Hasbro Brasil: "O estímulo para brincar agora vem do digital"
O ato de brincar mudou e hoje é puxado por games, filmes e animações. “Quanto mais a criança se conecta com o conteúdo mais ela quer expandir essa relação além do desenho”, confirma Kellen Silverio, diretora de marketing da Hasbro Brasil, dona de marcas como Baby Alive e Nerf. A seguir, a executiva fala sobre o desafio de atuar como uma empresa de entretenimento e não mais como simples fabricante de brinquedos. A multinacional norte-americana busca cada vez mais conteúdos para engajar os pequenos e resgatar brincadeiras capazes de desenvolver valores humanos.
Qual é a importância do Brasil para a empresa?
O país tem uma importância global muito grande graças ao trabalho que construímos localmente. Temos marcas icônicas. Já convivemos com algumas delas na infância, e agora nossos filhos têm a oportunidade de participar dessa história. Baby Alive é uma delas. O Brasil é um dos principais mercados da marca.
O que torna a Baby Alive especial?
A boneca trouxe a história do cuidar, que começou a ser contada com a Ogilvy Brasil, sabendo que, hoje, valor e propósito são importantes para a construção de uma marca. Desenvolvemos um cunho emocional, que vai além da venda do produto.
Como o marketing ajuda a Hasbro?
A Hasbro construiu a sua história por meio de suas marcas, não só Baby Alive, mas também Power Rangers, Transformers e Nerf. O marketing é fundamental, nos ajuda a compreender os desejos das crianças e pais, o que é um desafio constante.
Criança ainda brinca ou só quer saber de celular?
As crianças não brincam mais. Diariamente, tentamos entender o comportamento para endereçar a conexão com as marcas. A pandemia trouxe a importância de voltarmos a falar com os pais, que, trabalhando em casa, ficaram mais próximos dos filhos, e viram a importância da conexão por meio do brinquedo físico, de sentarem junto com seus filhos para brincar. Temos jogos icônicos como o Monopoly. São produtos que trazem essa conexão emocional tanto no desenvolvimento educativo da criança como na conexão familiar.
O que caracteriza o setor de brinquedos hoje?
A conexão com a criança. E isso começa na experiência, conteúdo e entretenimento. O estímulo para brincar agora vem do digital. A Hasbro é hoje uma empresa de entretenimento. Compramos a eOne, uma das maiores produtoras de conteúdo do mundo, entendendo a importância da conexão inicial por meio do entretenimento, seja através de séries, desenhos ou filmes. Junto, vieram marcas como Peppa Pig, fenômeno no YouTube, e PJ Masks. Quanto mais a criança se conecta com o conteúdo e com o personagem mais ela quer expandir essa relação além do desenho.
Onde são alocados os principais aportes?
Em produção de conteúdo e mídia. Investimos ao redor de 9% a 9,5% em relação ao nosso faturamento. O que fizemos foi mudar a dinâmica para as necessidades de conexão. Antes, a TV tinha uma importância grande, voltou um pouco na pandemia, mas a gente vê essa criança hoje muito mais no digital. O desafio é maior porque a criança mixa muito os meios.
Como ajudar os pais a fazerem as melhores escolhas?
Entregando o significado da importância do brincar. O exemplo está no projeto de Baby Alive com o posicionamento Todos podemos cuidar, que começou em 2019, mas sempre esteve no DNA da marca. Baby Alive é voltada para crianças de 2 a 5 anos, que estão entrando na fase de brincar de boneca. Sempre esteve à frente em termos de tecnologia. É uma boneca que permite trocas de fralda, que chora, que cresce, e foi a primeira a falar papai, trazendo experiências reais. Só que nunca havíamos contado para o consumidor.
Como surgiu esse projeto?
Chegou em meio a mudanças da família, polêmicas e polarizações. Foi quando a Ogilvy Brasil trouxe o insight: por que os meninos são privados de desenvolver valores emocionais do cuidar desde pequeno, sendo que, hoje, com a dinâmica familiar, os pais têm um papel tão importante no cuidado dos filhos quanto as mães? E se ele é desenvolvido desde pequeno, por que não o menino brincar de boneca? Tivemos a ousadia de entrar nessa conversa e trazer esse questionamento, de colocar o menino brincando de boneca. Menino, se brincar de boneca desde pequeno, se torna um adulto melhor.
Receberam represálias?
Pouco. Tomamos o risco confiantes de que essa é uma história poderosa e verdadeira. Trouxemos psicólogos e pedagogos para falar que a questão de gênero é muito da cabeça do adulto. A criança é ingênua. Quando está brincando, o menino não pensa que vai virar uma menina. Ali, ele está passando todo o seu amor. Cerca de 80% das menções foram positivas, crescemos mais de 30% em entrega e ganhamos mais de cinco pontos em market share na época, além de prêmios e earned media. A campanha foi falada em 39 países, inclusive no Japão.
Como o conceito se desdobrou?
Na pandemia, observamos a preocupação de cuidar dos mais velhos, a categoria de riscos, com um olhar para o próximo vindo de dentro do âmbito familiar, e a agência trouxe esse insight como um novo caminho. Uma criança que cuida de uma boneca desde pequena desenvolve valores de cuidado com o próximo, que se permeia para a vida adulta e é repassado. Invertemos os papéis de criação. O filme começa com o adulto cuidando dos pais, e depois ele vira a lógica da conexão da criança com a boneca. Os mais velhos também vão precisar de fralda, comida, cuidados. Essa é exatamente a brincadeira que a criança faz com a boneca quando ela é pequena. Isso se desenvolvendo na infância, se perpetua para a vida adulta. São valores transmitidos entre gerações. No mesmo momento em que a criança penteia o cabelo da boneca, você vê a filha penteando o cabelo da mãe. Foi espetacular.
Quais são os principais parceiros de comunicação da marca?
A Ogilvy Brasil é a nossa agência, e tem briefings livres para criar para algumas das nossas marcas, o que faz com que tenhamos uma relação muito próxima. Não desenvolvemos a master brand da Hasbro. Fizemos isso uma vez, no ano passado, em uma campanha digital durante a pandemia para que as pessoas voltassem a resgatar o ato de brincar dentro de casa. Mas trabalhamos muito mais as marcas do que a master brand.
Qual é a importância do digital?
O digital chega a 70% da verba de marketing porque vemos uma importância muito grande da conexão com a criança. A TV tem a sua importância, assim como o mix de canais, mas a criança está muito digitalizada. Está no streaming, no YouTube assistindo desenhos. Temos um investimento elevado também no e-commerce, acelerado na pandemia, além dos esforços junto aos pais, que estão muito nas redes sociais. Temos canal próprio no Instagram, começamos a investir em algumas marcas no Pinterest, e abrimos conta no Twitter para continuar a conversa com os pais. Foi uma reviravolta no digital nos últimos dois anos. Antes, a nossa presença era na TV somente.
Há novas campanhas em vista?
Trouxemos mudanças em Nerf, e entramos forte com o Fortnite em uma parceria com a Epic Games global, com os principais influenciadores trazendo conteúdos diferenciados e uma nova maneira de se conectar com os meninos. Lançamos o nosso canal próprio também de Nerf no YouTube. Trouxemos criadores de conteúdo renomados, fazendo um mix entre futebol e games. Colocamos todos juntos no que chamamos de Nerf House para incentivar os desafios em casa. Novos episódios virão com bastante ação e influenciadores neste desafio com a marca. Também temos a linha com os principais influenciadores de Fortnite hoje.
Como analisa a forma como a criança aparece na propaganda?
A Hasbro não expõe a criança. Mesmo na campanha de Baby Alive, quando colocamos o menino brincando com a boneca, sempre foi de uma forma muito sutil, porque a educação é muito individual. Em nenhum momento a Hasbro vai interferir na educação dos pais ou apontar o dedo por acharem que seu filho vá se tornar algo no futuro por brincar de boneca. Quem somos nós para interferir na educação. Quando trouxemos a mensagem de Baby Alive, falamos que brincar de boneca forma adultos melhores. Colocamos as nossas marcas transmitindo valores, mostrando o que podem trazer de benéfico. A gente tem marcas para entreter, para garantir uma melhor experiência para pais e crianças, mostrando os valores emocionais que o ato de brincar traz. Lançamos também uma campanha de jogos de tabuleiro onde falamos sobre a importância da conexão olho no olho de pais e filhos, que foi muito distanciada pelo digital.
Há quanto tempo a Hasbro está no Brasil?
Estamos há 11 anos no país, operando diretamente, mas a marca já estava presente antes por meio de distribuidores. Um deles era a Estrela. Temos fábricas ao redor do mundo, nos Estados Unidos, nossa origem, além de China, Índia, Indonésia, Vietnã e México. A Hasbro está no mundo há 50 anos.
Qual é a sua presença no país?
Temos 21 marcas e 1,7 mil itens em cerca de oito mil pontos de venda. A presença é expressiva no e-commerce com Amazon, Americanas, Via Varejo e Mercado Livre, além de parceiros de marketplace. No varejo, PB Kids e Ri Happy são os principais canais especializados, mas o mercado é muito pulverizado. Há lojas de departamento, que também vendem brinquedos e são muito fortes, e tem também os brinquedeiros de redes regionais. Mas o crescimento mais expressivo está no e-commerce.