Mulheres são fundamentais, mas abrem caminho com facão
Delicioso desafio. É assim que Sandra Martinelli, presidente-executiva da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes), encara o desafio das mulheres que abriram e abrem caminhos. “Sou uma pessoa inconformada. Raramente aceito não como resposta. Sempre estou em busca do sim, do vamos solucionar. Gosto de inovar, criar e estimular isso em quem está perto de mim”, diz.
Quando recebeu o convite do João Campos, presidente da Pepsico Alimentos, para assumir a presidência-executiva da ABA, logo viu que a missão tinha tudo a ver com ela. E não errou. “Pode até ser clichê dizer isso, mas é a verdade. Estar perto, participar das decisões, das inovações, dos problemas, e, consequentemente, das soluções das maiores empresas do país é muito inspirador”.
Sandra cita uma frase de John Ruskin para ilustrar seu estado de espírito: “A maior recompensa pelo nosso trabalho não é o que nos pagam por ele, mas aquilo no que ele nos transforma”. “Dizem que um sinal de felicidade é quando você quer ficar onde está. É assim que me sinto”, comenta Sandra, que, antes da assumir o comando da ABA, dirigiu as áreas de marketing do Santander e do Unibanco, e foi diretora da Grey 141 e da Ogilvy PR.
Para a vice-presidente executiva da Africa, Celina Esteves, um dos nomes mais respeitados da área de atendimento no Brasil, a mulher tem papel fundamental em qualquer área, em qualquer empresa, assim como o homem. Além de ser extremamente agregador, o sexo feminino traz uma característica bastante importante, a sensibilidade. “Falando no atendimento especificamente, a mulher é naturalmente multidisciplinar e lida melhor com vários assuntos ao mesmo tempo, o que combina com a função”, diz Celina, que tem mais de 25 anos de carreira em propaganda, os últimos dez dedicados às empresas do Grupo ABC.
Uma das características que unem as mulheres que abriram caminhos é coragem. Destemida, Rita Almeida, da CO.R Inovação, começou cedo, aos 19 anos. “Só enxergava crescer, mas não no sentido financeiro, eu perseguia a realização. Meu foco sempre foi trabalhar e provavelmente trabalhar mais do que a maioria das pessoas, homens e mulheres. Por paixão. Assim, acho que consegui tirar da frente as barreiras invisíveis que poderiam ter me brecado”.
Na opinião de Rita, o feminismo no Brasil está em um momento muito particular e de mudanças. “Quando penso no feminismo penso muito além do meu campo de visão. Penso nesse feminismo expandido. Como eu, Rita, de 55 anos, consegui ser ouvida em um mercado em que o pensamento masculino também sempre deu o tom? Quando penso na minha história, acho que a paixão pelo que eu fazia superava todas as barreiras, inclusive a do machismo. Não me portava como homem ou mulher, mas, sim, como uma pessoa cuja cabeça fervia de ideias e curiosidade”, relembra Rita.
Mesmo com todos avanços, ainda há empecilhos pela frente. Na medida em que o universo da comunicação se transforma e mergulha nos valores, estética e na operação digital, Rita acredita que a valorização dos engenheiros e do pensamento matemático é o que pode impedir os avanços, mesmo que pequenos, que a mulher vem conseguindo no mercado de trabalho. “Esse é um ponto importante na evolução da presença feminina no mundo corporativo: fomentar que as mulheres se interessem mais pelo lado racional do cérebro”.
Já existem movimentos nesse sentido, de aproximação da mulher com o pensamento lógico. Rita cita como exemplo a marca de brinquedos Goldie Blox, que colocou a missão de tentar mudar os números do mundo da engenharia, que revelam que 86% dos engenheiros são homens. “É uma bela missão, não é?”, questiona.
A maioria das mulheres desbravadoras teve apenas a própria força de vontade e a paixão para transpor as barreiras do machismo. Como elas já vêm abrindo caminhos, a tendência é que o futuro reserve um lugar melhor para as meninas do século 21, que começam a ter o direito de se virem como engenheiras e matemáticas, com direitos iguais.
Facão
Beia Carvalho, presidente da 5 Years From, é outro exemplo feminino que abriu caminhos à força. “Acho que tenho um caminho aberto com facão. Fui sócia durante cinco anos de cinco homens. Isso não é comum, não é um bolinho crocante. Foi um aprendizado. Uma minissociedade é o reflexo da sociedade com seus dramas, problemas e problemáticas”.
O desafio dela foi abrir o próprio negócio e partir para o desconhecido. “Faço as pessoas pensarem no futuro. Abri essa picada para explicar uma coisa que não existe com uma metodologia baseada em jogos num mundo em que as pessoas tendem a ser mais formais”.
Uma das maiores batalhas é a falta de apoio para abrir frentes e desbravar novos caminhos. Beia fica impressionada como a sociedade, de uma forma geral, e as mulheres, de forma específica, não têm apoio para inovar. “As pessoas acham que você está louca”, diz. “Parece que a sociedade não quer você empreendedora. A sociedade não fortalece para ter esse aval de empreender na vida. Acho que isso é a maior batalha”.
Com expertise para provocar reflexão, inspirar a ousar, criar e inovar, Beia acha importante questionar o que as mães estão ensinando aos seus filhos. “Quando as mulheres aprenderem a criar seus filhos como ‘pares’ de uma mulher, e não ‘chefes’, aí, sim, teremos uma sociedade mais igualitária. Nós, mulheres, temos de nos reeducar, educar nossos filhos com essa nova perspectiva e, principalmente, continuarmos a desfilar pelo mundo, trazendo a paz, a compreensão e a beleza por onde passarmos”, opina.
No fundo, o que as mulheres querem não é igualdade, mas, sim, equidade. Equiparação. “Não faz sentido que uma mulher ganhe menos que um homem. Eu nunca passei esse perrengue, mas isso sempre me chamou atenção”, declara Beia.
Na opinião de Marcia Esteves, COO da Grey Brasil, parece que nunca, em tempo algum, a mulher esteve tão bem representada na sociedade, especialmente a Ocidental, como agora. “Nós, finalmente, estamos andando sozinhas, em nossos saltos”, comenta. “É claro que ainda temos problemas. É claro que a mulher enfrenta desafios profissionais muito complicados, em termos políticos, já que o partido “da situação” não é o dela, não foi pensado para ela, nunca foi vivido por ela. Ninguém quer perder poder – a defesa do status quo é natural de qualquer espécie, ainda mais a nossa. Os homens, ainda que não percebam conscientemente, defendem o que é deles”.
Marcia ingressou no time da Grey Brasil como chief digital officer com a missão de integrar o pensamento digital em todas as áreas e liderar o setor de projetos de inovação. Desde agosto é responsável pela operação da agência, em que lidera as áreas de atendimento, planejamento e mídia, além de projetos e inovação. A melhor maneira de avançar nesse tema é tentar entender mais profundamente que fatores estão na base do êxito dos homens em ter mais facilidade em atingir certas posições do que as mulheres. Marlene Bregman, consultora de planejamento estratégico da Leo Burnett Tailor Made, questiona se é por causa de preconceito mesmo.
Em 1979, Marlene foi contratada pela Leo Burnett para assumir a direção do departamento de pesquisa da agência. O presidente na época, Nadim Amine Saffouri, indo em direção contrária ao mercado, não estava procurando um profissional especializado em pesquisa de comunicação, mas, sim, alguém que tivesse o talento para saber que tipos de informações seriam necessárias para realizar a missão da Leo Burnett: fazer propaganda superior, aquela que vende no curto prazo e constrói a reputação da marca no longo prazo.
Estava lançada na Leo Brasil a semente da cultura do planejamento que a partir dos anos 1990 veio substituir a cultura da pesquisa dentro das agências, a exemplo do que já se fazia na Inglaterra desde a década de 1970. Com o tempo, essa área até então dominada nas agências pelas mulheres, passou a ter cada vez mais homens, abraçando com sucesso a carreira de planejador. “Ganhamos todos juntando a visão feminina com a masculina, exatamente como elas coexistem na sociedade. Mas, para mim, algumas perguntas ainda estão à procura de respostas: por que há mais homens planejadores evoluindo na carreira e se transformando em COOs das agências, embora essa área tenha sido formada e consolidada sob a batuta e influência das mulheres? Certamente não nos falta conhecimento nem talento. Será que nos falta a ambição?”, questiona Marlene.
Missão
Se for de fato preconceito, Marlene sugere agir como é feito com as marcas: descobrir a raiz e traçar a melhor estratégia para lutar contra ele. “Mesmo sabendo de antemão que eliminar preconceito de qualquer espécie é praticamente “missionn impossible”, podemos debilitá-lo, enfraquecê-lo a ponto de desmoralizar o pretexto sob o qual é invocado”. Internacionalmente reconhecida por sua liderança diferenciada no setor de comunicações, Christina Carvalho Pinto vem abrindo caminhos para uma consciência mais elevada nos campos da estratégia, do empreendedorismo e da criatividade.
Presidente e sócia do Grupo Full Jazz de Comunicação, foi a primeira mulher na América Latina a presidir um grande grupo multinacional: o Grupo Young & Rubicam, que liderou por sete anos.
Quando assumi a presidência do Grupo Young & Rubicam, as pessoas olhavam para mim como se eu fosse um ET. Nunca tinha havido, na América Latina, uma mulher na liderança de um grande grupo multinacional. Havia enorme curiosidade em torno disso. Mas, como o que ocorre nos interiores é sempre mais importante do que os fatos externos, o legado, nessa fase, foi mostrar que é possível somar toda a criatividade com toda a ética e o respeito a todos, e obter os melhores resultados. Isso é simples, é feminino, é cheio de bons sentimentos”, lembra Christina.
Não há como pensar novo, segundo Christina, sem uma nova consciência. “Não há como ter ideias amplas se amplo não for o nosso amor por todos os envolvidos com o que estamos fazendo. Não há como abrir caminho se não perguntarmos antes: esse caminho serve para quê? E esse caminho serve a quem?”. É preciso redirecionar o servir para servir o todo, diz Christina. O feminino, com sua aguda intuição, tem um papel urgente a desempenhar no setor de comunicações neste momento tão crucial da história do ser humano e do planeta: o de criar verdadeiras e sinceras conexões.