O digital elimina 97 centavos de cada dólar de mídia
Um recente estudo da WFA (Federação Mundial de Anunciantes), que tem sede em Bruxelas e representa os maiores anunciantes globais, revela a matemática perversa do destino das verbas publicitárias investidas pelos grandes anunciantes internacionais no digital, na modalidade display (banners e vídeos), que faz com que 1 dólar aplicado se transforme em 3 centavos de impacto efetivo junto aos consumidores, sendo que a maior parte dos valores consumidos nessa “cadeia de valor” não beneficia nem a marca anunciante, nem o veículo que dissemina a mensagem, nem a agência que a cria – pois fica principalmente com diversos intermediários e provedores de tecnologia.
Este é o caminho do dinheiro, considerando o traçado desenhado pela WFA: a agência de mídia (modalidade dominante internacionalmente) fica com 5% de cada dólar investido pelo cliente. Em seguida, vem o “trading desk”, que faz a compra de milhares de alternativas digitais e recolhe 15% de comissão. Entra no circuito, para organizar a demanda, a “demand side plat- form” – DSP, que sai em busca de targets específicos e fica com 10%. Mas para chegar ao “Exchange desk” ou “supply side plat- form”, que recolhe 5% antes de repassar a verba aos veículos, entram as operações de “data, targeting & verification”, que abocanham 25% dos recursos.
A constatação de que apenas 40% da receita digital transforma-se em comunicação e chega aos veículos de comunicação confere com um experimento realizado pelo grupo britânico The Guardian, que adquiriu um pacote de mídia programática com foco nos próprios veículos e, em alguns casos, só terminou recebendo 30% do total investido.
Mas os 40% do modelo desenhado pela WFA não se transformam em “mídia líquida”, ou seja, em impactos junto aos consumidores. Acompanhando o raciocínio a seguir pode-se entender seu percurso: como relatado pelos principais títulos da imprensa geral e especializada internacional, apenas metade (50%) do que é colocado nas páginas digitais é de fato “visível” aos consumidores. Nesse ponto, entra a fraude sistemática da contabilização dos displays e vídeos “entregues”, que está cada dia mais sofisticada e pode oscilar entre 2% e 90%, segundo diversas fontes confiáveis.
Sendo conservador, pode-se atribuir mais 20% sobre os 20% restantes (metade dos 40%) e apenas 16 centavos seguem em direção à veiculação efetiva. Pesquisa da Lumen revelou que apenas dois terços das mensagens “entregues” aos consumidores são de fato “consumidas” por eles, ou seja, sobraram 11 centavos. Mas a mesma pesquisa e as de outras fontes confiáveis indicam que só 75% das pessoas se interessam por mais de 1 segundo pelas mensagens digitais às quais são efetivamente expostas. Assim, algo como 3 centavos daquele dólar investido se transforma em publicidade vista pelo tempo suficiente para fazer algum efeito sobre as pessoas atingidas.
Fica mais do que evidente que essa “nova distribuição” da riqueza publicitária é insustentável para os envolvidos, pois está fazendo das organizações de mídia empresas com baixa capacidade de investir em seu conteúdo e retirando a possibilidade de as agências contarem com grandes talentos. Pior ainda, está minando o retorno efetivo dos investimentos dos anunciantes e comprometendo a própria razão de ser da publicidade.
O Brasil tem estado, até o momento, um pouco à margem desse processo desagregador e dessa realidade perversa do digital, que globalmente vem se tornando evidente e levando à abertura dos olhos de todos os players envolvidos, que começam a pensar e a se organizar para, literalmente, restaurar um mínimo de lógica e bom senso no sistema, de forma a impedir que o negócio da publicidade se encaminhe para um beco sem saída.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda