O marketing é anormal

Semana passada, experimentei mais uma vez um problema recorrente sempre que não encontro a minha marca de shampoo no supermercado. Estava fora de São Paulo, num lugar em que as redes paulistanas não têm lojas. Na falta da minha marca, enveredei pela estressante busca de um shampoo para cabelos normais. Antigamente os havia à farta. Toda a marca tinha a sua versão. Com o tempo e a ocupação pelo marketing de qualquer forma de acesso do consumidor às marcas, a “normalidade” foi sendo descartada. Evidente.

Nada mais desinteressante para o marketing do que o “normal”. Julgo meus cabelos normais. Mas isso é uma presunção hoje em dia. Uma resistência bizarra à necessária categorização de tudo o que diz respeito a nós. Os nossos cabelos, a nossa pele, os nossos dentes, as nossas unhas. Enfim, do ponto de vista do marketing, nenhum de nós é normal, sob qualquer aspecto, seja físico ou emocional. Ser normal contraria o conceito de valor agregado.

É commodity. É desinteressante para qualquer marca que queira manter margens de lucro interessantes, a partir de aportes conceituais com potencial de emocionar. “Brilho”, “maciez”, “recuperação”, “intensidade” (seja lá o que isso signifique), alguma coisa você deve estar buscando para usar um determinado shampoo, além do medíocre propósito de simplesmente lavar os cabelos.

Talvez nenhuma dessas formulações vá necessariamente fazer mal aos meus cabelos, digamos, normais. Mas, certamente, pagarei mais para ser “atendido” na solução de um suposto problema. Quando criança, lavava os cabelos com sabonete e, para não ficarem ressecados, enxaguava com creme rinse, que vinha numas bolsinhas de plástico, de uso individual. Tudo muito barato. E simples. Ou seja, impróprio ao marketing. Hoje, já não se fala mais em lavar os cabelos, mas em “tratamento”. De certa forma, isso faz com que eu me sinta agredido na minha simplicidade.

Admito que meus cabelos poderiam ser “melhores”, quem sabe a minha pele, as minhas unhas, se me entregasse a todos os métodos propostos para o desenho do ser humano ideal. Tem gente que faz isso e, supostamente, incorpora a beleza demandada por uma sociedade que topou engolir padrões sem maiores problemas. Mas o que percebo é que, cada vez mais, a beleza real vai sendo eclipsada por esse “tratamento”.

A beleza de cada um vai sendo substituída ironicamente por uma espécie de beleza commodity. Contradição? Não. Faz sentido para o marketing outra vez. Substituiu-se a “barata” produção em série para atender à normalidade e à simplicidade pela produção em série carregada de valor agregado e com potencial de margens de lucro maiores. Mas para mim isso seria absolutamente natural, inclusive saudável para o negócio do marketing, no qual estou metido faz mais de 40 anos, se não viesse em prejuízo da minha “normalidade”.

A continuar assim, vou voltar ao hábito de infância e tornar a lavar os cabelos com sabonete e finalizar com um enxague qualquer. Sim, eu sei que vou me deparar com marcas de sabonete para pele oleosa, pele ressecada, pele sensível… Nada, porém, que um Phebo não resolva. Mas qual deles: o escuro, o verde, o amarelo, o laranja…?

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)