. O papel é levantar o debate. Isso é um ponto de partida. Um ponto de referência”, diz.

Segundo Bellote, o viewability ainda enfrenta limitações técnicas e precisa ser analisado com atenção por anunciantes e planejadores de mídia. “É preciso olhar o viewability como uma métrica nova com mais qualidade e que pode ajudar os publishers a entenderem melhor os usuários e aperfeiçoar os inventários. Mas é fundamental ter em conta que existem outras métricas para avaliar os resultados. Quem trabalha com planejamento precisa analisar o tempo todo qual o produto e qual o objetivo da campanha”, ressalta o especialista, destacando que cabe ao mídia da agência ou ao próprio departamento de marketing do anunciante saber estudar os dados para entender qual informação é mais relevante em cada momento. “Nenhum meio é dono da verdade. O digital oferece um vasto conhecimento, mas nem por isso recomendamos que se pare de utilizar outros meios como rádio, televisão ou jornal”, conclui.

Correndo atrás

O fato é que o digital e sua capacidade de captar e fornecer dados mudou a mentalidade do mercado, que está muito mais exigente na busca de informações sobre perfil e hábitos dos consumidores. Para atender às necessidades dos anunciantes e agências também no off-line, institutos de medição de audiência de rádio e televisão, assim como outros que medem circulação de veículos impressos, têm se esforçado para criar serviços que ofereçam dados mais precisos sobre o público. Embora haja a expectativa de, no futuro, a televisão ser igualmente programática e poder captar dados automaticamente como fazem os sites hoje, enquanto essa tecnologia não chega ao Brasil, as novas métricas seguem a metodologia de cruzamento de dados.

Nessa onda, o Kantar Ibope Media desenvolveu, por exemplo, o Target Group Ratings, uma solução que combina índices de audiência e dados comportamentais do telespectador. A medição é feita a partir de uma metodologia de fusão que cruza dados de audiência de TV com quase mil questões de um estudo sobre o comportamento de consumidores. Outra solução é o Ibope Twitter TV Ratings (ITTR), que mensura a repercussão de programas de TV no ambiente digital, com métricas que ajudam a entender o impacto das mensagens e o engajamento dos telespectadores a partir do que as pessoas compartilham no Twitter.  São serviços complementares ao tradicional levantamento que monitora quantos televisores estão ligados em determinado canal e que ajudam o profissional de mídia a identificar o que os diferentes públicos estão assistindo e como estão reagindo ao conteúdo.

No meio impresso, o Instituto Verificador de Comunicação (IVC), antigo Instituto Verificador de Circulação, está se modernizando para adaptar seus serviços aos novos tempos. Com a impossibilidade de instalar cookies e seguir os leitores por qualquer lugar, o instituto segue a mesma linha de cruzar os números de circulação de jornais e revistas com pesquisas e levantamentos que revelam mais sobre o perfil das pessoas. “A circulação é uma métrica antiga, mas ainda tem valor. Ela tem uma rapidez e uma mensuração fácil. Além disso, não é cara. É correlacionada com audiência, mas não mede exatamente o número de leitores, pois um jornal pode ser lido por mais de uma pessoa”, afirma o presidente do IVC, Pedro Silva.

Para Silva, a busca por métricas mais representativas é contínua. “Todo meio tem a sua imprecisão. Sabemos que nenhuma revista é lida de cabo a rabo e que nem todos os comerciais da TV são assistidos. No entanto, dados complementados com outros levantamentos ajudam a aproximar a precisão. Fazer um híbrido de circulação e pesquisas é um bom caminho a ser percorrido”, diz o presidente do IVC, adiantando que deve lançar novas soluções em parceria com a empresa de pesquisa Ipsos nos próximos meses.

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Pedro Silva, presidente do IVC

Além disso, apesar da conexão do IVC com veículos impressos, Silva ressalta a presença do instituto na medição de audiência de jornais e revistas na internet. “O jornal é um provedor de conteúdo por meio impresso ou digital. É errada a ideia de que hoje se lê menos jornal. Na verdade, estamos lendo mais jornal do que nunca, só que pela internet. E com o webanalytcs conseguimos dados de várias plataformas. A tecnologia possibilita resultados mais rápidos”.

O executivo ainda chama a atenção para mudanças em andamento e previstas para um futuro não muito distante. “As TVs vão passar por um processo de transição para o digital parecido ao que os jornais passaram. Muda a plataforma, mas o conteúdo é o que importa. Não vejo uma concorrência entre digital e TV ou veículos impressos. Vejo uma integração. O digital é um caminho inevitável”, diz.

Como recomendação, Silva deixa duas dicas aos profissionais do mercado para a era digital. “A primeira é que não dá para ficar estagnado. Precisamos conhecer as vantagens e desvantagens das novas ferramentas e ter curiosidade para entender. Constante atualização é a realidade do momento”, sugere.

A segunda recomendação se refere à necessidade de apurar a idoneidade dos dados fornecidos pelos publishers, principalmente os digitais. Ele compara a busca por informações com a procura de um carro usado para comprar – o dono do carro vai sempre destacar apenas o lado bom do automóvel que quer vender. “É importante buscar a autenticidade dos dados, seja de um instituto de pesquisa ou de uma auditoria particular. Não se deve simplesmente aceitar as informações de audiência que um site oferece sobre ele mesmo”, finaliza.

Momento excitante, porém delicado

A publicitária Adriana Favaro, diretora-geral de mídia da Loducca e diretora do Grupo de Mídia, também alerta para a necessidade de empresas terceiras e de credibilidade validarem os dados fornecidos pelos players digitais. “Para quem gosta de planejar a partir de pesquisas, é um momento bem encantador e excitante. Mas, ao mesmo tempo, é delicado porque, apesar de o mercado estar predisposto a trabalhar se baseando em informações, muita gente está aceitando qualquer dado. Isso é uma preocupação real”, analisa.

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Adriana Favaro, diretora do Grupo de Mídia

Nem o Google foge disso. Recentemente anunciantes como Kellog’s, Kraft Foods e Unilever exigiram publicamente que a companhia permita que os dados das plataformas sejam monitorados por auditores externos. Em resposta, a empresa parece estar disposta a possibilitar que os anunciantes verifiquem ao menos os relatórios de visualização do YouTube.

Para Adriana, além de exigir que os dados fornecidos pelos sites sejam monitorados por outras empresas, é importante que os planejadores saibam trabalhar com as diversas métricas existentes. “Com tanta informação, o problema é que muitos dados estão sendo fundidos de forma errada. Isso aumenta o risco de utilizar métricas de forma equivocada e desenvolver estratégias ineficientes para as campanhas”, afirma. “Quando falamos das métricas do digital, existe uma necessidade de comprovar ao anunciante a eficiência do planejamento. Mas quais são as métricas que a gente realmente tem segurança de utilizar? Quais dados são realmente críveis? São problemas que estamos tentando ajudar o mercado a resolver”, acrescenta a diretora do Grupo de Mídia.

Por outro lado, Adriana acredita que a característica multidisciplinar dos profissionais com pegada digital tem elevado o nível dos departamentos de mídia das agências. “Isso tem trazido uma dinâmica superinteressante. Tenho visto discussões de altíssimo nível. Enquanto alguns ensinam performance, outros são especialistas em GRP, outros em viewabilitity, e sem perder foco nas métricas já estabelecidas dos meios off-line, que embora sejam consolidadas têm acompanhado o movimento de decifrar melhor o comportamento das pessoas. É um momento delicado, porém enriquecedor”.