O medo que nos move
Zygmunt Bauman morreu há pouco mais de um ano. Sereno, com sua fala mansa e jeito suave decifrava a humanidade e tinha o talento do olhar premonitório. Não chegou a viver o fatídico ano passado, mas acompanhou a ascenção de Donald Trump nos Estados Unidos, previu sua vitória nas eleições presidenciais e ainda declarou que o ambiente estava propício à chegada de outros líderes de perfil populista. O principal motivo? O medo e a insegurança entre as pessoas. “As pessoas estão inquietas, perdidas, incapazes de agir com certeza, com segurança. O que está ocorrendo é a virada do pêndulo. Entre outras coisas, isso significa Donald Trump. Mas há a mesma tendência em praticamente qualquer outro país”, ele disse, alguns meses antes de morrer.
“Dê-me o poder e assumirei a responsabilidade pelo seu futuro” – é a promessa mágica destes novos líderes, empoderados pelo medo, pela insegurança e, em muitos casos, pela raiva de uma parcela considerável da sociedade. Medo de perder o que conquistaram, insegurança em relação ao futuro, que parece incerto diante de tantas mudanças e transformações, e raiva pelas perdas já contabilizadas.
Bauman costumava dizer que dois valores são essenciais ao ser humano: a segurança e a liberdade. No entanto, eles são inversamente proporcionais. A segurança sem liberdade é a escravidão. Liberdade sem segurança, por outro lado, é o caos completo, onde se está perdido, abandonado, sem saber o que fazer. Mais ou menos como nos tempos atuais. Se nos tornamos mais livres do que nossos avós, pagamos um preço.
Agora, muitos estão dispostos a abrir mão dessa liberdade para resgatar a segurança perdida. Para sair da zona de desconforto, que significa ser livre. E onde isso vai dar? Vivemos um cenário singular. O país mais poderoso do mundo elegeu Donald Trump, que encarna alguns dos piores defeitos do ser humano, de uma só vez. Do outro lado do mundo, Putin, outro líder populista, comanda a gigantesca Rússia. Na poderosa China, exemplo em tecnologia e inovação, o ditador Xi Jimping controla a imprensa, a internet e persegue grupos de direitos humanos. E estes são apenas alguns exemplos de líderes políticos que se fortalecem, em grande parte, a partir do medo e da insegurança de que falou Bauman.
Em contraste, a chanceler alemã Angela Merkel – reeleita agora, em um cenário bastante dividido, para seu quarto mandato – perdeu prestígio ao fazer aquilo que lhe pareceu certo na condição de país rico. Sua empática política de portas abertas aos refugiados amplificou o medo e a insegurança entre os alemães. Mais uma vez, o medo. Os refugiados, na definição de Bauman, encarnam todos os nossos medos de perder tudo. De sermos os refugiados de amanhã. O Brexit é outro exemplo desse medo.
No Brasil, um nome ronda as pesquisas de intenção de voto para presidente: Bolsonaro. Seu discurso agrada a um público que tem semelhanças com os eleitores de Trump: pessoas impacientes com uma suposta inércia da democracia, que temem a instabilidade – e esta tem várias faces: o feminismo, o movimento LGBT, a inclusão racial. O grupo defende o porte de armas e a justiça pelas próprias mãos para combater a crescente violência urbana. Há a ânsia por uma espécie de magia na liderança dos governos.
Quem mora no Rio de Janeiro, como eu, sabe bem como é conviver diariamente com o desgoverno e com a insegurança, e com fatos brutais como o assassinato da vereadora Marielle Franco. Para muitos, a intervenção militar – este poder paralelo, que não sabemos exatamente no que vai dar – é um alento, uma salvação. Também tenho medo, também me sinto insegura. Mas tenho mais medo de perder a minha liberdade.
Claudia Penteado é articulista e repórter do PROPMARK (claudia@claudiapenteado.com.br).