O candidato
A cada eleição que acaba, os seis milhões e meio de cientistas políticos que existem no Brasil começam a interpretar as motivações dos eleitores para explicar os resultados das urnas. Cientista político é que nem bicho de goiaba: ambas as espécies aparecem todos os anos, mas a gente nunca sabe o que eles fazem quando não tem eleição nem goiaba. Todo dia os jornais apresentam as mais diversas opiniões de cientistas políticos dos quais a maioria a gente nunca ouviu falar. Tem mais deles do que técnicos de futebol. Toda vez que alguém teoriza sobre comportamento de leitor eu me lembro de uma história linda para provar que de bumbum de criança e urna ninguém deve prever o que sai.
Há muito tempo, no tempo que o Rio de Janeiro era Distrito Federal, no tempo que a Rádio Nacional era o maior veículo de comunicação de massa, no tempo que O Cruzeiro era a grande revista nacional, no tempo em que o Brasil era o país do futuro, havia um comediante muito famoso: Silvino Neto. Para quem não sabe, ele era pai do Paulo Silvino, da Globo. Silvino Neto fazia um personagem conhecidíssimo, um herói atrapalhado, chamado Pimpinella (Pimpinella Escarlate). Era muito conhecido no Brasil inteiro e seus programas conseguiam audiências fantásticas. Como eram tempos de pudicícia, seus programas de rádio eram maliciosos, mas aos nossos ouvidos de hoje pareceriam as coisas mais inocentes do mundo.
Piadinhas de recreio de velhinhas religiosas. Mas faziam um tremendo sucesso, pois as pessoas adoravam descobrir os significados ocultos sob uma superfície de humor inocente. Exatamente por isso, algumas gravações clandestinas feitas por ele eram disputadas a tapa e copiadas aos milhares. Eram novelas pornográficas (A Pensão do Pimpinella, A Escolinha da Professora Pimpinella e muitas outras). Eu tenho no meu arquivo algumas obras-primas de sua autoria, como “uma corrida de cavalos” e a narração de uma suruba feita por um locutor de futebol.
Momentos inesquecíveis de humor! Na suruba narrada pelo locutor de futebol, Silvino faz todas as vozes, inclusive as dos repórteres de campo, comentaristas e dos participantes, homens, mulheres e bichas. Toda vez que eu toco, a plateia chega a passar mal de tanto rir. Bem, o que importa é contar que um dia Silvino Neto resolveu se candidatar a deputado na assembleia do Distrito Federal, também conhecida como Gaiola de Ouro. Nem sei (nunca se soube) se ele queria mesmo se eleger. Pode ser que ele pretendia fazer apenas mais uma galhofa. Nesse quesito pegou mais pesado que o Tiririca, pois decidiu escolher o tema mais honesto e ao mesmo tempo mais cínico de toda a história da política no Brasil: “Eu também quero me arrumar”. E assim era seu discurso. Total desprezo para o exercício de qualquer atividade política. Como um Severino enlouquecido, Silvino pedia votos, pois achava que merecia se dar bem.
Não prometia nada em troca, nem ao menos gratidão aos seus eleitores. Pois bem. Quando os votos foram apurados, se descobriu que Silvino Neto tinha sido eleito por uma margem consagradora. O Ibope não fez pesquisa para determinar a razão dos eleitores em votar no Silvino. Se era uma maneira de protestar, como os eleitores já fizeram com Macaco Tião e outros menos votados, ou se era uma sincera homenagem à sinceridade do candidato. Você acha que a história para aí? Tem mais, muito mais.
Tal como o personagem daquele filme do Rosselini, interpretado pelo Vitório de Sicca, O General della Rovere (De Crápula a Herói, na versão nacional), baixou o santo no Silvino Neto, o deputado que só queria se dar bem. E ele fez um mandato excelente. Trabalhou como um desvairado na defesa dos interesses dos cidadãos. Não fez falcatrua, não nomeou ninguém da família, não negociou nada. Só lutou para melhorar vida dos cidadãos do Rio de Janeiro, sobretudo os mais pobres. Foi um exemplo. Nunca se soube por que ele resolveu trair os princípios que o elegeram. Mas existem muitos registros de sua atuação irretocável. Com esse currículo, candidatou-se à reeleição, mostrando apenas o resultado de seu trabalho. Você deve estar adivinhando o que aconteceu: não foi reeleito.
Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)