"Nossa missão é entregar os melhores conteúdos", diz CEO da Globosat
Alberto Pecegueiro: “Uma coisa em que estamos investindo é a publicidade endereçável para a televisão”
A Globosat tem hoje, distribuídos entre suas várias áreas, cerca de 50 profissionais ligados à pesquisa: são os profissionais de “inteligência”, que atuam como aqueles índios com o ouvido colado ao chão nos filmes de faroeste, como descreve Alberto Pecegueiro, CEO da empresa. Eles vêm ajudando a traçar o futuro da empresa, que chega aos 25 anos vendo sua audiência crescer, e lidando com diversidade de tendências envolvendo o telespectador. O executivo conta, nesta entrevista, sua visão de presente e futuro – na medida do possível, já que, segundo ele, ninguém sabe exatamente onde isso tudo vai dar –, revelando alguns caminhos da empresa, como conquistar a audiência do jovem.
Afinal, o que quer o telespectador brasileiro?
Tudo ao mesmo tempo, agora. E, além disso, ele é mutante e volátil. Não existe uma definição permanente.
A Globosat investiu, nos últimos anos, fortemente, em capacitação de profissionais de conteúdo, como roteiristas. Esse investimento continua?
Continua, atenuado pelo estado atual da economia brasileira. A TV paga no Brasil, de 1991 a 2005, amealhou 4 milhões de lares. Em dez anos, contando desde 2004, adicionou-se praticamente 15 milhões de domicílios. O negócio da TV paga ganhou uma pujança enorme. A Globosat certamente contribuiu para esse fortalecimento, mas o fato é que já investíamos maciçamente na produção audiovisual brasileira e continuamos investindo. Até porque, ao contrário dos concorrentes, estamos aqui. Nossa única maneira de dar certo é apostando na audiência brasileira, criando essa identidade.
A busca mais forte pela classe C continua?
Se você olhar o nosso portfólio de canais, trabalhamos para todos os gostos. O Multishow, por exemplo, é um canal que quer brigar para estar entre os dez primeiros de audiência. Você não tem como brigar para estar entre os dez se não for um antibiótico de amplo espectro, falar com todo mundo. Mas tenho um +Globosat, que se propõe a ter biscoitos mais finos. Tenho foco em audiêcia em alguns canais como Multishow, Viva, SporTV e Megapix, mas tenho capacidade de tratar conteúdos segmentados em outros canais, e essa é a beleza desse negócio.
Há segmentos de maior interesse?
Isso varia. Estamos olhando tudo. Uso sempre uma frase que ouvi de uma VP de marketing, há mais de dez anos: “A gente pode não saber que vai estar fazendo amanhã, mas a gente sabe o que está fazendo”. Isso quer dizer que você não se pode aferrar a conceitos permanentes. É preciso ter capacidade de mobilidade permanente. Estar atento às demandas de mercado e estar apto a acompanhá-las à medida que vão mudando. O que estamos percebendo hoje no mercado, olhando para 2017, é que, dadas as preocupações com o mercado de consumo no Brasil, os anunciantes sintomaticamente estão valorizando mais os consumidores de classe A/B, porque estão achando que aí haverá uma capacidade de consumo mais representativa do que as classes C e D, que estão com uma limitação de consumo muito grande. Nos últimos três, quatro anos, elas foram a estrela do mercado porque estavam chegando com um volume brutal. Hoje elas estão prejudicadas e a A/B voltou a ter certa prioridade. Neste contexto, a TV paga tem uma performance especial.
Quais são hoje as principais apostas da Globosat?
Há várias esferas de trabalho, macro, micro. E tem uma que é o dia a dia. Quando colocamos o ambiente competitivo da Globosat com os nossos concorrentes diretos, que são as programadoras internacionais, o plano de jogo desses caras é global, fundamentalmente. Eles precisam de uma economia de escala global, na melhor das hipóteses. Na pior, necessitam de uma economia de escala, como chamamos nessa indústria, de pan-regional, que vai do México até a terra do fogo. Nós estamos olhando o Brasil. A Globosat tem hoje, distribuídos entre suas várias áreas, 50 profissionais ligados à pesquisa, que se chamam profissionais de “inteligência”. Esses caras são aqueles índios com o ouvido colado ao chão nos filmes de faroeste. Estão ligados nas pesquisas de audiência, adhoc, grupos de discussão, olhando o dia a dia dos movimentos de mercado. É um processo contínuo de monitorar a própria concorrência, tendências de consumo, ponteiro de audiência, para onde o negócio vai, entender comportamento do consumidor. Quando se discute “o vídeo digital está acabando com os canais lineares”, não temos esse indicador. O que temos é que o consumo dos canais lineares não sofre alteração significativa. 2016 é o ano das maiores audiências na televisão brasileira, tanto aberta quanto fechada. É claro que há um componente da crise nisso. Mas todo esse consumo digital não linear, seja do Netflix, do YouTube, do WhatsApp, do Instagram ou do e-mail, é um gigantesco tsunami adicional. Se você levar em conta salas de espera de consultórios, aeroportos, rodoviárias, bancos de automóveis, ônibus, trânsitos. Esse volume de consumo de vídeos não existia, ele é todo novo e enorme. É claro que, para nós da TV paga, a situação é confortável porque tivemos todo o crescimento da base, e dentro disso um outro movimento – as pessoas que colocaram TV paga vivem o processo de experimentação progressiva dos canais pagos. Ainda que a base tenha se estabilizado, vemos a participação dos canais pagos nos domicílios de TV paga crescendo.
Então a audiência cresce, hoje?
Quando se mede audiência, olhamos dois indicadores. Alcance, que é o número de pessoas que passou pelo canal, e o tempo médio que ficaram. A audiência é resultante desses dois indicadores, alcance por tempo médio. O que aconteceu nos dois últimos anos foi que o alcance diminuiu, ou seja, as pessoas estão zapeando menos, e o tempo médio subiu – que é o que chamamos aqui de fidelidade. A audiência aumentou como consequência do tempo médio. A resultante disso, para a TV paga, é um crescimento de participação na audiência, no total dos domicílios de TV paga. Ainda que a base de assinantes não esteja crescendo.
Ainda há potencial de crescimento?
Sim, há demanda reprimida.
Como você enxerga o público jovem, que não assiste TV por assinatura?
É um desafio. Acho que a gente precisa desenvolver conteúdos para eles. Nós fizemos agora uma experiência interessante, que quebrou todos os recordes: o prêmio Multishow 360 graus. Tínhamos um feed linear no YouTube com youtubers. Um deles, que é um estouro, o Whinderson Nunes, foi buscar o Luan Santana no hotel, tudo foi transmitido ao vivo. Ficamos com feed paralelo no YouTube o tempo todo. Havia outro feed com a Fernanda de Souza no Facebook, Twitter, e o feed da TV. Houve streaming para os assinantes no Multishow Play. Todas as plataformas bateram recordes. Google, Twitter e Facebook ligaram para o Brasil para saber o que estava acontecendo. Fomos trending topics mundial no Twitter durante quatro horas, foram mais de 10 milhões de tweets. Foi a maior audiência do prêmio até hoje e nada disso tirou a audiência do prêmio na TV, ao contrário, realimentou. Muitos jovens que não ligariam a TV para assistir, ligaram. Estamos lançando uma empresa de vídeos curtos, uma pós MCN, que já fez esse projeto multiplataforma do prêmio Multishow. É fácil dizer que eles não assitem TV linear, mas a TV linear tem de ir, como diria Milton Nascimento, “aonde o povo está”. Não dá para dizer “ah, eles não assistem”. Eles querem assistir quando querem, onde querem.
Não é esse o futuro? VOD? Não linear?
Esse é um futuro. Haverá gente que quer ver o que quer, quando quer, no dispositivo que quer – o “Lean Forward”. E haverá o chamado “Lean Back”, o cara que vai sentar diante do aparelho de TV para ser entretido, para ver o que tem para assistir.
A pirataria é um grande problema?
Ainda é um grande problema. É um gato e rato permanente. Antigamente, o problema era o cara que puxava o cabo na rua. O mais grave hoje é a pirataria digital.
Há planos de novos canais?
Os nossos planos de novos canais não nos pertencem. Eles só existem em conjugação com as operadoras. Sempre trabalhamos em conjunto com elas. Sempre nos pautamos por essa “aliança para o progresso”. Entendemos claramente que esse é um negócio de parceria. Quem está na ponta do consumidor, batalhando para não perder o assinante, é a operadora. A nossa missão é entregar os melhores conteúdos para atrair e reter esse assinante. Desenvolver novos canais – e temos várias ideias aqui – se concretizará na medida em que esse valor for percebido pelas operadoras. A chave da ignição está com elas.
E o desafio da publicidade nesse cenário?
Há um grande desafio. Há uma consolidação de marcas brutal, o número de anunciantes diminuindo – especialmente no Brasil –, sem contar os digitais atravessando todo o mercado de agências. Novos tempos. Como há a tendência do digital e do não linear no consumo de conteúdos, há uma série de produtos digitais com opção de pagar mais para não ter publicidade. Mais os aplicativos de adblockers. Uma coisa em que estamos investindo é a publicidade endereçável para a televisão. É uma maneira de nos tornarmos mais competitivos em relação à publicidade digital.
A Globosat caminha para a combinação de conteúdo e plataforma, como alguns players vêm se tornando?
Ainda não. Outro dia eu estava participando de uma discussão de planejamento estratégico e especulava-se a respeito de como será esse negócio nos próximos 20 anos. Se você estivesse no Brasil nas décadas de 1950, 1960, 1970, 1980, 1990 e fosse planejar os dez ou 20 anos seguintes, bastava olhar para o que estava acontecendo nos Estados Unidos e na Europa. Hoje isso é impossível porque os grandes players de mídia, tanto do mercado americano quanto do mercado europeu, não têm a menor ideia do que vai acontecer nos próximos dez, 20 anos. Estão todos igualmente perdidos. Está todo mundo fazendo apostas e ninguém sabe exatamente quais as que vão vingar.
O Netflix seria uma dessas apostas no escuro?
O Netflix é o maior disruptor dessa indústria, e pode ser nada além de um grande destruidor de valor da indústria. Ninguém sabe o que vai acontecer com o Netflix, ele pode ser um gigantesco Titanic à procura de um iceberg neste momento. Mas ele está criando movimentos na indústria inteira. Numa entrevista que dei no ano passado eu disse que o Netflix é um gigante com margem de rato. Eles têm um individamento absurdo, mas capta dinheiro com taxas iguais ou melhores que a AT&T. É uma coisa inacreditável.
Qual é a sua aposta?
É um processo. A conta do Netflix não fecha e eles estão se arriscando muito porque ainda não têm concorrentes. Mas vão surgir em praticamente todos os mercados. O mérito maior, e a inovação do Netflix é ter criado um produto novo, o Binge Watching, a imersão em uma série. Isso é um salto e a indústria não tinha.