Nós e o vírus
Temos sempre a tendência de achar que estamos vivendo momentos inéditos na história da humanidade. Geralmente não é verdade. Por que razão, depois de milênios, teríamos agora o privilégio de participar de acontecimentos únicos? Conhecem a expressão “nada de novo sob o sol?” É perfeita para quem, por desinformação, considera que pode haver ainda novidades nesse mundo de meu Deus. Ao longo de sua existência na Terra, esse animal, cuja família pertencemos, já viu de tudo. Já viveu todo tipo de experiência. Aparentemente não há mais nada que ainda possa nos surpreender. O quê?, dirá o espantado leitor.
Já apareceu nestes anos de nossa vida humana algum ministro como a Damares? Eu retruco: sim! Nero, Jânio, alguns papas da antiguidade e Collor, por exemplo. Loucuras diferentes uma das outras, mas loucuras. Ver Jesus na goiabeira não é novidade. Há centenas de relatos de pessoas que viram de tudo vindo do céu. Meteoros, chuva ácida, marcianos e santos de quase todas as religiões. Na TV mesmo, todo dia tem gente em ligação direta com a eternidade. Passeie pelos canais e você verá crentes falando direto com o céu. Tem até alguns que cobram depósitos bancários em nome da obra d’Ele. A conta é terrena, de um banco terreno.
Mas como o que importa é o gesto, o Divino anota em seu caderno o crédito em dias de ventura, de leite, mel e ambrosia. Coros de anjos e paz. Longe do caldeirão que cozinha através dos séculos os argentários que, na vida terrena, não abriram a bruaca para manter os mensageiros do Senhor. Entre minhas obrigações, uma das que mais gosto é escrever esta coluna aqui, no PROPMARK. Ainda que possa soar pretensioso, acho que a coluna tem uma utilidade: fazer rir. Olhando meus arquivos, descubro que há décadas faço piada e conto casos engraçados, na maioria absoluta das vezes sobre temas ligados à nossa profissão. Uma página para fazer rir. Ou sorrir. Fico muito orgulhoso em encontrar o lado engraçado dos acontecimentos e narrá-los, o mais próximo que minha memória consegue recordar. Em alguns casos, exagero e dou uma rebuscadazinha para tornar a história mais picaresca, quando não, mais crível. Porque têm algumas passagens que nem eu acredito que tenham acontecido, como aquele caso da barata no banheiro das moças. Agora o leitor pergunta: “onde esse imbecil quer chegar?”. Calma lá, estamos indo.
Essa introdução é para dividir com a leitora ou o leitor uma constatação que me deixa boquiaberto: nunca houve dias assim como estes que estamos vivendo. Não há nos anais registro de um acontecimento que botou praticamente a população do mundo dentro de casa. Mesmo na peste negra, durante as guerras, sempre houve países inteiros à margem do que ocorria. Nas guerras, mesmo as batizadas de mundiais, povos inteiros continuaram suas vidinhas, alheios ao que ocorria. Mas agora não. A tal aldeia global, como batizou McLuhan, reagiu de uma única forma.
Que se tenha registro, a humanidade inteira está com o mesmo medo. Tirando o Bolsonaro, toda humanidade ficou alarmada e se trancou em casa. Ou – pelo menos – a maioria dos terráqueos o fez. E todos os jornais, todas as emissoras de rádio e televisão do mundo inteiro, registram ruas vazias, cidades paradas, aviões no solo, navios nos portos, limites fechados. Um único assunto aparece nas redes sociais. Sobre um ser microscópio ardiloso e mortal, um vírus até bonitinho, meio parecido com os desenhos dos planetas feitos por Saint Exupery no Pequeno Príncipe. Pois esse bichinho, que pode matar, se fixou no pensamento de muitos milhões de pessoas que estão abestalhadas diante de uma ameaça global.
Quem tinha medo da hecatombe universal, causada por bombas, descobre agora que a Terra tem, sim, um inimigo. Mas só o vemos com aparelhos sofisticados. Quando menos se espera, ele pimba! Ele surge para matar. E eu não gostaria que meu querido leitor, minha doce leitura, reaja diante de meu texto com raiva, achando que não estou respeitando a dor de milhares de pessoas, mundo a fora. Piada numa hora dessa?
Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor
(lulavieira.luvi@gmail.com)