Multinacionais apostam no social
A ideia de que impacto social positivo pode vir casado com lucro é uma estratégia que vem sendo perseguida por gigantes do segmento de bens de consumo, como Unilever e Coca-Cola. Na última década, as grandes multinacionais viram um deslocamento de suas receitas dos países maduros para mercados em desenvolvimento e perceberam que aumentar o consumo na base da pirâmide exige mais do que grandes campanhas publicitárias.
A Unilever traçou em 2012 um ambicioso plano de sustentabilidade para, até 2020, melhorar a saúde e o bem-estar de um bilhão de pessoas e obter 100% da matéria-prima agrícola de forma sustentável, entre outras metas. Menos impacto ambiental, porém, não significa redução das margens de lucro. A forma da companhia de atingir seus objetivos e continuar com o balanço financeiro saudável é casar desenvolvimento de novos negócios com dividendos sociais. “Sustentabilidade tem tudo a ver com business”, resume Lígia Camargo, gerente de sustentabilidade da Unilever Brasil, subsidiária que faturou R$ 13,6 bilhões no ano passado.
Globalmente, a companhia abraçou cinco causas (nutrição, água segura, saneamento básico, autoestima e saúde e higiene) alinhadas com áreas de negócio da companhia. Isso significa que o desenvolvimento de produtos é associado tanto ao potencial de mercado quanto a suas metas sociais.
Um bom exemplo é o sabonete antibacteriano LifeBuoy, produto global da empresa lançado no Brasil há três anos. Após encomendar estudos sobre o impacto que o hábito de lavar as mãos tinha em crianças, a empresa iniciou um programa com entidades como Unicef e Save the Children para levar a comunidades carentes informações sobre a importância de higienizar as mãos adequadamente. No Brasil, uma parceria com a Pastoral da Criança impactou 5,7 milhões de pessoas. Segundo dados da empresa, nas comunidades onde a ação foi colocada em prática, as visitas a médicos tiveram redução de 10%. “Não estamos mais falando só de vender sabonete, mas de como melhorar higiene e qualidade de vida”, diz Lígia.
De acordo com Edgard Barki, coordenador do mestrado profissional em gestão internacional da FGV, a ideia de unir orientação ao lucro e benefício social começou no final da última década, quando empresas viram que a força de consumo estava nos Brics. “Há cerca de dez anos, quando as grandes multinacionais tiveram dificuldade em mercados maduros, foram buscar alternativas e viram que elas estavam nos Brics. A necessidade de atuar com a população de baixa renda obrigou as empresas a repensar sua estratégia de negócio”, explica.
Novos negócios
Olhar para a base da pirâmide e desenvolver produtos que tenham aderência para o consumidor emergente significa também desenvolver demanda por novos produtos. No Brasil, o ingresso de mais de 50 milhões de pessoas na nova classe média impacta diretamente a estratégia das empresas, que direcionam seus negócios para tal público. “Numa economia como a nossa, em que há modificação da pirâmide socioeconômica, investir na base beneficia um grupo de pessoas, ao mesmo tempo que aumenta a capacidade de consumo”, aponta Ismael Rocha, professor da ESPM e diretor do centro de estudos em negócios sociais da universidade.
A pacificação dos morros no Rio de Janeiro levou a agência carioca NBS a uma atitude inédita: abrir, em novembro do ano passado, uma unidade no morro da favela Santa Marta para ajudar marcas a desenvolverem projetos que tenham impacto social positivo. “Queremos usar o que o capitalismo tem de bom, como a velocidade e a capacidade de execução, com objetivo social”, diz Aline Pimenta, diretora da NBS Rio+Rio. A operação é montada no formato de social business: o capital inicial veio da própria NBS e, após o retorno do investimento, o lucro será reinvestido na operação, de forma que ela seja financeiramente sustentável e prospere.
Pouco a pouco as marcas começam a explorar o potencial de compra, antes invisível nos morros. A Kibon, entre as ações de celebração de seus 70 anos, abriu pontos de venda no Complexo do Alemão e estampou sua marca nos bondes do teleférico da comunidade e nomeou a estação de Alemão/Kibon.
Nos últimos meses, a NBS Rio+Rio desenvolveu, em parceria com O Boticário, um baile de debutante para adolescentes do Morro da Providência e, com a Coca-Cola, um estudo com jovens de 170 comunidades nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Salvador para o “Coletivo Coca-Cola”, projeto gerido pela unidade de negócios sociais da marca. “O papel das marcas é transformar. Aqui elas mostram que realmente fazem”, aponta Aline.
De acordo com Barki, da FGV, o maior benefício ao construir relação de valor compartilhado com comunidades é o sucesso de longo prazo. “Empresas que trabalham com busca do lucro e do benefício social conseguem relacionamento melhor e, no longo prazo, seu sucesso é maior”.