Notas da Cinelândia

Quem quiser conhecer as últimas novidades da indústria automobilística mundial não precisa ir muito longe. Basta ir à Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro. Na Rua Álvaro Alvim, ao lado da Câmara Municipal, existe um espaço reservado aos carros dos vereadores. É uma verdadeira mostra do que existe de mais luxuoso no mercado. São carrões de todos os tipos, dos mais incrementados offroads aos esportivos de sonho, passando – é claro – pelas limousines, cujo interior lembra uma cabine de primeira classe de companhia aérea dos países árabes. Um conselho: venha de táxi, pois às pessoas comuns, também chamadas de contribuintes, não é dado o direito de estacionar, as vagas são vigiadas por uma brigada de seguranças nem sempre de trato republicano.

Mas o sacrifício vale a pena, pois nos Salões do Automóvel ou em revistas especializadas não é possível ver tantos exemplares em espaço tão pequeno. Também o visitante sentirá falta das recepcionistas lindíssimas que se veem nos stands das feiras, mas não é politicamente correto ficar sonhando, além dos carros, com as demonstradoras. Nesse quesito, o estacionamento dos vereadores é mais adequado aos novos tempos: os carros são exibidos sem a contribuição das moças. Além dessa, a grande diferença entre uma feira de automóveis e uma Câmara de Vereadores é que quem está à venda nas feiras são os carros.

Por falar em Cinelândia, os poucos e desavisados leitores cá desta página sabem que tenho o privilégio de ter escritório nesta praça histórica, uma das mais bonitas praças do Brasil. Tal como Rubem Braga, que olhava o mundo de sua cobertura em Ipanema e sobre o que via de lá escreveu algumas das mais bela crônicas da literatura brasileira, faço o mesmo, evidentemente sem o talento de Rubem, mas com a mesma ideia de que uma janela é o suficiente se sabemos o que ver.
Sobre a Cinelândia, seus edifícios no entorno e sua população, já escrevi muito. Já disse que, além dos monumentos, três bares históricos conhecidos pelas suas cores (o Amarelinho, o Verdinho do lado do Amarelinho e o Verdinho do lado do Odeon) servem, durante as 24 horas do dia, chope e tira-gostos, além de pratos da cozinha tradicional turística brasileira, incluindo a feijoada, que não escolhe o dia para vir à mesa. Na Cinelândia, seja a hora que for, passam homens e mulheres de ternos e terninhos, shorts e camisetas, escarpins e sandálias Havaianas, muitos com crachás (os da Petrobras, tristemente escondidos) e outros também facilmente identificáveis pela mochila às costas e cor de camarão. Enfim, um lugar onde todos se encontram e, nos dias de sol, sentem a leve euforia de perceber que estão num lugar especial. A Cinelândia.

Pois bem, este mesmo lugar no dia 2 de maio exibe cicatrizes das últimas guerras, de sexta e segunda-feira. Demoliram a estação do VLT, a entrada do elevador do metrô, picharam fachadas históricas e reduziram a escombros entradas de prédios. Está feia e triste a Cinelândia, principalmente porque outro grevista, o sol, resolveu não aparecer para trabalhar. Cinza, suja e fria, minha praça parece se perguntar o que fez para ser uma das vítimas do vandalismo sem propósito. Sei que vozes se levantarão para defender os pichadores e destruidores. “Sem violência, o protesto não mobiliza a sociedade” é a nova palavra de ordem, que, juntamente com a tese de que lojistas e banqueiros devem mesmo ter seus patrimônios danificados, pois foram erguidos com o suor do trabalhador, pretende justificar a sanha destruidora. Quebraram alguns vitrais do Municipal, que já não tem dinheiro nem para pagar a orquestra, arrancaram as poucas árvores novas que teimavam em crescer. Marcas de incêndios mancham as pedras portuguesas do calçamento. Uma pichação diz: “Nenhum direito a menos”. Concordo. Principalmente o direito mais primário de todos. O de ter uma praça para olhar e se sentir feliz.