O impacto da cultura no comportamento de consumo

Em algum momento você já parou para pensar que o Airbnb é a maior rede de hospedagem do mundo e não possui nenhum quarto de hotel? Ou então que o Uber é a maior empresa de transporte de passageiros do mundo, mas não tem veículos em sua frota?

Outro exemplo que vale ser lembrado é o caso da união da startup brasileira Yellow com a mexicana Grin. As duas operavam o aluguel de bicicletas e patinetes elétricos compartilhados. Com a fusão das empresas, o negócio único passou a se chamar Grow e está na lista das startups denominadas “Unicórnios”, aquelas com um potencial bem acima do esperado para sua categoria. O objetivo central desse movimento foi expandir, atendendo de forma integrada as necessidades do consumidor. Aí está a chave: o foco de crescimento está centrado no consumidor.

O case da Grow é tão interessante quanto desafiador. De acordo com os números divulgados, a empresa conta com mais de 135 mil patinetes e bicicletas na América Latina. Em seis meses de atuação, gerou mais de R$ 2,7 milhões de viagens e conta com 1,1 mil funcionários.

A relação que a empresa estabelece com o consumidor é totalmente fundamentada na empatia, isto é, na compreensão íntegra do consumidor e de seus anseios e necessidades reais. O segredo foi justamente entender a “brecha” deixada pela falta de empatia na mobilidade urbana. “Essa equação, esse balanço da tecnologia com o offline é fundamental na nossa operação”, disse Marcelo Loureiro, CEO da Grow.

Empresas como Grow, Airbnb e Uber possuem negócios disruptivos, pois oferecem serviços em mercados tradicionais, onde fazer diferente parecia impossível. A chamada disrupção é um conceito empático criado há mais de duas décadas pelo americano Clayton Christensen e se caracteriza pelo surgimento de negócios inovadores, empoderamento do consumidor e uma sociedade hiperconectada.

O movimento da disrupção somente é possível ao enxergar “o outro”, especificamente o consumidor, com um viés muito mais focado na ótica dele do que da companhia. O que as empresas empáticas e disruptivas conseguem fazer é oferecer aquilo que o consumidor busca de forma inteligente e aliada ao seu propósito como negócio.

Quando olhamos profundamente para o consumidor frente a essa realidade, conseguimos compreender que os fatores culturais determinantes dos novos comportamentos orientam o desenvolvimento das tecnologias.

As pessoas buscam mais compartilhamentos, colaboração, conexões com negócios conscientes e valorizam o movimento “maker” (Faça Você Mesmo). Essas características são convergentes às empresas inovadoras, que se destacam descobrindo fórmulas assertivas, empáticas e relevantes para dialogar com os consumidores.

Vamos a outro case bastante interessante no mercado atual: a Rappi, startup colombiana de delivery que se diferencia dos concorrentes por entregar, absolutamente, qualquer coisa. Disponível em versão web e em apps, a plataforma disponibiliza uma série de produtos e serviços unificando as necessidades dos consumidores.

Super empática, essa iniciativa, que chegou há um ano ao Brasil, é a terceira startup a ser valorizada em US$ 1 bilhão e contabiliza dois milhões de quilômetros percorridos pelos seus entregadores – seja de bike, moto ou carro. Afinal, é muito prático e empático oferecer ao consumidor uma solução que consegue abarcar diversas necessidades em uma só plataforma. Tudo isso diferentemente de suas concorrentes, que estão atualmente focadas no serviço de entrega de alimentos.

Recentemente, a marca se uniu à Brahma em uma ação totalmente inovadora. Os apaixonados por futebol já passaram por aquela situação em que, mesmo com muita gente para jogar, sempre falta um goleiro. Pensando nisso, a Rappi criou uma funcionalidade que oferece uma espécie de “goleiro delivery”. Em parceira com a Brahma, o aplicativo deu um passo a mais no quesito inovação e experiência de marca.

No aplicativo, agora você encontra a funcionalidade “Goleiro Brahma”. Para solicitar um goleiro é muito fácil: o usuário entra no aplicativo, seleciona essa função e escolhe a hora e o local da partida de futebol. Para deixar o jogo ainda melhor, é possível pedir o combo “Goleiro + Pack Brahma”. Para contar essa história, a Brahma e a Rappi recorreram ao ex-goleiro do Palmeiras e da Seleção Brasileira, “São” Marcos, para duas “peladas”.

Cases como esse expressam que, quanto mais empática for uma marca, maior a sua capacidade de gerar o sentimento de pertencimento – a marca passa a fazer parte do grupo, do coletivo, daquela sociedade.

Esse é o novo comportamento que emerge na era em que vivemos: saímos de um momento da sociedade no qual o valor do “indivíduo como ser protagonista” era preponderante e entramos na era do “bem coletivo”, segunda a qual o benefício “do grupo para o grupo” passa a ser o foco do novo contexto cultural e direcionador de inovações genuinamente relevantes.

Voltando à reflexão inicial: é justamente esse o nosso sentimento em relação às empresas mencionadas. Imaginem, por exemplo, se amanhã as pessoas não abrissem a porta das suas casas… o Airbnb morreria. Se quem tem um carro não o utilizasse como meio de transporte coletivo, a Uber morreria. E se ninguém mais compartilhasse o status do trânsito na cidade, o Waze também deixaria de ser relevante.

Essas empresas construíram seus negócios fundamentalmente ancorados nos novos valores culturais da empatia, conexão e compartilhamento, fazendo uso da tecnologia como plataforma de viabilização da oferta de seus produtos e serviços. Voltamos assim ao conceito fundamental de disrupção e começamos a compreender por que essas empresas estão no ranking das mais valiosas.

Na nova era do “bem coletivo”, compreender a influência do contexto cultural no comportamento de consumo passa a ser ainda mais relevante. Novos padrões comportamentais estão sendo restabelecidos e marcas precisam estar preparadas para rapidamente revisitar seus modelos de negócio à luz dos valores culturais da atualidade.

Tatiana Gracia é analista do comportamento, professora da disciplina Comportamento do Consumidor no MBA de Marketing da Fundação Getulio Vargas e diretora de Inovação de Gomas & Balas da Mondelēz Brasil, dona de marcas icônicas como Lacta, Sonho de Valsa, Bis, Tang, Clight, Trident e Halls, entre outras