O mundo 24/7/365 WW

Para uma parte muito expressiva da humanidade, a história presente é um eterno on: online, ontime, onipresente. Mas nem tudo acaba ocorrendo como se espera. Se um viajante extraterrestre visitar a Terra hoje, chegar no lugar certo e ficar pouco tempo, vai voltar com um relato fantástico: produtos e serviços são oferecidos 24 horas por dia, 7 dias por semana, todos os dias do ano e sem limites geográficos pelo planeta. É o conceito 24/7/365 WW, cuja lógica deriva do fato de que os consumidores sempre pedem mais e as empresas oferecem ainda mais. E mais, continuadamente. Isso seria realmente fantástico se os níveis de falhas não fossem tão elevados de ambas as partes. Ou seja, as pessoas não compram ou usam tudo que previam, por falta de dinheiro, tempo ou porque as suas expectativas são frustradas, fazendo com que a infraestrutura disponível fique ociosa.

Razão pela qual as empresas não conseguem fazer lucro suficiente para cumprir suas tarefas como planejado e acabam abaixando seus padrões de entrega, mas não deixando de prometer ainda mais… No final, o resultado fica longe das maravilhas esperadas, as empresas patinam até desativar a novidade, serem compradas ou saírem do mercado. Os consumidores abaixam suas expectativas e se conformam com padrões sofríveis, mas querem pagar mais barato por isso e ficam prontos para embarcar na próxima promessa ou sonho. A pergunta óbvia é onde iremos chegar com esse modelo? Desde o começo da Revolução Industrial, no século 18, temos vivido uma onda crescente de bonança – mesmo considerando alguns reveses e hiatos – e de criação sucessiva de valor.

Nas últimas duas décadas, porém, com a chamada nova economia digital, a tendência se inverteu e temos passado por um processo de destruição de valor, com as empresas centrais ganhando menos, as periféricas menos ainda, a maior parte dos salários caindo e até os governos vivendo de forma deficitária contínua. Na realidade, nesse modelo poucos ganham muito, parte deles não por muito tempo, enquanto a maioria nem chega lá… E o conceito, ou teoria, do unicórnio mantém viva as esperanças e expectativas de uma massa que não vai dar em nada… A verdade é que ainda não sabemos onde vamos chegar e como e quando vai haver uma reversão, para devolver um pouco de lógica econômica e de sustentabilidade a longo prazo para esse sistema perverso.

Aumentam, sobre esses modelos, a interferência das autoridades públicas e as amarras legais. Pode até ser um pouco frustrante, mas, de qualquer modo, tem de haver um meio-termo. Quase que um novo contrato social. Enquanto isso, uma tradicional loja inglesa, a John Lewis, descobre como fazer negócios no mobile – 41% das visitas e 21% das vendas online foram feitas assim em 2018. E as megacorporações chinesas batem todos os seus recordes, não porque descobriram a chave do mercado global, caso de poucas, mas porque estão no olho do furacão econômico, que dominará o século 21, como os EUA se apropriaram do 20.

Não se deve esquecer, porém, que mesmo com todo o frisson das novidades e os casos de sucesso, a grande massa de quase todos os mercado continua rolando da forma tradicional; caso do varejo e dos serviços de alimentação, por exemplo. Ou seja, a maior parte dos negócios ainda não pode ser 24/7/365 WW. Mas, se não tiver como oferecer essa possibilidade, de alguma fora, a imagem de coisa velha e ultrapassada pode colar na organização. Precisa ter, portanto, mesmo que seja apenas uma operação flagship, pois o efeito publicitário, de experiência e os reflexos no boca a boca fazem o esforço valer a pena. Para fora e para dentro. Alias, esse é o conceito de flagship, que não é o barco que vence a guerra, mas que faz o restante da frota lutar com a disciplina, eficiência e empenho que garante a eficácia, ou seja, a vitória.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafaelsampaio103@gmail.com)