Neurociência testa e não “engessa” a criatividade

Conversei com a neurocientista Janaína Brizante entre uma palestra e outra do Shopper Brain, evento que reuniu especialistas do mundo todo entre 30 e 31 de agosto, no Rio de Janeiro, para discutir a neurociência aplicada ao varejo. Ela foi uma das palestrantes, apresentando um case da sua área, a de Consumer Neuroscience, na Nielsen Brasil, que ajudou a criar há cerca de quatro anos. Hoje Janaína é responsável por toda a pesquisa neurocientífica da Nielsen no Brasil. De um jeito despretensioso, com fala mansa e sorriso fácil, a neurocientista é uma verdadeira fera no ramo: é mestra em psicologia experimental na área de bases neurobiológicas do comportamento pelo Instituto de Psicologia da USP, realizou estágio de doutorado no Center for Cognitive Neuroscience na Duke University, nos Estados Unidos, e fez doutorado em fisiologia humana no Instituto de Ciências Biomédicas da USP, onde estudou tomada de decisão e aversão a risco. Neste bate-papo, ela fala do grande potencial para a área no Brasil, que está no seu começo, ainda distante do desenvolvimento já encontrado na Europa e nos Estados Unidos. O maior desafio é a cultura: anunciantes saírem da zona de conforto das pesquisas tradicionais, e se aprofundarem na exploração da “black box” das pessoas proporcionada pela neurociência. Que leva hoje uma vantagem competitiva essencial em relação a outras técnicas de pesquisa: a capacidade de acessar as emoções das pessoas.

 

Como você entrou nessa área?

Eu me formei em publicidade e propaganda na ECA/USP. Quando eu terminei, tinha certeza que não queria trabalhar com publicidade, eu tinha trabalhado em agência e vi que não era para mim. Logo descobri que não queria seguir carreira, mas decidi terminar o curso, pelo menos. Eu queria muito estudar comportamento humano, então busquei um mestrado em psicologia experimental.  Passei, fiz o mestrado, e comecei a estudar neurociência. Foi aí que eu entendi o que eu gostava de estudar. Estudando neurociência me apaixonei, me parecia a melhor abordagem para estudar comportamento. Era uma forma de entrar dentro da “black box”. Eu tinha aprendido na psicologia que existe uma Black Box. Na neurociência você aprende que o limite é a técnica e o nosso conhecimento, poder entender o que está ocorrendo nos sistemas. Trabalhei um pouco com consultoria,  terminei o mestrado e fui fazer doutorado em neurociência, no Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Mudei de área totalmente, fui fazer neuroanatomia, fiz meu doutorado em neuroeconomia, fiquei um ano nos EUA. Quando voltei, conheci um diretor da Nielsen Neuro para a América Latina, fiz várias entrevistas, gostei da ideia. Ainda nos EUA eu havia conhecido o fundador da empresa, Robert Knight, que é um grande neurocientista. Isso me fez pensar em, no lugar de dar aulas, ficar no mercado trabalhando com neurociência bem feita. Aceitei porque era a Nielsen, que eu sabia que era muito séria.

 

Isso faz quanto tempo?

Estou na Nielsen há quatro anos e meio.

 

Em que estágio estamos no desenvolvimento do neuromarketing no Brasil, em relação ao mundo?

O difícil para fazer essa régua é prever o que vai ocorrer com o mercado de pesquisa. Considerando que não vá mudar muito, se não for mudar muito, o Brasil está ainda no começo do uso dessa tecnologia. Temos muito a desenvolver ainda, este é um mercado muito mais desenvolvido na Europa e nos Estados Unidos, e o Brasil tem bastante caminho para percorrer. De quebrar paradigmas, de entender que verba vai sair e de onde para entrar em neurociência, que tipo de pesquisa será deixada de fazer, para fazer neuro. O mercado brasileiro ainda está no processo de aprender, testar, e vai crescer bastante, eu acho. No Brasil temos um potencial gigante, que está só no comecinho. Temos conversão de clientes regulares, a cada dia, e clientes locais. Porque os grandes fabricantes de bens de consumo já são nossos clientes globais. Localmente estamos convertendo clientes agora. Temos clientes há quatro anos, mas a maior parte está começando agora a entender o valor, a experimentar, ver o resultado, repetir. Temos muito o que crescer ainda.

 

O mercado de pesquisa é um dos que vêm sendo afetados pela disrupção, e a neurociência faz parte desta disrupção. Isso é difícil, na medida em que, eventualmente, uma empresa tradicional como a Nielsen tenha de abandonar velhas abordagem para substituir por novas?

É uma boa pergunta. Na Nielsen, as ferramentas que usam pesquisa declarativa hoje, são aquelas em que realmente a pesquisa declarativa consegue marcar um gol. Árvore de decisão, por exemplo. Quando você está em um ponto de vendas e você vai comprar refrigerante. Não tem a marca A, que você gosta. O que você faz? Compra a B ou vai embora? Ou compra outra categoria de produto, um suco? Ou um soft drink de low carb? O que você faz? É preciso perguntar e temos na Nielsen uma área que faz esse tipo de estudo, o estudo de Shopper, que é declarativo e tem de ser mesmo. Porque a neuro não ia conseguir fazer muito a respeito de árvore de decisão. Pelo menos não com a nossa metodologia, eu acho que não faria sentido.

 

Neuro consegue detectar mentiras mais do que outros métodos?

Não é que detecte mentiras, é que pega uma resposta primária que não depende de confabulação, de o que eu quero que você pense de mim, depende simplesmente da sua atividade elétrica. A primeira reação que você tem frente a um estímulo. Você acaba pegando uma reação muito pura. Muito pouco enviesada. Mais espontânea. O que você não tem com a declaração explícita. Mas na Nielsen a gente usa as ferramentas explícitas para as coisas que realmente a gente precisa usar. Dentro da Nielsen temos unidades de negócios especializadas nas soluções, e pessoas especializadas nas soluções. A gente consegue dar conta das diferentes tecnologias dentro de cada unidade de negócios.

 

Que barreiras principais existem para o desenvolvimento do neuromarketing?

Acho que não é preço ou timing. Os maiores desafios são primeiro, cultura. Você vai deixar de fazer aquela pesquisa que você conhece faz 15 anos, para fazer uma coisa que você nunca viu. Você sai da sua zona de conforto, apesar de a neuro ser mais efetiva, trazer mais resultados, você vai ter de aprender. Apesar de as nossas métricas serem muito mais simples que boa parte das pesquisas de mercado tradicionais, é preciso aprender, entender a lógica. Que não é difícil. Mas é novo. E sair da zona de conforto é difícil. Outra coisa é entender onde isso entra no processo. A gente ajuda os clientes a entenderem, por exemplo, se neuro vai entrar no lugar da quali, da quanti ou das duas. Qual a verba para isso? E se eu fizer isso e não conseguir explicar internamente? Há também um medo do que os pares vão pensar. Quando a gente consegue trabalhar junto com o cliente, de mãos dadas, fazer um projeto juntos, entender do começo ao fim, as coisas funcionam superbem porque entregamos um bom resultado. Mas o primeiro passo é o mais difícil. A decisão de enfrentar, de aprender. Essa é uma grande barreira, também.

 

E quais são as aplicações da neurociência, na Nielsen, nas quais você trabalha no seu dia a dia?

O que mais fazemos é teste de propaganda de vídeo em estímulo estático. Testamos conceito criativo. Fazemos testes de embalagem, material de PDV em gôndolas e estamos fazendo, cada vez mais, testes de marca. Entender quais são os atributos mais importantes para a categoria, e quanto eles estão associados com a sua marca versus seus principais concorrentes, entender aqueles atributos que são associados a essa categoria que ninguém se apropriou ainda, e quais não são importantes para a categoria, mas são associados a ela, e nos quais não valha à pena investir tanto no futuro. E talvez testar atributos associados, mas que são mais de fronteira, de repente não estão associados a você, mas ao seu principal concorrente de tecnologia, por exemplo. Se a gente for pensar no setor de academias de ginástica, por exemplo. Podem ter muito interesse por entender o mapa de atributos que estão associados à ideia de academia, e saber o quanto está associado com você. O seu principal concorrente pode ser uma academia que na verdade é um passe, que não é uma academia real, só que vocês brigam pela mesma ideia na cabeça do consumidor. Esse tipo de estudo de marca e mapear atributos a gente consegue fazer também.

 

E propaganda na internet, nos formatos digitais, também dá para avaliar?

Dá. Testamos vídeos na carinha de uma rede social, por exemplo. O banner numa carinha de um site. Mas
não conseguimos fazer um teste de usabilidade, por exemplo. Se eu te deixo navegar do jeito que você quiser, como vou conseguir fazer uma análise quantitativa? Não tem como comparar a Claudia com a Janaína, se você estava em um lugar diferente do meu no instante Tzero. A navegabilidade a gente não tem como testar
com essa metodologia porque ela é quanti e é bem robusta. Mas dá para testar o estímulo dentro de um ambiente digital.

 

Mas os formatos testados ainda são mais tradicionais, digamos assim?

A maior parte dos estudos são vídeos. Mas sinceramente não sei se haveria grande diferença entre testar o vídeo só ele, e ele numa carinha de rede social. Porque quando a pessoa está prestando atenção no vídeo, ela está prestando atenção no vídeo.

 

Você considera a neurociência o “black mirror” da pesquisa? A tecnologia vai evoluir tanto, a ponto de chegarmos a uma distopia semelhante à popular série da Netflix?

Eu sou um pouco cética. Tem uma coisa que se chama “o problema duro da neurociência”, que é o problema
da junção. A gente não entende como se dá a consciência. Quando você está me vendo, você está processando movimento, forma e cor por células totalmente diferentes, a imagem está invertida na sua retina, e você reconstrói essa imagem na sua cabeça. Como isso se dá e de que forma você tem consciência de que eu sou a Janaína
e estou numa entrevista com você hoje, e você vai fazer outra coisa depois, isso tudo a gente não tem nem ideia. Falar que a gente vai conseguir entrar na cabeça das pessoas, criar uma realidade… Estamos tão longe de entender como temos consciência… Talvez não estejamos tão longe, mas estamos avançando aos pouquinhos. Tem muito chão pela frente. É muito mais viável eu falar que nos próximos cinco anos vamos ter um bom tratamento para Alzheimer. Isso eu acredito. Vamos avançar bastante nisso. Agora, colocar chip? Até existem projetos de chips que contêm nossas informações, identidade, com os quais se pode pagar contas. Mas no final da história somos seres humanos que precisam de contato com seres humanos. E que vivem no mundo real. Não acredito muito em milagre.

 

Quando você fala que aqui no Brasil ainda estamos distantes da Europa, por exemplo, você se refere à penetração da neurociência no escopo das ferramentas usadas mais rotineiramente pelas empresas ou em evolução e recursos?

As técnicas são as mesmas. Temos 15 laboratórios espalhados pelo mundo inteiro, e todos são muito parecidos. Se você está dentro do laboratório, não sabe em que país está. Os protocolos são os mesmos, as análises são muito parecidas. Mas no mercado europeu e no dos Estados Unidos, principalmente, as empresas têm maior familiaridade com essa técnica. Veem mais o valor que ela realmente tem. No Brasil a gente ainda está aprendendo a andar. De entender o valor da técnica. De usar no dia a dia sem medo. Quando há uma tendência, no seu início as pessoas tendem a ficar reativas. A maior parte das pessoas segue as pessoas inovadoras. As grandes empresas que são inovadoras em pesquisa hoje são os principais fabricantes de bens de consumo, as que normalmente inovam. Esses caras são nossos clientes. Há anos. Só que porque eles não seguem tendências, eles fazem a tendência. Eles testam, metem a cara. Estamos ainda no começo, quatro, cinco anos não é muito tempo. Mas logo vai mudar, como eu falei há bastante potencial para crescer.

 

O mindset voltado para dados, em que se pode mensurar tudo, ajuda a neurociência?

Ajuda. A gente tem comprovadamente maior retorno de investimentos. Nossas métricas têm correlação com volume real de vendas, com desempenho real de mercado, que nenhuma outra métrica declarativa tem.

 

São os 85% que vocês afirmam serem capazes de acertar, com a neurociência?

Sim, pelo menos 80%. Se eu falo “olha, esse anúncio ou essa embalagem está acima da média do banco de dados, tem uma intenção de ação – que é uma das métricas mais importantes que temos – de 7,8, tem grandes chances de dar certo. Eu estou com 95% de confiança te falando que você vai ter um bom desempenho de mercado, e 5% de chances de estar falando besteira, o que é muito baixo.

 

Vocês realizaram uma pesquisa intitulada “O que vende mais, razão ou emoção?”. Fale um pouco das duas principais conclusões, a de que para consumidores fiéis à marca conta mais a publicidade racional, e para consumidores eventuais, a publicidade emocional gera maior engajamento.

Fizemos um grande projeto de pesquisa em 2016, testamos mais de 60 vídeos nos EUA. Eu não apostaria que o resultado seria muito diferente em outros países. Vimos que as comunicações funcionais têm melhor desempenho em relação às emocionais (de atributos menos tangíveis), quando testadas com questionário explícito (quando as pessoas têm de declarar alguma coisa). Em neuro não há diferença, o que importa é o criativo. Quando olhamos para frequência de consumo da marca, quanto mais fiéis à marca, mais heavy users são as pessoas, em neuro vemos maior engajamento e desempenho de comunicações que são funcionais. Enquanto para pessoas que não são tão usuários da marca, ou novos usuários, as comunicações emocionais têm melhor desempenho. Mas o grande lance dessa pesquisa é que ela mostra que se a gente usa pesquisa declarativa apenas, para testar a comunicação, você mata um monte de ideias boas, porque a comunicação é emocional. E as pessoas não conseguem declarar que elas gostam, e é muito mais simples falar que se gostou de uma comunicação enumerando os atributos funcionais etc. Então se você usa ferramentas tradicionais de pesquisa, o medo que a agência tem de matar boas ideias é justificável. Porque a chance é grande. Quando se usa neuro não, pode-se contar o desempenho da história.

É um grande ponto para a neurociência: ser capaz de avaliar melhor o lado emocional das ações de publicidade.

A neurociência consegue avaliar os dois lados. Consegue avaliar o desempenho da comunicação independentemente se ela é emocional ou funcional. Ela vai avaliar a comunicação pelo próprio desempenho, de uma maneira mais primária, pura, genuína, do que a declaração explícita – que vai ter um viés inconsciente com o funcional. A neuro não, independe. Tanto a funcional quanto a emocional serão bem avaliadas e previstas porque não têm esse viés. E aí você não mata ideias boas.

 

Criativos nunca foram muito fãs de pré-testar nada, e talvez esteja aí a resposta. Você acha que com a neurociência isso pode mudar?

Sim, e a gente vê isso sendo realizado. A agência desgosta menos de neuro do que de uma pesquisa declarativa. Ela é mais objetiva, quantitativa, tem números, e não engessa a agência. É diagnóstico. Não falamos “tá bom”, ou “não tá bom”. A gente fala “essa comunicação está mediana e mudando isso e isso (de um jeito que a agência sabe fazer), acreditamos que podemos chegar aqui, e ficar melhor”. Damos espaço total, trabalhamos com a agência para que ela diga o que faz sentido. Respeitamos o trabalho da agência.

 

Vocês chegam a sugerir montagens mais compactas de filmes, com base nas cenas de melhor desempenho, certo?

A agência adora essa parte, porque normalmente eles têm de fazer estes cortes, para flights mais curtos, no feeling. E é difícil. Damos um guia para isso, sem falar exatamente o que precisa ser feito. Apontamos as ideias que precisam ficar. Pode-se assim fazer um vídeo tão efetivo quanto o original, com metade do tempo. E que mantenha a efetividade da marca. Esse recurso as agências costumam gostar bastante.

 

Pré-testes de campanhas são os levantamentos mais frequentes na Nielsen Neuro?

Sim, é o maior volume de projetos que fazemos no Brasil e globalmente.

 

Há aumento de demanda deste recurso?

Claramente. Primeiro porque se gasta muito dinheiro com produções publicitárias e veiculação. Cada vez mais o mercado está mais duro, mais competitivo. Mais pulverizado, as comunicações precisam ser mais efetivas para conseguirem atrair o consumidor, que está usando mil telas ao mesmo tempo, é bombardeado por informação… A comunicação tem de ser muito efetiva para não virar só mais uma samambaia nesse cenário. O contexto competitivo está muito acirrado. Não dá mais para fazer comunicações medianas, é preciso ser muito bom. E com neuro conseguimos deixar uma comunicação mediana, boa. E uma boa, muito boa. E muitas vezes sem abrir câmera de novo.

 

Como testar conceito criativo?

Antes de gastar um real, testa a ideia. Criamos um conceito para o que se quer vender como produto. Suponha que seja um novo soft drink que é teoricamente mais saudável porque tem menos açúcar. Você pode dizer que o principal claim dele vai ser saudabilidade, ou o principal claim dele vai ser a pessoa ficar fit. São duas coisas parecidas, mas diferentes. A gente desenvolveria um dois conceitos criativos, e testaria com frases que vão se construindo na tela, a pessoa vai ouvindo uma narração neutra, e a gente consegue entender o desempenho de cada frase. Consegue entender o desempenho de cada conceito criativo, o quanto estão associados à marca, e aos principais atributos da marca. Se é um produto que não existe no mercado, conseguimos testar, mas o conceito fica um pouco mais longo, porque é preciso explicar, mas dá e permite, de maneira muito segura, desenvolver uma comunicação em cima da ideia. Porque você sabe exatamente que ideia funciona.

 

Você tem algum exemplo prático?

Tenho. Fizemos um estudo pro bono para o instituto 0 a 6, que trabalha com a primeira infância. E eles iam lançar uma campanha para o instituto. A dúvida era se o approach deveria ser baseado no Governo, focado no viés de o Governo tem de investir na primeira infância, ou um approach que diga que é muito importante a primeira infância e que os pais se dediquem, porque pais e cuidadores são muito importantes. Vimos que o foco nos pais teve um desempenho mais forte que o do Governo, comunicou melhor os atributos, principalmente o atributo prioridade. É isso. De repente você vai para o ar com uma campanha baseada no atributo Governo, nesse caso, já está dando o tiro para o lugar menos acertivo.  Poderia ter visto, lá atrás, que a comunicação poderia ser mais efetiva.

 

Que tecnologias exclusivas vocês possuem?

Usamos os melhores equipamentos do mercado, que estão acessíveis. O que não está acessível é o nosso algoritmo, que é proprietário. Temos um algoritmo que traduz onda elétrica do cérebro e score que vai de 0 a 10 para variáveis que são importantes para a tomada de decisão, que tem uma correlação com desempenho real de mercado. Porque não adianta ficar criando score para as coisas que não têm relação com o que está ocorrendo. O nosso algoritmo tem, a gente tem uma equipe que entende muito de ciência, temos mais de 20 neurocientistas espalhados pelo mundo inteiro em escritórios nossos, e temos muito conhecimento de mercado. Conhecemos as duas pontas da história: ciência e o mercado. Esse é um diferencial muito grande na Nielsen.

 

Você se considera mais cientista, ou mais publicitária?

É uma pergunta muito difícil para mim. Continuo adorando pesquisa básica mas estou muito distante, já, estou à frente do negócio. A minha vida receita, custo, ebitda e conversa com o cliente e aplicação de mercado estão muito presentes. Mas por outro lado eu também tenho muita conversa com cliente a respeito da ciência
por trás dessa métrica. Eu ainda tenho bastante da ciência comigo. Ciência básica está um pouco distante, mas continuo fazendo pesquisa, escrevendo artigos.  Desses 20 neurocientistas, nem todos estão envolvidos com desenvolvimento, a maioria está envolvida no dia a dia do negócio. Há uma equipe em São Francisco que trabalha em pesquisa e desenvolvimento: desenvolvimento de novos protocolos, porque estamos sempre mudando. Não mudando o algoritmo, mas aumentando o portfolio. Agora fazemos testes em computador, daqui a pouco faremos testes em vídeos mais curtos, em plataformas menores.

 

Em celular já é possível?

Faríamos, mas o grande problema do celular é que um imenso percentual das fixações que temos no celular caem fora da tela, um total de 50%. Quando se está vendo uma comunicação no celular, 50% está fora da tela. A tela é pequena, há outros estímulos, é dificil fixar o olho só na tela, então para fazer um teste de comunicação você vai entender o que está ocorrendo em 50% do tempo. Vale mais testar na televisão, porque ela lhe dará uma boa ideia do que está sendo realizado. A história é o que importa. Mas continuamos desenvolvendo pesquisas, desenvolvendo pesquisas, estamos sempre no caminho. Se a gente conseguir prever melhor o desempenho testando no celular, vamos fazer este protocolo ocorrer.

 

Qual a sua visão da publicidade atual, da qualidade do que se faz hoje?

A propaganda brasileira em geral é muito criativa, o brasileiro é muito criativo talvez pela demanda que temos no dia a dia, de sermos criativos. Só que vemos muita coisa que poderia ser melhor. Tem muitas coisas que, para nós que conhecemos a métrica, a ciência e a percepção por trás disso, podia ser muito melhor. Tem muito espaço para melhorar. Daqui a pouco vai ter pouco espaço para não ser bom. Porque se vocé é mediano, ou só bom, não consegue chegar na sua meta, não consegue fazer o que tem de fazer. Apesar da comunicação publicitária no Brasil ser boa, premiada, dá para ser muito melhor. Se a gente consegue ter a parceria das agências com o instituto, no caso nós, que usamos a neurociência de uma maneira efetiva, é o melhor dos mundos. Nossos clientes conseguem fazer isso com resultados muito bons.

 

Quais os limites éticos da neurociência?

É uma questão boa. As pessoas geralmente perguntam “é ético fazer estudos de neurociência?”. A neurociência não é diferente de você pedir para alguém responder a um questionário, ou quando coloca alguém na balança e anota o peso. Na neurociência também se coleta um dado, uma medida de alguma coisa. Você não está
influenciando o pensamento dela, nem lendo o pensamento dela. Na neurociência a gente não lê pensamento. Quem vê de fora, acha que é muito mais do que realmente é. No dia a dia, o que a gente vê é o quanto algo
consegue aproximar ou afastar. Se eu perguntar se alguém gostou, e ela responder verbalmente, é muito parecido. A grande discussão sobre ética que não estamos tendo e deveríamos ter é regulamentação da pesquisa usando neurociência no Brasil. Somos uma empresa global e seguimos a recomendação de um instituto de regulamentação ética global. E, no Brasil, as pequenas empresas? Ou as grandes que não seguem nenhuma regulamentação? Por exemplo: se a pessoa vai no seu laboratório e tem uma crise epilética assintomática e o aparelho detecta isso, o que você diz para ela? Vai falar ou não? É um protocolo de ação, você precisa saber o que fazer. Quando uma pessoa vai para um laboratório, tem de saber que pode parar de fazer o teste a hora que quiser. Se no meio ela cansar e quiser sair, tem liberdade para fazer isso a qualquer momento. Será que está todo mundo dizendo isso para o participante? É preciso regulamentar de uma maneira mais formal no Brasil. A maior discussão é sobre cuidar bem do participante dos estudos, que têm o direito de saber o que está ocorrendo e de ser respeitado.