“Não há fórmula para levar Titanium”

 

Anselmo Ramos era o vice-presidente de criação da Ogilvy Brasil no ano passado quando a agência conquistou o Grand Prix de Titanium no Cannes Lions com a campanha “Retratos da real beleza”, para a Dove. O prêmio, pela primeira vez concedido a uma agência da América Latina, se somou a outros 34 Leões conquistados e a companhia levou o título de “Agência do Ano” em 2013. Neste ano, agora no comando da criação da David, microrrede do Grupo Ogilvy do Brasil, em Miami (EUA), o executivo retorna ao festival, dessa vez como jurado de Titanium&Integrated. Ramos conversou na semana passada com o propmark sobre o que o júri irá buscar nas campanhas neste ano. Confira os principais trechos da conversa.

Sem pré-julgamento
“Em Titanium, não haverá pré-julgamento. Tudo será feito durante o festival [que ocorre na cidade de Cannes, França, entre 15 e 21 de junho]. Mas acredito que o volume dessa área seja menor. É difícil haver muitas ideias que podem competir em Titanium, pela natureza dessa área. Essa é também uma área cara para inscrever. Acredito que, durante a semana do festival, dê para avaliarmos todo o material inscrito. O coquetel de boas-vindas é segunda (16) à noite, e o julgamento vai até sexta (20).”

Estímulos em excesso
“Recebemos um e-mail do presidente do júri [Prasoon Joshi, chairman, CEO e chief creative officer da McCann Worldgroup para Índia e Sul da Ásia], dando as boas-vindas para o júri, em que ele destacou a presença de cada vez mais estímulos. Estão todos falando muito alto, o tempo todo. O Titanium é aquela peça que se destaca no meio do barulho digital.”

O que o júri avalia
“Essa é uma área que busca ideias capazes de redefinir barreiras na indústria de comunicação. Por isso, acredito que Titanium mude todos os anos. O que é inovador hoje pode não ser considerado assim no ano que vem. É o oposto de áreas como Print e Radio, que têm sempre as mesmas variáveis. Já Titanium pode ser qualquer coisa: uma pulseira, como foi ‘Fuel+Band’, da R/GA para a Nike, ou a campanha de um político, como foi a estratégia do Obama [‘Obama for America’, inscrita pela própria direção da campanha política do presidente americano]; pode ser a promoção de um livro, como foi ‘Jay-Z Decoded’ [da Droga5 para o rapper Jay-Z], ou ainda um experimento social, como foi ‘Retratos da real beleza’. São ideias muito diferentes umas das outras e é por isso que essa área em Cannes é tão interessante. Não tenho ideia do que irei encontrar no júri porque é possível que seja mesmo qualquer coisa. Também dependerá muito dos jurados, do que irão considerar como novo.”

Baixa procura
“As agências brasileiras não estão me procurando para falar de trabalhos adequados a essa área e estou superpreocupado. Eu recebi umas cinco ideias. As que recebi até o momento são interessantes, mas Titanium é uma área muito difícil. Não é possível produzir ‘Titaniuns’, assim, no plural. Provavelmente, a campanha vencedora de 2016 está tendo o seu briefing produzido agora. É uma área diferente porque as peças vencedoras precisam ter escala, resultado, relevância. E é por isso que eu fico me perguntando por que eu recebi somente cinco peças do Brasil como mercado. Ou não existe, ou ainda não me mandaram, ou existe, mas a agência não crê que ela possa ganhar.”

Sem subcategorias
“Essa é uma área em que não há divisão por categorias, como ocorre com outras presentes no festival. A dificuldade em inscrever nesta área não está na escolha de qual subcategoria deve-se colocar tal peça, mas se a ideia é um Titanium ou não. É mais simples e mais difícil.”

Mais risco
“O mercado brasileiro poderia e deveria tomar mais risco. No caso de Titanium, as ideias, por serem inovadoras, geralmente são inéditas. Quando é esse o cenário, você não sabe nem como será desenvolver o trabalho, é necessário inventar um processo para aquilo. Eu vivo pedindo para a criação para que me mostre algo que eu não tenha visto ainda e algo que eu não saiba por onde começar a fazer. Creio que Titanium tenha um pouco disso: a ideia é tão nova que você precisa inventar um processo para conseguir viabilizá-la. E isso é complicado. É necessária uma mentalidade específica e a agência precisa estar preparada para isso. Outro fator é a ambição. A agência e o cliente precisam, de fato, quererem fazer algo inovador, o que não é fácil. Essa ambição não é algo comum de se achar em nenhum mercado.”

Cliente precisa querer
“O Brasil não sofre de falta de verba para produzir trabalhos com cara de Titanium. Esse é um mercado gigante, com talentos e dinheiro. Acredito que um problema aqui é, primeiro, acreditar que é possível fazer um trabalho com um nível assim. O Brasil teria a capacidade para brigar por Titanium todos os anos. Só que não estamos necessariamente nesse nível como mercado, mesmo que tenhamos tudo aqui: os talentos, a verba e as marcas. E, de fato, acredito que falte a ambição, a agência sentar com o cliente e desejar fazer algo que realmente irá mudar a história da comunicação. Não é fácil isso. E pode ser que o cliente, ao fim, não queira ganhar um Titanium. Se ele não quiser, é difícil. Outro ponto é que não há fórmula, não há receita. Não há um ‘como ganhar um Titanium’. É necessário querer criar algo que rompa com a indústria de comunicação. A partir daí, eventualmente a ideia pode levar o prêmio no festival.”

A ambição de “Retratos”
“Não tínhamos a dimensão de qual seria o impacto de ‘Retratos’. Na verdade, sabíamos que a gente tinha uma ideia interessante nas mãos, acreditávamos nela, mas não sabíamos se ela iria funcionar. O cliente perguntava se ela daria certo e nós achávamos que sim, mas o único jeito de ter essa resposta era fazendo. Lembro que o cliente ligava nos primeiros dias de filmagem perguntando se estava indo tudo bem e era impressionante ver a ideia, pouco a pouco, dando certo. Quando editamos e vimos que havia funcionado, entendemos que tínhamos nas mãos algo muito especial. Mas, no começo, não tínhamos a menor ideia da dimensão que o trabalho tomaria, o número de visualizações que ele alcançaria, de todos os prêmios que ele iria ganhar e do impacto que teria na carreira das pessoas envolvidas, como o Hugo e o Diego [Hugo Veiga e Diego Machado, ex-criativos da Ogilvy que trabalharam na campanha e que foram contratados pela AKQA em 2013 como diretores de criação do recém-anunciado escritório da agência inglesa em São Paulo]. Desejo aos dois o maior sucesso, porque eles merecem.”

Titanium é possível
“Temos muito orgulho de conquistarmos o primeiro Grand Prix de Titanium da América Latina e eu gostaria que isso servisse de estímulo para as agências brasileiras. Espero que ‘Retratos’ indique para os clientes que é possível uma agência daqui ganhar o GP dessa área. No nosso caso, abriu muitas portas, aumentou a ambição dos nossos próprios clientes. Brincamos que não há uma reunião em que não nos pedem ‘me dá um Retratos’. Só que não é fácil: você precisa da marca certa, do posicionamento adequado, na hora certa e do envolvimento do cliente. No nosso caso, foi um alinhamento perfeito e deu certo. Mas não é uma fórmula e não dá para repetir.”

Impacto para o cliente
“Foi muito importante para a Unilever [proprietária da Dove] receber esse prêmio porque ‘Retratos’ virou uma campanha global sem nunca ter tido essa ambição. Foi um experimento social que depois virou uma campanha veiculada em 56 países. Ela ajudou a Unilever, por exemplo, a desconstruir a regra de que é necessário um elenco em cada país para que uma campanha global funcione. ‘Retratos’ provou que não, que o necessário para um trabalho assim é um insight global, uma ideia que viaje por vários lugares. As mulheres participantes da campanha são todas norte-americanas, o filme foi traduzido para mais de 50 idiomas e funcionou porque o insight era verdadeiro. Isso desmistificou a regra do elenco local. Também mudou para o cliente o entendimento de que uma campanha global não precisa já nascer global, ela pode ser construída ao longo do caminho. A Unilever percebeu ainda que é preciso cuidar da ideia, que não adianta só colocá-la no ar, que é preciso monitorá-la depois do lançamento também.”

O novo é um remake
“Eu entendo que quase tudo já foi feito, mas acredito que sempre dá para fazer diferente uma ideia que já foi pensada. Isso nunca vai mudar. A criação conhece os meus pedidos para que me tragam algo inédito e somos muito críticos conosco. Continuamos a pensar, mesmo quando encontramos uma ideia boa. Quando, enfim, encontramos, sabemos que ela é importante e fazemos o impossível para produzi-la.”

Titanium x Innovations
“Acredito que Innovation Lions é uma área mais tecnológica, destinada a startups, por exemplo. Já Titanium pode ser qualquer coisa: um aplicativo, um livro, um documentário. A diferença que vejo é essa.”

Van Damme e “Sweetie”
“Neste ano, eu tive a sorte de julgar o One Show e o D&AD. Vi duas ideias bacanas nesses dois festivais que, acredito, terão bom desempenho no Cannes Lions. A primeira é ‘Sweetie’ [da agência holandesa Lemz para a Terre des Hommes, organização que luta contra o abuso sexual infantil]. Eu tenho uma inveja enorme de não ter feito esse trabalho [a agência desenvolveu, digitalmente, uma personagem pré-adolescente de 10 anos, de feições filipinas, para participar de conversas pela internet. Com o trabalho, foi possível identificar e prender mil pedófilos de 71 países em 2013]. A primeira vez que vi ‘Sweetie’ foi na CNN e pensei que, se houvesse uma agência por trás daquilo, o trabalho com certeza seria Grand Prix em Cannes. A outra ideia que certamente irá ganhar é a campanha da Volvo com o Van Damme [‘The epic split’, criado pela sueca Forsman & Bodenfors para Volvo Truck]. É uma campanha fantástica e eu, particularmente, sou fã do Van Damme [na campanha, o ator aparece fazendo uma abertura de pernas entre dois caminhões da marca para comprovar a estabilidade dos veículos]. Estou há sete anos pedindo para a criação fazer alguma coisa com o Van Damme e eles nunca fizeram. Agora, a Forsman fez e vai ganhar GP em Cannes. Essas duas campanhas irão, com certeza, se dar muito bem no festival.”