O "novo" e o "normal" dependem de quem enuncia
Mês passado uma revista de moda lançou uma capa com a chama “Novo Normal”, com o subtítulo “simplicar a vida e se concentrar no essencial são os caminhos para um futuro mais ético e saudável”. Essa revista tinha uma modelo caucasiana estampando a imagem.
Além disso, do começo do isolamento devido ao Covid-19 até agora, não paramos de ver mais e mais reports sobre comportamento de consumo durante a pandemia, sobre possíveis caminhos que a publicidade pode seguir, sobre os novos direcionamentos de marcas. Usados para basear novos planejamentos e campanhas, sem saber com certeza como e quando sairemos do isolamento.
Seja pensando em “novo normal”, “comportamentos”, “caminhos” e “direcionamento” é necessário considerar seu ponto de partida. Sobre quem você está falando? A quem você perguntou? O que essas pessoas fazem? Qual o nível de acesso a direitos básicos delas? Isso muda completamente seu resultado e sua conclusão.
Muitas dessas conclusões sobre como estaremos pós-pandemia são feitos considerando uma “maioria de pessoas” que vivem em regiões mais abastadas, que tem perfil econômico correlato e têm acesso a direitos básicos. Alguns podem argumentar que estudos são pontos de vista. Mas há um problema quando pontos de vista são produzidos por pertencentes ao mesmo ambiente. Falar em “novo” pode parecer simples dessa forma.
Porém, a maioria da população, realmente, não tem esse mesmo perfil. Por exemplo, 54% da população no brasil é negra. E quem está mais morrendo por causa do covid-19? Negros. (G1, 18 Maio 2020). Em São Paulo, o recorde de mortes ocorre onde a população negra é maior (Publica, 06 Maio 2020; G1, 19 Maio 2020). Considerando fatos históricos do país, não tem novo mundo e nem grandes reflexões para essas pessoas.
Vivemos numa pandemia das desigualdades, conceito trabalhado por Pâmela Carvalho (educadora, historiadora e pesquisadora ativista das relações raciais e de gênero e dos direitos de populações de favelas) para descrever o momento atual. Corroborando ainda mais esse fato, o cientista político Robert Muggah, um dos fundadores do Instituto Igarapé, em entrevista para a TAB UOL diz que “(…) a redução da desigualdade tem que estar no centro da resposta a essa pandemia (…)”.
Dessa forma, conclusões de pesquisas ou constatações acerca de comportamentos que não consideram a real maioria da população são enviesadas. Seria realmente a hora de falar sobre “novo” enquanto ainda temos problemas antigos para resolver? A maioria está pensando em sobreviver. Talvez a forma mais “simples” de simplificar a vida.
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Inspirado pelas colocações de Clariza Rosa, co-fundadora da Silva Produtora, em seu instagram.
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Raissa Santos é planejamento da Talent Marcel