O dono da bola das redes sociais

No dia 19 de janeiro, Mark Zuckerberg fez um anúncio que surpreendeu poucos: o alcance orgânico das marcas no Facebook está com os dias contados. Mas antes de entrar no mérito dessa questão quero fazer uma breve introdução.

Ainda criança conheci um perfil que seria utilizado para ilustrar algumas situações desconfortáveis pelo resto da vida: o dono da bola. Usado frequentemente de forma metafórica, o dono da bola é aquele guri que por ter propriedade sobre o elemento fundamental para o andamento do jogo tem também o poder de ditar as regras. Ele joga na posição que quiser, redistribui jogadores, determina o tempo de jogo e até o que é falta ou escanteio. Achou ruim? Ele pega a bola, coloca sob o braço e vai embora. E hoje, amigos, a bola é do Mark, alguém tem dúvidas disso?

Por trás dessa mudança há um belo discurso. “Menos marcas, mais pessoas”, de forma pragmática ou “mais conexão entre pessoas, mais diálogo” de forma mais romântica. Há todo um “vamos desconstruir as bolhas”, como se elas fossem criadas ou alimentadas pelas empresas. Veja bem, Mark chegou a afirmar que espera que com essas mudanças as pessoas passem menos tempo no Facebook. 

Na verdade, tudo se resume a justificar ao usuário, o produto vendido pelas redes sociais, uma mudança mais objetiva: vamos extrair mais alguns bilhões das marcas que, sem opção, terão que investir mais em mídia para falar com vocês.

Mas, como já disse, isso não pega muita gente de surpresa. Nos últimos meses o Facebook vem testando em 6 países (Bolívia, Guatemala, Eslováquia, Sérvia, Sri Lanka e Camboja) uma timeline completamente livre de publicações orgânicas de empresas. É, alcance zero. Quer falar com seu target? Pague. O teste visa entender a repercussão da iniciativa e, atingindo as expectativas, pode estabelecer um formato global. A redução do alcance, determinada por algoritmos secretos que nunca tiveram suas fórmulas divulgadas, foi gradativa e constante.

Apesar desses testes serem recentes este cenário já se desenhava em 2011. De forma muito agressiva o Facebook abordava marcas e agências vendendo fãs. “Deixe de lado todo o custo com desenvolvimento e suporte dos seus canais digitais, oferecemos tudo isso de graça. Use nossa tecnologia sem pagar nada e ainda garantimos a audiência. Você compra uma base de fãs e tudo que publicar em sua página impactará cerca de 25% deles!”. Aqui para nós, parecia perfeito, não? Compre um milhão de fãs e impacte 250 mil deles quando quiser, com o que quiser, quantas vezes quiser.

Contudo algo não fazia sentido. Esse é um modelo de negócio fadado a se estagnar. Uma vez que os grandes players tivessem suas audiências garantidas como seria possível manter a receita e o crescimento da plataforma? A resposta sempre foi óbvia, afinal ter audiência – e isso eles têm, são mais de 2,07 bilhões de usuários – significa ganhar dinheiro com mídia. Mas como ganhar dinheiro com mídia se os possíveis anunciantes já haviam pago por uma audiência garantida? Simples: mudando as regras do jogo.

A redução do alcance orgânico é um movimento nesse sentido. Sem o orgânico não apenas há o aumento da necessidade de mídia, mas também o incremento de seu custo.  Jan Rezab, diretor executivo do SocialBakers, declarou em dezembro de 2017 que os custos dos anúncios haviam aumentado em média 35% em relação a 2016. 

Mas a grande pergunta é: o que o futuro nos reserva? Pistas podem ser encontradas no discurso do próprio Facebook. A plataforma já deixou claro que irá focar seus esforços no conceito de comunidades, esse é o drive divulgado por eles para 2018, deixando de lado o consumo passivo de conteúdo dos seus usuários. Some isso ao fato de que diversas marcas já incluíram em sua estratégia a necessidade de explorar de forma mais eficiente comunidades, sejam elas de consumidores ou até mesmo de micro influenciadores, buscando descobrir novos meios de melhorar sua presença digital enquanto desenvolvem alternativas à posição passiva quanto as mudanças constantes e unilaterais das grandes redes sociais.

Para que isso funcione novas tecnologias e redes vão sendo exploradas e testadas, como o Talkative, desenvolvido por nós, enquanto métodos e processos são implementados buscando gerar maior engajamento desses novos clusters. O gamification, citado como tendência desde 2011, parece ter encontrado o cenário ideal para se firmar com todas essas mudanças acontecendo. Criar, alimentar e engajar comunidades, usando de mecânicas de jogo para garantir o envolvimento, criando laços mais fortes com esses grupos e explorando esse engajamento estimulado para ganhar relevância nas redes.

Em um momento onde o Facebook vai buscando sufocar redes independentes, mantendo sua hegemonia, enquanto garante que a audiência não saia de sua plataforma, o interesse de grandes empresas de se livrarem do impacto de mudanças como a anunciada na última sexta é, sem dúvida, o incentivo para que novas tecnologias surjam e prosperem.

Parece que finalmente entenderam que se não querem se dobrar aos desmandos do dono da bola precisam arrumar outra bola, ou arrumar outro jogo. 

Eden Wiedemann é CEO e fundador Wololo e criador da Talkative, plataforma que cria, alimenta e engaja comunidades