Morre o homem, fica a marca

A morte de Francesc Petit foi um pontapé no peito de todo o mercado publicitário brasileiro e, por que não dizer, internacional.

Petit foi (e prossegue sendo) querido não apenas pela sua obra, que extrapolou de muito os limites de um artesão publicitário, adentrando as diversas formas da expressão artística.

Provavelmente, nem ele mesmo soubesse dizer que veia se manifestou primeiro: a de profissional (e mais tarde empresário) da propaganda, ou a do artista catalão das artes plásticas, que não foram estas capazes todavia de segurar o talento em seu vasto campo de atuação.

Ao invadir o terreno da literatura, por exemplo, Petit deixou um legado precioso, com livros instigantes como “Quem inventou Picasso” e “Romance de Barcelona”. Sobre a sua profissão, destacamos “Marca e meus personagens”, “Propaganda ilimitada”, “Faça arte” e “Faça logo uma marca”.

Sua maior obra, no entanto, foi a criação da DPZ, no ano mágico de 1968 e que completou 45 anos em 1º de julho. Juntamente com José Zaragoza e Roberto Duailibi, construíram um dos mais importantes modelos de agências de propaganda da História e que, no Brasil, foi responsável pela segunda grande virada criativa da atividade (a primeira foi obra da então Alcântara Machado Publicidade, mais tarde Alcântara Machado, Periscinoto Propaganda, hoje AlmapBBDO).

Não se sabe qual dos três sócios foi o mais importante para a brilhante trajetória dessa agência que hoje pertence ao Grupo Publicis, não resistindo à globalização que tem modificado de forma mais acentuada o setor de serviços no planeta, com destaque para o segmento publicitário que no futuro, dizem os mais céticos, terá apenas dois grandes meios no mundo e duas grandes agências, para logo adiante se fundirem em apenas uma e, quem sabe mais adiante ainda, esta sair de cena.

Trata-se de uma previsão que tem muito de mordacidade, mas que, infelizmente, para o mercado mundial, caminha a passos largos para se confirmar.

Ainda sobre Petit, seu gênio apimentado produzia com frequência momentos de altíssima voltagem na participação pela vida, como no programa Roda Viva da TV Cultura – até hoje uma atração –, em janeiro de 1995, sendo entrevistado Oliviero Toscani, então polêmico fotógrafo das campanhas publicitárias da italiana Benetton, que chocava o mundo apresentando faces pouco exploradas da verdade de determinados fatos da vida.

O programa, apresentado na época por Matinas Suzuki, convidava grupos de celebridades para debater com o entrevistado, em um tempo em que a palavra falada, a construção de frases, a argumentação bem feita e muitas vezes desconcertante costumavam valorizar mais os debatedores do que o próprio entrevistado.

E foi o que se deu nessa noite, quando Francesc Petit arrebentou literalmente com Toscani, com colocações do tipo “Toscani, conheço e admiro você como fotógrafo, um dos melhores do mundo. O que eu não entendo é você se prestar a ser um publicitário ridículo”.

Se o leitor quer mais, veja esta: “Oliviero, você aprendeu a fazer publicidade, aliás, você nem aprendeu, porque até agora você não aprendeu nada, você pensa que sabe”.

Destacamos ainda mais esta: “Ele [dirigindo-se aos demais da mesa, sobre Toscani] não é um publicitário, ele não é informado. Ele tem um cliente que é absolutamente maluco, que gosta de ficar pelado (…) Eles fazem notícia, não fazem propaganda. Mas são muito vivos, gastam 50 mil dólares para veicular bobagens e conseguem um retorno de 1 milhão de dólares de noticiário (…) Eles são espertos, mais espertos e mais sem vergonha que os publicitários”.

Assim, polêmico e corajoso como a maioria dos seus compatriotas célebres, Petit escreveu sua história de forma exemplar, com todos os erros e virtudes dos grandes personagens.

Viveu em conflito com a venda do controle acionário da DPZ para o Grupo Publicis e sofria mais a cada momento deste ano, contando os dias para a chegada de 31 de dezembro, quando o contrato determina a retirada do D, do P e do Z da agência que ergueram sonhando com uma catedral da criação.

Poucos grandes sonhos se realizaram de forma tão perfeita e completa como o sonho que eles sonharam.

Petit preferiu deixar o palco da DPZ com as cortinas ainda abertas para os três gatinhos.

Este editorial foi publicado na edição impressa de Nº 2465 do jornal propmark, com data de capa desta segunda-feira, 9 de setembro de 2013