Não, não precisamos falar sobre isso
Uma espécie de FOMO parece ter tomado conta de algumas marcas e empresas no mundo de hoje. O Fear of Missing out é o medo de ficar de fora, de perder algo, e, no caso específico ao qual me refiro, de não estar no centro daquilo que se comenta. Demonstrar “atualidade” ou estar antenado tem levado a tantos equívocos que acredito que nunca antes na história vimos tantas empresas e marcas pedindo desculpas na sua comunicação.
Não vou entrar em detalhes sobre o anúncio que comparou fazer uma mamografia a tirar nudes (da agência Ampla) ou do glamouroso papel higiênico preto que seguia tendências de design internacional e se valeu do slogan Black is Beautiful. Ambos geraram pedidos de desculpas e batidas em retirada constrangedoras. E certamente o que levou aos dois episódios foi, em grande medida, o desejo de não ficar de fora dos assuntos do momento, e das “tendências”. Não, não é preciso falar sobre tudo.
Porque, como em qualquer área profissional que passa por grandes mudanças, como a propaganda, há (muitos) jovens profissionais que não aprenderam o suficiente sobre construção de marcas. E, ao mesmo tempo, ainda há (muitas) pessoas que seguem vivendo em suas pequenas redomas protegidas, repetindo o mantra “o mundo está muito chato” e sem respirar o verdadeiro espírito do tempo aqui de fora. Assim surgem os “Queremos dizer que erramos”, “Este anúncio não será mais veiculado”, “Lamentamos outro entendimento que não seja o explicitado na peça”.
Erros assim podem destruir anos de construção meticulosa. Marcas não precisam e não devem se engajar a qualquer preço – vale lembrar outra recente e embaraçosa tentativa de “parecer” engajada, a da Pepsi. Se pescarmos os exemplos recentes, eles são muitos. E na nossa indústria, chega a ser inacreditável que erros tão óbvios passem pelas várias etapas da cadeia de aprovação e cheguem às ruas para, em minutos, serem destroçados publicamente, seguidos de pedidos de desculpas que não evitam que o episódio se espalhe, ganhe o mundo, chegue às páginas do The Guardian, por exemplo.
Recentemente levei minha filha adolescente e dois amigos a um show da Pabllo Vittar, cantor e drag queen fenômeno que viu seu cachê ir para as alturas em um curtíssimo espaço de tempo, lotando casas de espetáculo e atraindo a atenção de marcas como Avon, Adidas, TNT, Itaú, Apple e Coca-Cola. O que eu vivi ali, naquele curto espaço de tempo, foi estranhamente transformador, e me impacta até agora. Volta e meia me pego lembrando da sensação de segurança que senti embolada com três adolescentes naquela multidão, no meio de uma madrugada, se divertindo sem violência, sem julgar ninguém ao redor, sem se preocupar com sexo, time, origem, cor de pele e classe social. Era uma festa que reverenciava escolhas pouco convencionais e pessoas que exibiam orgulhosas suas novas possibilidades e conquistas criativas. Não esbarrei com nenhum conhecido. O que me marcou, naquele evento, foi a sensação de estar em um (imenso) gueto, onde a atitude, para além do discurso, era de paz, aceitação, diversidade, tolerância e liberdade.
Fico pensando nos (muitos) espaços de trabalho onde se desenvolvem produtos e se criam estratégias de comunicação para essas centenas de pessoas que estavam comigo, ali, naquela noite, onde as equipes não têm a mais vaga ideia da dimensão dessa realidade. Só esse desconhecimento e desconexão pode levar, ainda, a ações de comunicação que precisam de pedidos de desculpas constrangidos. Falta diversidade – de pessoas e de pensamentos – nos ambientes de trabalho criativos. Vale, mais do que nunca, a frase conclusiva do pedido de desculpas da Ampla, no episódio do anúncio da mamografia: “Seguiremos aprendendo”. Porque há, de fato, muito a aprender. Não que a vida não seja um eterno aprendizado, perdoe o clichê, mas historicamente talvez nunca tenha sido tão importante falar menos, ouvir e observar mais. Muito mais.