Neil Ferreira ganha Prêmio Jeca Tatu
Neil Ferreira costuma dizer que não abandonou a propaganda – mas sim os congestionamentos. Aos quase 69 anos, completa 40 de propaganda e recebe uma homenagem histórica, no dia 17 de maio, no Rio de Janeiro: o Prêmio Jeca Tatu, criado em homenagem ao clássico personagem de Monteiro Lobato, escritor que marcou tanto sua vida que até seu filho chama-se José Bento (nome de Lobato). A entrega do troféu acontecerá na Academia Brasileira de Letras, durante o 7º Encontro de Redação Publicitária, uma iniciativa da Alap (Associação Latino-Americana de Agências de Publicidade), com apoio do Conselho Nacional de Propaganda, do Clube de Criação do Rio de Janeiro e com patrocínio da ESPM.
Há 10 anos Ferreira decidiu abandonar definitivamente a rotina dentro das agências de publicidade, depois de passar por duas crises em que ficou alguns anos afastado, ensaiando outros modelos de vida, como escrever crônicas sobre filhotes de gambá e seus cães Chicão e Fedegoso. “A rodovia Raposo Tavares começou a me cobrar uma hora e meia na ida e uma hora e meia na volta para ter um trabalho fixo numa agência no bairro dos Jardins. Resolvi tomar uma decisão existencial que salvou a minha vida: fiz um home office e virei freelancer há uns bons 10 anos. Moro numa casa deliciosa, com um jardim que é a menina dos meus olhos”, diz ele, que hoje aceita reuniões no máximo uma vez por semana.
Redator, Ferreira é considerado a grande revelação da propaganda brasileira nos anos 60 e um dos mais brilhantes criativos da década de 70. Todo mundo queria contratar o redator que inspirou diversos profissionais e fez dupla com José Zaragoza, a quem considera um irmão. “Sou filho único, meus pais não me deram irmãos, escolhi-os na vida. São três. Um deles é o Zaragoza, com quem trabalhei em duas ocasiões, que somam uns 18 anos, acho que talvez 20, porque mesmo quando saí da DPZ, almoçávamos juntos a cada duas semanas. Uns quatro anos depois da minha primeira saída da DPZ, deparei-me com um anúncio de rodapé no Estadão, que dizia “Neil, queridinho, volte pra casa. Tudo está perdoado. Z”, conta Neil.
Sobre Neil, Zaragoza diz que ambos não apenas criaram campanhas juntos, mas também “se entregaram para as marcas que usavam e abusavam do entrosamento da dupla”. “Os criativos sabem como a relação de um diretor de arte com um redator tem tudo para ser difícil. Respirar e oxigenar ideias juntos pode ser algo extremamente simples ou um tanto quanto complicado, mas, com o Neil, tudo parecia muito fácil e simples. No futebol, um jogador que conhece bem o outro nem precisa olhar onde o companheiro está no campo para dar o passe, sinto isso quando falo do Neil, ele me encontrava nos traços e eu o achava nas palavras. Um toque leve, refinado e criativo”, define Zaragoza.
Os outros dois “irmãos” são o “mestre” Júlio Cosi, que segundo ele foi quem lhe ensinou tudo de publicidade no início da carreira. E Júlio Xavier, que hoje mora em um condomínio vizinho ao seu e que ele considera “um dos maiores diretores de comerciais da publicidade brasileira”.
Ontem, hoje e amanhã
Ferreira diz que a propaganda é um tema que ainda lhe interessa muito. “Sociologia das comunicações, que me foi apresentada num curso dado por Marshall MacLuhan no NYCC, é um dos assuntos daqueles que não me permito desligar. Ao conhecer como uma sociedade comunica-se através da publicidade que consome, dá para conhecer muito sobre ela”, diz.
Sobre o futuro da propaganda, ele não arrisca palpites. Diz apenas que ontem, hoje e sempre pertencem a uma ótima ideia. “A minha crença é que o passado, o presente e o futuro da publicidade são um só: a busca da chispa, da ideia brilhante, simples, surpreendente, que pega todo mundo no contrapé, provoca um susto seguido de um sorriso e lembrança forte amanhã e depois e depois, não importa a plataforma que seja utilizada (no meu tempo falava-se ‘mídia’)”, diz.
Sua vida hoje combina o trabalho à intensa convivência com a família, em especial as duas netas, filhas de José Bento, e a filha Juliana, que no momento trabalha em sua tese de doutorado em Genética pela USP, com vários estágios em laboratórios nos EUA e a posição de “senior fellow” no TED. “Pelos meus olhos passam a luta, as oportunidades e o que me contam (netos e filhos) dos seus sonhos e objetivos. Acho que venci, mesmo vivendo neste ‘país dos mais de 80%’. Quando no começo da carreira trabalhei na Standard, como aprendiz do Cosi e do Duailibi, o Cosi me dizia ‘Você é uma antena parabólica que engole tudo e tudo devolve como trabalho. Cuidado para não ter indigestão’. Tive. Mas tratei-me com livros, música, teatro, cinema, seriezinha de TV, olhando os passarinhos, as plantas, os macaquinhos, os gambazinhos, Fedegoso, Chicão. Curei-me. Estou em ordem. Espero que dure”, conclui.
Trajetória
Neil nasceu no município de Cerqueira César, interior de São Paulo. Como jornalista, chegou a ser colaborador de alguns jornais, como Diário da Noite e Folha de S.Paulo. Aos 21 anos, foi contratado pela Standard Propaganda para ser primeiro “trainee” – mais tarde assistente de Roberto Duailibi e Julio Cosi Jr. Depois trabalhou na CIN, Almap, Norton e P.A Nascimento, antes de ingressar na DPZ. Na Norton entrou em 1969, à frente de uma equipe de criativos contratada a preço de ouro e denominada de “Os subversivos” – uma alusão ao momento político vivido pelo Brasil. Entre os subversivos estavam Jarbas José de Souza, Carlos Wagner de Moraes, Aníbal Gustavino e José Fontoura da Costa. Na época, a agência disputou com a DPZ e a Almap os principais prêmios do mercado, como o Colunistas. Nos anos 80, Neil Ferreira trabalhou na SGB e Salles Interamericana, nesta última como vice-presidente de criação.
Em meados da década de 70, quando estava no auge da carreira, ensaiou uma mudança de vida e ficou quatro anos como “vagamundo”, como ele costuma dizer. Foi, segundo ele, um teste de mercado. Retirou-se para um sítio em Cotia. No seu retorno, foi para a DPZ, onde formou com Zaragoza uma das melhores duplas de criação da história da propaganda brasileira. A dupla assina o comercial “Vandalismo” – também conhecido como “A morte do orelhão” –, premiado com Leão de ouro em Cannes e elogiado por Joe Pytka. Também criaram juntos o baixinho da Kaiser – que posicionou o costume de beber cerveja como um hábito de turma, e ainda o Leão – símbolo do imposto de renda para a Receita Federal. Neil também trabalhou com Nizan Guanaes e Marcello Serpa. “Neil é um gênio, como Washington Olivetto. Apenas menos midiático”, opina Guanaes.
Ele não confessa qual campanha considera a mais memorável, mas diz que o Leão do imposto de renda dá um orgulho especial, pois foi veiculado por 10 anos e, mais de 30 anos depois e sem qualquer veiculação, continua a frequentar as manchetes dos principais jornais. É o primeiro e até hoje único personagem da publicidade a entrar nos principais dicionários brasileiros, o Aurélio e o Houaiss. Neles, entre os significados do verbete “leão”, encontra-se o arrecadador ou cobrador do imposto de renda. “Isso me enche de orgulho, mas não me faz esquecer o baixinho da Kaiser nem ‘A morte do orelhão’”, confessa.