O coronavírus e a sociedade do risco
O Coronavírus em que três meses transformou o mundo em que vivemos. Mercados desabam frente as perspectivas econômicas, cadeias de produção são quebradas pelo efeito-China, a perspectiva de redução no consumo global reduz investimentos e ciclos de cortes de pessoas se inicia. Uma estimativa divulgada na Bloomberg apontava em US$ 2,7 trilhões o impacto global do COVID-19. Uma semana depois já havia estimativas com o dobro do impacto.
No cotidiano presenciamos a completa mudança nas nossas rotinas, de viagens de negócios e congressos cancelados (vide o SXSW) a escolas e universidades paralisando aulas presenciais. Tudo que projetávamos até dezembro mudou.
O sociólogo alemão Ulrich Beck apresentou em 1992 a hipótese da risk society, na qual se por um lado alguns riscos foram sendo reduzidos pelo progresso tecnológico, outros aumentaram, dada a globalização.
Os grandes riscos exógenos para U. Beck (em 1992) eram o terrorismo, o sistema financeiro e a ecologia. Observamos e sofremos com a queda das Torres Gêmeas, com a crise do subprime de 2008 e o clima dispensa mais comentários. Beck, morto em 2015, não era exatamente um sujeito longe da realidade.
Dentro do risco ecológico U. Beck inseria o clima e também epidemias. A vaca louca, a gripe asiática e a Covid-19 são exemplos desses riscos, que não respeitam fronteiras.
Sociedades se adaptam ao risco. Todos presenciamos nas redes sociais relatos que vão desde a xenofobia contra chineses a comportamentos como o de (literalmente) se inserir numa bolha de acrílico no metrô de Londres. Novas formas de nos cumprimentar são inventadas, fazemos do terror humor, suavizando o medo.
A sociedade do risco afeta mercados e organizações, no nível macro- e meso-social, mas também afeta as relações sociais, os valores, os humores, os medos, fazendo emergir em nós o primitivo, aquilo que centenas de anos atrás nos fazia olhar com receio, evitar e hostilizar um estrangeiro que chegasse ao povoado.
O desafio institucional do coronavirus é do Ministério da Saúde (e vale enfatizar a excelente postura do ministro Luiz Henrique Mandetta até o momento) e de muitas outras organizações, governamentais ou não. O desafio no nível individual ou micro-social é controlar o medo, se preparar para tempos difíceis, que podem durar muitos meses.Uma sociedade em rede amplifica o medo, nos grupos de WhatsApp, nas conversas em rede, nas opiniões que emitimos e que vão gerando certa legitimidade social para comportamentos pouco razoáveis. Uma sociedade em rede também forma opinião pública de forma hiperconectada. A exposição do infortúnio de muitos, que virá, pode alterar a forma como valorizamos as redes de proteção social que começamos a construir após 1988. As sociedades refletem sobre seus riscos e medos e sobre as formas de lidar com eles.
U. Beck escreveu que o risco não é uniformemente distribuído, afetando mais os desfavorecidos, aqueles sem plano de saúde privado ou público, aqueles que se encontram em condições imunológicas inadequadas, aqueles que não têm acesso a redes formais ou informais de proteção, aqueles sem reservas financeiras para tempos de crise.
O cuidado diante do risco é a atitude mais adequada. Cuidado com todos. Um desafio individual e institucional.
Não vai ser fácil e o mundo depois da Covid-19 será diferente. O que vamos aprender e mudar com isso?
Benjamin Rosenthal, professor e especialista em Cultura de Consumo da FGV EAESP