"Não precisa explorar a mulher para vender cerveja"
Daniela Cachich é vice-presidente de marketing da Heineken Brasil
Seis anos depois de comprar a Femsa e entrar com força no mercado brasileiro, a Heineken começa a alcançar os objetivos traçados. Atualmente na terceira colocação entre as maiores cervejarias do país, a companhia investe em um estilo de propaganda diferente em comparação com os maiores concorrentes do setor. A vice-presidente de marketing, Daniela Cachich, revela que criar comerciais apelativos que chamam a atenção pelo corpo das mulheres nunca foi cogitado como opção dentro da estratégia da empresa, que prioriza experiência de marca e geração de conteúdo.
A Heineken está no Brasil desde 2010, quando comprou a Femsa, mas somente nos últimos dois anos começou a ganhar mais mercado. Por que demorou?
Foi uma combinação de vários fatores. Quando o grupo holandês chegou ao Brasil, primeiro tentamos entender um pouco como era o mercado para definir, de uma forma muita clara, qual seria a nossa estratégia. Para fazer isso, nós precisávamos entender melhor o portfólio e como iríamos construir no país a principal marca da companhia, que é a cerveja Heineken. Também fizemos um trabalho muito forte de imersão para descobrir quais as outras marcas do grupo que poderíamos trazer. Quando vemos o lançamento de Sol Premium, de Desperados e de Amstel, por exemplo, é o resultado de um trabalho que começou em 2010. O momento que estamos vivendo hoje é consequência das decisões que foram tomadas há mais de cinco anos.
Qual a importância do Brasil para a empresa atualmente?
Quando compramos a Femsa, o volume da Heineken Brasil no ranking global da companhia era o 17º. Hoje somos a quinta maior operação mundial da empresa, quase chegando à quarta posição. Desde o começo, tinha-se a ambição de conseguir uma marca premium forte, mas em 2010 somente 3% do volume vendido no Brasil era de cervejas premium. Portanto, houve um entendimento de como a marca poderia crescer e, ao mesmo tempo, desenvolver o mercado premium no Brasil. Em países vizinhos como a Argentina, por exemplo, esse volume chega a 15%. Pouco mais de cinco anos depois, esse segmento duplicou e nós estamos crescendo mais do que o próprio mercado nesse segmento.
Qual é a estratégia da Amstel. Ela chega para concorrer com as marcas mais populares ou pretende ser uma mainstream com mais requinte?
Dentro do portfólio premium, já temos a Heineken, que é o carro-chefe, Desperados e Sol. Então a Amstel vem para suprir uma necessidade que temos no segmento mainstream nos dois principais mercados de consumo – São Paulo e Rio de Janeiro. Mas ela é uma mainstream mais acima. Ela está posicionada para ser um pouquinho mais cara que as marcas populares, porém com o cuidado de não encostar muito no segmento premium.
E qual é a estratégia para inserir uma nova marca em um mercado tão agressivo como é o de cervejas mainstream?
A maior dificuldade está mais relacionada ao portfólio que você tem para oferecer do que propriamente a força que a concorrência já tem. Se eu tenho só a Heineken para oferecer, sob a ótica de portfólio, fica faltando outra marca que seja mais acessível em sabor e preço. Depende muito do que a gente tem para oferecer como companhia. Quanto mais você fideliza o consumidor, independentemente do canal (bar, adega ou supermercado), mais forte será a sua marca, pois a voz do consumidor hoje está muito ativa. Se eu tenho consumidores que compram a minha marca no supermercado, quando eles forem para o bar, também vão pedir a minha marca. O consumidor é o mesmo. Se ele está fidelizado em um canal, possivelmente eu consiga levá-lo para outro. É uma grande jornada, que envolve a demanda do consumidor e o entendimento do varejista de que será beneficiado ao vender um produto que agrega valor ao serviço dele.
Como você definiria o estilo da Heineken de atuar no mercado?
É um estilo menos agressivo na chegada, mas com uma construção a médio e longo prazo bem focada na fidelização do consumidor. Nós vendemos marca e cerveja. Não tem como separar uma coisa da outra. Por isso, temos uma parceria muito forte entre marketing e vendas. Com o marketing eu construo de fato a marca e do outro lado confiamos que o trade vai colocar o produto de forma visível nos canais de distribuição. Temos a característica de trabalhar em uma empresa na qual o nome é o mesmo da família que dirige a companhia. Temos um respeito muito grande pelo produto e um respeito muito grande pelas marcas.
A propaganda de cerveja é muito criticada no Brasil pela exploração do corpo das mulheres. No entanto, as campanhas da Heineken seguem outra linha…
Temos um alinhamento global muito grande e a Heineken não é adepta ao uso de estereótipos. Além disso, em 2010, quando todo mundo ainda preferia investir nos clichês dos comerciais de cerveja, viemos com uma proposta totalmente diferente. Quando chegamos no Brasil, a Heineken era o quarto player do mercado e tínhamos muito menos investimentos do que os concorrentes. Até por isso, jogar o mesmo jogo não iria funcionar. Desde o momento zero sabíamos que éramos a empresa desafiante, estávamos desafiando o mercado. A gente entendeu que a construção das nossas marcas no país deveria ir totalmente na contramão do clichê da categoria. A única forma de a gente ganhar market share era a visibilidade. Mesmo que o mercado cervejeiro seja ‘nervoso’ e exija muito investimento, sempre acreditamos no jeito Heineken de construção de marca, que é um jeito muito mais ligado à experiência e geração de conteúdo. Na época, ninguém nem falava de branded content, mas a gente já achava que se o conteúdo fosse bom as pessoas iriam se engajar. Se o conteúdo é bom, não precisa colocar rios de dinheiro por trás.
E como foi no começo, quando vocês chegaram com um estilo de comunicação diferente ao que os brasileiros estavam acostumados?
No começo a gente levou muita porta na cara, escutamos muitos ‘não, esta cerveja eu não quero vender’. Mas tínhamos a convicção de quem queríamos ser. Com essa estratégia, os melhores resultados podem até demorar um pouco mais para aparecer. Entretanto, se somos fiéis a nossa identidade, os resultados aparecem. Trata-se de fazer uma aposta em um determinado momento para conseguir se beneficiar no futuro. Há momentos em que devemos considerar pontos de paridade com os concorrentes em questões culturais do mercado, como é a garrafa de 600 ml no Brasil, um padrão de ocasião de consumo que tivemos de seguir. Mas também consideramos atentamente os pontos de diferenciação, que para a Heineken é o sabor, a comunicação, o marketing. Para nos diferenciar, precisávamos acreditar nesses pontos de diferenciação.
O fato de você, Daniela, ser mulher e estar à frente do marketing da Heineken desde a chegada da empresa no Brasil influenciou na estratégia de evitar a fórmula de mulheres gostosas e bordões fáceis?
Para ser sincera, eu nunca parei para pensar nisso. Mas o que posso dizer é que eu nunca precisei, como mulher, colocar este tema na mesa de discussão. Essa linha de pensamento de que não é preciso explorar a mulher para vender cerveja é praticamente um senso comum dentro da empresa. Até porque eu tenho muitas mulheres que são minhas consumidoras. 30% dos consumidores de Heineken são mulheres. Por que eu exploraria elas? Pelo contrário. Nós preferimos fazer uma comunicação mais inteligente no sentido de que é possível falar sobre um tema sem cair no clichê da categoria para conseguir engajar as pessoas. A gente usa Uefa Champions League, conexões com filmes como 007, com música, coisas que geram afinidade com meu público. A gente nunca precisou cair nessa. Nunca nem recebi uma proposta do meu time. Hoje, inclusive, percebo que muitas outras marcas da categoria estão tentando sair desse clichê.
No ano passado, um alinhamento global determinou a troca da Wieden+Kennedy pela Publicis. Qual foi o impacto no Brasil?
Eu estava em Amsterdã, na matriz, quando a decisão foi tomada. Quando você está em uma multinacional e tem marcas globais, não pode pensar somente no seu país. Precisa pensar no que é melhor para a companhia mundialmente falando. Logicamente que tivemos um reflexo, mas não foi uma decisão só minha. Foi uma decisão tomada em conjunto pelos principais executivos da empresa. Fora isso, eu acredito muito que o profissional de marketing não pode delegar a sua marca para uma agência. A marca é da companhia. Você pode ter grandes parceiros que ajudem na construção da marca e, nesse sentido, toda ruptura exige um posterior momento de adaptação. Porém, como a agenda da marca é nossa, o processo foi relativamente tranquilo. Eu tenho bastante respeito por quem me ajudou a construir a marca no Brasil, mas a vida segue.
Na posição de anunciante, o que você acha do modelo de remuneração do mercado publicitário brasileiro, baseado no BV (Bonificação por Volume)?
O modelo de relacionamento entre anunciante, agência e veículo está sofrendo uma transformação radical e sem volta. Eu acredito que uma empresa como a Heineken, que ano após ano investe mais em comunicação, deve remunerar uma agência pelo seu valor criativo, de planejamento e de estratégia mais do que pela simples conta de que, se eu estou investindo mais, a agência está ganhando mais dinheiro. Remunerando por mídia, eu não estou comprando o melhor da agência. Na Heineken, o nosso modelo é baseado no valor que as agências estão produzindo para mim, não em função de que quanto mais eu invisto mais eles ganham. Também trabalhamos com success fee, que leva em consideração awareness, market share e outros atributos combinados com as agências no começo de cada ano. Eu não vejo uma agência de publicidade como um fornecedor. Eu vejo como um parceiro na construção de um negócio. Esse é o modelo que eu acredito.