O “novo normal”
De perto ninguém é normal. Ser normal é a meta dos fracassados. A arte de ser louco é jamais cometer a loucura de ser um sujeito normal. As três frases – de Caetano, Jung e Raul Seixas – mostram como “normal” pode ser tudo o que não se quer ser. No dicionário, a palavra normal define aquilo que está “conforme à norma ou regra – algo que serve de modelo, é regular, habitual e ordinário”. Não parece divertido.
Historicamente, o hábito irresistível de rotular e encaixar tudo e todos acabou por definir normal como chato e controlador. Diante do olhar dos “normais”, em contrapartida, quem “sai da normalidade” é ovelha negra, é transgressor. A convivência entre os normais e as ovelhas negras, claro, nunca foi simples, dada a extraordinária diversidade humana e a consequente discrepância de opiniões a respeito daquilo que é ou não normal.
Em meio ao quiproquó, parece surgir um novo conceito de normal que foge às definições originais e já faz parte do dia a dia das novas gerações, em especial a tal geração Z, pessoinhas que nasceram a partir de 2000. Vou dar um exemplo.
Tenho uma filha de 13 anos para quem, volta e meia, pontuo alguns acontecimentos do mundo que eu considero extraordinários. Em muitos dos casos ela me fita, impaciente, e retruca: normal. O mais recente episódio que comentei com ela foi o anúncio da transexual Valentina Sampaio como a nova porta-voz da marca L’Oreal (fiquei particularmente feliz com essa notícia, que eu considero uma vitória da sociedade, viabilizada pela publicidade. Demonstra como podemos ir longe lançando mão da abundância de ideias dessa nossa indústria). Pois bem.
Para ela, não pareceu nada demais, e mais uma vez ouvi o breve comentário: “normal”. Confesso que isso me alegrou um bocado. Quando estive em Cannes, outro dia, assisti a uma palestra cujo título era precisamente O novo normal. Naquele caso, falava-se sobre gestos e sentimentos que são considerados “não masculinos”, questionando velhos rótulos que, durante séculos, vem aprisionando homens desde a primeira infância.
O tal “novo normal” é um homem sensível, que gosta de cuidar da casa, que chora e fala dos seus sentimentos, que não resolve as coisas na porrada, que não quer comer todas as mulheres do mundo, que não toma porres para provar que “é macho”. Alguém que sempre existiu. Mas não era “normal”.
Algo se encaixou na minha vivência e percepção. Mais um rótulo? (nós adultos do “mundo moderno” temos mania de tentar rotular tudo o que surge espontaneamente, organicamente.) Talvez. Mas o fato é que esse “novo normal” é, no fundo, qualquer um: é a diversidade sendo aceita.
Quem sabe, ganhando esse status de “novo”, se fortaleça a ponto de eu e você não nos surpreendermos mais tanto, e reagirmos diante do mundo com a normalidade de uma adolescente.