O tsunami K-food está chegando

Diretor do Centro Cultural Coreano no Brasil, Cheul Hong Kim compartilha iniciativas que vêm impulsionando essa expansão, como o ‘Universo K-food’

Se repetir a mesma intensidade do K-pop e dos K-dramas, a K-food tem tudo para se tornar um tsunami na conquista de corações (e estômagos) dos brasileiros. Isso representa uma série de oportunidades para marcas e profissionais que desejam surfar a ‘Hallyu’, a onda coreana que já se espalhou pelo mundo.

Nesta entrevista, o diretor do Centro Cultural Coreano no Brasil (CCCB), Cheul Hong Kim, compartilha iniciativas que vêm impulsionando essa expansão, como o ‘Universo K-food’, que ocorre até 1º de agosto no próprio CCCB, em São Paulo.

A Coreia do Sul já conquistou o Brasil com o K-pop e os K-dramas. Quais são os planos agora para a K-food?
No Brasil, há muita curiosidade e expectativa em relação à comida coreana, despertadas por meio dos K-dramas e outros conteúdos, mas ainda faltam oportunidades para que as pessoas experimentem a culinária coreana diretamente. Não há muitos restaurantes coreanos e a rede de distribuição de produtos coreanos ainda é insuficiente. Além disso, percebemos que o interesse crescente não está restrito apenas aos centros urbanos; há também uma demanda latente em outras regiões, o que reforça a importância de ampliar a presença da K-food para além de São Paulo. A cultura alimentar coreana, com sua riqueza de sabores, técnicas e ingredientes únicos, pode dialogar com diversos paladares brasileiros, e isso é algo que queremos fomentar.

E como o Centro Cultural Coreano no Brasil está voltado para isso?
O Centro Cultural Coreano no Brasil considera a gastronomia coreana (Hansik, em coreano) como uma área central de atuação e, por isso, realizamos regularmente concursos, aulas e workshops, muitas vezes em parceria com escolas de gastronomia. Recentemente, com o chef de um restaurante tradicional aqui de São Paulo, o Bicol, realizamos uma série aulas gratuitas direcionadas a profissionais da cozinha que desejavam ampliar seus conhecimentos e técnicas relacionadas à gastronomia coreana. Atualmente, estamos realizando com a aT Center São Paulo o ‘Universo K-food’, evento que visa a ampliar a distribuição de alimentos coreanos pelo país. Além de degustações e atividades voltadas para o público, temos uma área com foco B2B, abrindo espaço, justamente, para parcerias e negócios com empresas locais. Estamos nos esforçando para criar uma verdadeira onda coreana também no campo da gastronomia.

São Paulo já desponta como um polo da gastronomia coreana, com destaque para o bairro do Bom Retiro. Que outras regiões brasileiras têm potencial para se tornarem vitrines da K-food como referência cultural?
Em São Paulo, foi possível abrir muitos restaurantes coreanos devido à grande concentração de imigrantes coreanos na cidade. Em outras regiões do Brasil, é um pouco diferente, é difícil prever onde e como novas oportunidades poderão surgir. No entanto, temos observado sinais promissores no Rio de Janeiro, Porto Alegre e Brasília, onde há um público curioso, interessado pela cultura coreana e, também, aberto à culinária internacional. Com apoio institucional e parcerias locais, essas regiões podem, no futuro, se tornar novas vitrines da K-food.

Vocês já têm algum exemplo?
Recentemente, o Centro Cultural Coreano apoiou a iniciativa da Netflix, que concedeu o título de capital nacional do K-drama a São Luís, no Maranhão. A cidade possui uma cena cultural relevante e há encontros organizados por fãs de novelas coreanas em locais públicos para acompanharem, juntos, os desfechos dessas produções sul-coreanas. O potencial está dado. O desafio é estruturar uma rede que permita o acesso a produtos e ingredientes e ao conhecimento necessário para manter a autenticidade da culinária coreana.

Apoiadas por órgãos como o Ministério da Agricultura, Alimentação e Assuntos Rurais da Coreia, as ações de promoção da culinária coreana têm alcançado visibilidade global. Como o governo coreano articula o setor de alimentos à política de soft power cultural?
A gastronomia é um elemento central do soft power cultural. Trata-se de um aspecto cultural que carrega histórias, valores e modos de vida, funcionando como uma ponte sensorial e simbólica entre culturas. O governo coreano entende isso e vem ampliando iniciativas voltadas para o fomento da Hansik em escala global, utilizando a culinária como porta de entrada para o conhecimento mais profundo sobre a Coreia do Sul. Ao saborear um prato coreano, o público tem a chance de se conectar com aspectos fundamentais da nossa identidade.

O sabor picante é um traço marcante da K-food. Considerando a afinidade brasileira com esse perfil, especialmente em regiões como a Bahia, é possível traçar uma ponte sensorial e cultural entre as duas culinárias e, consequentemente, algum apoio institucional às ações do Centro Cultural?
Acredito que identificar semelhanças entre o sabor picante da Bahia e o da Coreia poderia ser um projeto muito interessante. Essa conexão poderia inclusive se desdobrar em intercâmbios gastronômicos, festivais culinários conjuntos e até mesmo na criação de pratos híbridos, que mesclam ingredientes brasileiros e coreanos. Através desse tipo de aproximação, podemos não apenas expandir a K-food no Brasil, mas também valorizar a riqueza das tradições locais. Temos todo interesse em fomentar iniciativas como essa.

Já que falamos da Bahia, poderia comentar sobre a importância da tecnologia como estratégia de disseminação cultural, como a presença da Coreia do Sul na RoboCup2025 realizada este ano na capital baiana?
Quando falamos sobre a expansão da Hallyu, acredito que não podemos deixar de mencionar o desenvolvimento das tecnologias de comunicação online, como as redes sociais e as plataformas OTT. Graças a essas tecnologias, a cultura coreana – incluindo o K-pop e os K-dramas – pôde chegar a diversas partes do mundo, possibilitando o surgimento da onda coreana. Além disso, penso que tecnologia e cultura não existem separadamente, mas se misturam e criam novas combinações. Nesse sentido, considero a RoboCup um evento muito interessante, pois é, ao mesmo tempo, um evento tecnológico e cultural. Acredito que países capazes de criar essas combinações criativas poderão se tornar potências culturais no futuro.

Quais marcas coreanas de alimentos e de setores como entretenimento, artes, tecnologia e cosméticos atuam em parceria com o Centro Cultural Coreano na promoção da cultura e do estilo de vida do país?
Recentemente, realizamos uma mostra sobre o jogo Ragnarok, em parceria com a empresa de jogos online Gravity. Alguns anos atrás, fizemos uma exposição em colaboração com a empresa Pinkfong, criadora de personagens infantis, como o Baby Shark. No momento, também estamos em negociação com algumas empresas coreanas, embora eu não possa divulgar detalhes. Para as empresas, é uma oportunidade de promover seus produtos, e para o nosso Centro Cultural, é uma chance de apresentar a cultura coreana. Por isso, considero esse tipo de parceria uma relação em que todos saem ganhando. Essa integração entre cultura e mercado reflete uma visão moderna de diplomacia cultural, onde os produtos comerciais também funcionam como canais de expressão de identidade.

Cheul Hong Kim, diretor do Centro Cultural Coreano no Brasil (Divulgação)

Há apoio de marcas brasileiras?
Ainda não tivemos parcerias com marcas brasileiras. Porém, isso não significa que marcas do Brasil estejam excluídas. Mesmo sendo produtos brasileiros, se houver algum elemento relacionado à cultura coreana, eles podem se tornar parceiros do nosso Centro Cultural. O conceito de “cultura coreana” pode ser interpretado de maneiras diferentes por cada pessoa e, como diretor do Centro, posso dizer que faço uma interpretação bastante ampla desse termo. Gostaria que vissem isso como uma oportunidade para diversas formas de colaboração. Esperamos que, no futuro, essa abertura estimule o surgimento de colaborações inovadoras entre empreendedores brasileiros e coreanos.

De que forma o Centro Cultural atua como embaixador da cultura do país, integrando diferentes frentes como música, cinema, idioma, moda e gastronomia, em uma estratégia de imagem institucional da Coreia?
Antes de a onda coreana atingir a força que tem hoje no Brasil, realizamos muitos projetos próprios do Centro Cultural. Mas, atualmente, como há cada vez mais instituições culturais, organizadores de eventos e empresas brasileiras interessadas na cultura coreana, adotamos muito o modelo de parceria ou apoio a esses atores. Em festivais internacionais de dança contemporânea no Brasil, apoiamos a vinda de coreógrafos coreanos, custeando suas passagens – esse é apenas um exemplo. De forma geral, o Centro Cultural Coreano atua para descobrir, promover e expandir boas oportunidades de intercâmbio cultural entre a Coreia e o Brasil. No entanto, nosso objetivo não é moldar estrategicamente uma imagem específica da Coreia no Brasil. Trabalhamos para que o Brasil possa entender a Coreia de maneira mais profunda, como ela realmente é. Além disso, desejamos que a boa cultura e arte coreanas contribuam para a felicidade dos cidadãos brasileiros. Não à toa o país está entre um dos maiores consumidores de K-dramas e de K-pop. Acredito que esse caminho é positivo tanto para a Coreia quanto para o Brasil, além de fortalecer as relações amistosas entre nossos países. O papel do Centro, portanto, vai além do cultural: ele também contribui para o fortalecimento diplomático, educativo e social entre as duas nações.

Qual o papel e a força do marketing e da propaganda coreana nessas ações?
O marketing é, sem dúvida, importante. Porém, como disse, não temos a intenção de moldar a imagem da Coreia em uma direção específica. Acredito que a cultura não deve ser conduzida para um único sentido. O que considero fundamental é que os diversos aspectos da cultura coreana sejam apresentados de maneira profunda, e o marketing também trabalha sob essa perspectiva. Em vez de promover apenas tendências, buscamos provocar interesse genuíno e duradouro, contribuindo para uma compreensão mais autêntica do que a Coreia representa hoje.

Como os jovens sul-coreanos percebem o papel que exercem na disseminação da cultura do país pelo mundo?
Os jovens coreanos são consumidores ativos, críticos e apaixonados pelas artes e pela cultura, e acredito que isso é a razão fundamental para o alto nível cultural da Coreia. Muitas pessoas atribuem o sucesso global da onda coreana principalmente às políticas de incentivo à indústria cultural do governo, mas, pessoalmente, penso que é essencial destacar o nível de apreciação, a paixão dos cidadãos coreanos pela arte e cultura, e, mais profundamente, o nível de democracia na Coreia. Essa é a base fundamental para a prosperidade da indústria cultural. Os jovens não só consomem, mas também produzem e reinventam constantemente a cultura, alimentando um ecossistema criativo extremamente dinâmico.

Como a interação com a cultura brasileira é percebida pelos sul-coreanos, a partir de exemplos como a participação da banda Rapercussion no Carnaval da Bahia, o interesse de artistas como Park Bo Gum pela bossa nova e a grande audiência dos ‘idols’ no Brasil?
Há muitos elementos da cultura brasileira que são bem conhecidos e apreciados na Coreia, como o samba, o futebol e a bossa nova. No entanto, devido à grande distância geográfica entre os dois países, acredito que, na Coreia, ainda não exista uma compreensão tão ampla sobre o Brasil. Penso que, se filmes, séries e outros conteúdos digitais brasileiros pudessem ser mais divulgados e disponibilizados na Coreia, isso ajudaria muito a aproximar os dois países – assim como a Hallyu, ou onda coreana, que abrange o K-pop e os K-dramas, conseguiu se espalhar para todos os cantos do mundo por meio da internet. Esse intercâmbio pode ser muito enriquecedor, não apenas do ponto de vista artístico, mas também como forma de criar empatia e compreensão mútua entre duas nações culturalmente ricas.