Mudanças no rótulo frontal de embalagens impactam comunicação

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Rotulagem frontal em alimentos embalados será obrigatória no Brasil; Anvisa estuda formato mais adequado

Em julho de 2015, uma lei que proibia a presença de saleiros e sachês de sal nas mesas de bares e restaurantes causou polêmica no Espírito Santo. A medida tinha fins de saúde pública, como forma de tentar reduzir do consumo do ingrediente, mas os debates se intensificaram devido à imposição da medida em detrimento de ações que pudessem de fato orientar as pessoas sobre o risco do alto consumo de sódio.

A discussão sobre a redução de itens como açúcar, sal e gordura saturada na alimentação do brasileiro não é de hoje. Há pelo menos quatro anos, a Agência Nacional de Vigilância Santária (Anvisa) discute com a indústria alimentícia, entidades de defesa ao consumidor, profissionais da saúde e com a própria sociedade uma nova proposta de rotulagem frontal nas embalagens de alimentos. A ideia é facilitar a comparação entre os produtos e dar ao consumidor informações mais claras para a melhor tomada de decisão sobre o que comer.

A iniciativa atinge diretamente o mercado de comunicação, que terá regras claras para o tamanho da tipografia utilizada, o esquema de cores e outros sinais que terão de ser incorporados pelo design das embalagens. Por enquanto, a obrigatoriedade é apenas para a tabela nutricional na parte de trás dos produtos, mas, assim que definido o novo modelo, novos elementos ganharão destaque na frente da embalagem. Mas tornar essa comunicação mais clara pode ser uma questão subjetiva e com entendimentos completamente diferentes. Isso fica evidente com os dois grupos que encabeçam o debate sobre os novos rótulos. Não à toa, o tema está longe de um consenso.

No epicentro dos debates estão a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, que representa mais de 30 organizações da sociedade civil, entre elas, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec); e a Rede Rotulagem, formada por 22 entidades ligadas ao setor de alimentos e bebidas.

Proposta da Rede Rotulagem se inspira nas mensagens do semáforo para educar consumidor

Propostas
Desde o começo de novembro, a população tem acompanhado em TV aberta, internet e rádio campanha publicitária que chama a atenção para o modelo defendido pela Aliança. Assinados pela agência Z+, os filmes trazem histórias reais de pacientes com doenças crônicas, como diabetes, que dão seus depoimentos sobre como sua condição poderia ter sido evitada se estivessem bem informados sobre os ingredientes dos alimentos. Profissionais de saúde e mães também protagonizam algumas peças que seguem a mesma lógica.

A rotulagem proposta pelo grupo segue modelo semelhante ao já aplicado no Chile há pouco mais de dois anos e também no Uruguai. A abordagem traz triângulos pretos com alertas indicando que o produto tem alto teor de gordura saturada, açúcar, gordura trans, sódio e a presença de adoçante. Segundo Ana Paula Bortoletto, líder do Programa de Alimentação Saudável do Idec, a população precisa entender e identificar a informação. “A comunicação hoje aparece de forma escondida, na parte de trás, com informações muito técnicas, que exigem que as pessoas façam muitas contas”.

Outro lado
Na semana passada, a Rede Rotulagem apresentou oficialmente sua campanha, bem como os resultados de pesquisas que reafirmam a maior eficácia de sua proposta. Segundo pesquisa feita pelo Instituto Ideafix, 91,4% da população tem algum grau de preocupação com a saúde. Mais especificamente sobre alimentação saudável, 93,9% dos entrevistados responderam se interessar pelo tema. Com esse insight, o grupo apresentou o modelo de rotulagem que faz referência à sinalização de trânsito para facilitar a compreensão do consumidor. Destacando os itens açúcar, gordura saturada e sódio, a comunicação visual vai trazer as cores vermelho, amarelo e verde, de acordo com as quantidades em porcentagem dos ingredientes.

Segundo João Dornellas, o apelo alarmista em detrimento da informação e da educação tem eficácia reduzida para impulsionar a mudança de hábitos do brasileiro. “Nós acreditamos que esse modelo traz bastante informação para o consumidor, facilita que ele tome decisões, indica as quantidades dos principais ingredientes: açúcar, gordura saturada e sódio. Dá para identificar se ele tem quantidade alta, média ou baixa tendo em base uma dieta de 2 mil calorias, que é o que é recomendado pela Organização Mundial da Saúde”.

Para comunicar a população sobre sua proposta, a Rede estreia a partir de segunda-feira (3) campanha publicitária digital. Criada pela Fever Studio e Hub de Ideias, a comunicação aborda de forma descontraída a importância dos rótulos e a consciência dos hábitos saudáveis.

Alerta monocromático da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável evidencia alto teor de ingredientes como açúcar, sal, gordura e adoçantes

Eficiência
Implementada em junho de 2016, a lei de rotulagem no Chile teve seus primeiros resultados divulgados neste mês. Realizada pela Universidade do Chile (INTA), Universidade Diego Portales e Universidade da Carolina do Norte, a pesquisa observou a redução de 25% nas compras de bebidas açucaradas e 9% dos cereais.

O modelo de rotulagem do país traz octógonos pretos com alertas sobre a alta incidência de calorias, açúcar, sal e gordura nos alimentos. Apesar dos resultados positivos com a mudança, não é possível prever qual será o impacto da legislação no Brasil. Atualmente, há mais de 20 modelos de rotulagem nutricional frontal em todo o mundo.

Em agosto deste ano, a Anvisa divulgou o Relatório do Grupo de Trabalho sobre Rotulagem Nutricional trazendo uma análise sobre as aplicações desses formatos mundo afora. Em alguns países, como no México, a adoção é obrigatória, enquanto em outras regiões, como no Reino Unido, é voluntária. No entendimento do grupo, a adoção voluntária enfraquece a proposta de incentivar que as marcas tenham rotulagem clara para os consumidores. Outra constatação importante diz respeito à permissão de múltiplos modelos de rótulos, o que, na visão dos técnicos da Anvisa, provoca confusão nos consumidores e práticas não leais de comércio.

Como orientação do grupo com base nas análises feitas, o projeto a ser adotado no Brasil deve ter design gráfico atrativo, usando cores e contrastes. Deve ser também obrigatório em todos os alimentos embalados. Já sua comunicação deve ser simples, que não exija conhecimento nutricional e esforço cognitivo para a sua interpretação.

E, ainda, focar nos nutrientes negativos de preocupação para a Saúde Pública: açúcares, gorduras saturadas e sódio. Casos específicos, como de embalagens pequenas e alimentos sem embalagens, também ganharam avaliação inicial da Anvisa. Entre as alternativas levantadas, destacam-se a possibilidade de exigir apenas a rotulagem nutricional frontal ou exigir a veiculação das informações nutricionais nos pontos de venda do produto. 

Sem previsão para ser aberta consulta pública, o assunto, visivelmente, ainda precisa ser amplamente debatido.