Opinião: O jornal não vai acabar
Ernesto Corrêa foi direto ao ponto: “Se eu encontrar algum de vocês conversando com aqueles caras da Rádio Farroupilha, demito na hora. É uma sacanagem o que eles estão fazendo conosco. Trabalhamos até de madrugada para produzir um jornal completo e vibrante e às 7 horas da manhã o Ernani Behs pega o microfone e lê o seu Grande Jornal Falado, que outra coisa não é do que uma cópia descarada do nosso noticiário. Isso é uma safadeza: eles querem acabar conosco”.
A ordem foi cumprida à risca, até por instinto de sobrevivência, já que o rádio ia acabar com o jornal…
Até que um dia o “major” Ernesto convoca outra reunião semelhante e, mais uma vez, vai direto ao ponto: “Vocês se lembram daquela minha instrução com respeito aos caras da Farroupilha? Pois agora podem conversar com eles quanto quiserem: acabamos de comprar a Rádio e vamos trabalhar juntos”.
O rádio não tinha acabado com o jornal…
Essa história, que marcou minha vida profissional de jornalista e depois de publicitário, foi a minha primeira lição do poder e da eficácia da convergência da mídia.
Esta mesma história fica hoje apropriada, quando os apóstolos do apocalipse estão novamente a decretar o fim do jornal, desta vez não mais por culpa do rádio, mas por causa da internet e da crise financeira que se abateu sobre alguns importantes grupos do setor. A internet, que vai continuar a fazer estragos na mídia em geral, afetou mortalmente um dos mais tradicionais jornais do mundo, o centenário Christian Science Monitor, que deixou de ser impresso em papel para ser distribuído apenas pela web.
O Christian Science Monitor não morreu, foi a sua forma de distribuição que mudou. Quanto à crise financeira, ela acaba de fazer as suas primeiras vítimas, com destaque para a concordata do Grupo Tribune, um dos maiores do mundo, que edita, entre outros, os influentes Los Angeles Times, Chicago Tribune e Baltimore Sun, além de possuir 23 estações de TV, websites de notícias e até um time de baseball, o Chicago Cubs. Acrescente-se a isso o fato de o Miami Herald ter sido colocado à venda e de o New York Times estar passando o chapéu nos bancos para conseguir urgentemente 250 milhões de dólares para pagar suas contas.
Mas estes problemas financeiros não devem ser debitados unicamente à “ineficiência” do meio jornal, como querem alguns, mas principalmente ao adoidado festival de alavancagem que assolou a América e infectou o setor de mídia também. Mas é claro que o Tribune tinha de ir pro brejo. Não há grupo de mídia capaz de pagar 12 bilhões de dólares dos empréstimos que sustentaram o famoso “leveraged buyout” liderado pro Sam Zell há exatamante um ano.
Como também não há como justificar alguns outros negocinhos de mídia acontecidos nos últimos 24 meses, dentre eles o pagamento de 12,3 bilhões de dólares pela Univision e de 18 bilhões pela Clear Channel. Se já não valiam isso antes, o que dizer agora que a redução da atividade econômica vai afetar a publicidade, principal pilar de sustentação econômica dos meios de comunicação?
Mas estas barbaridades cometidas pelo “mercado”, na sua aventura histérica de ganhar dinheiro fácil, não justificam o diagnóstico de que o jornal está em fase terminal. Está doente, sim, mas não em fase terminal. O jornal está se reestruturando e vai encontrar o seu nicho correto. O jornal não vai acabar, como não acabou com o advento do rádio, como a TV não matou o rádio e nem acabou com o cinema, que também não foi “assassinado” pelo DVD e pelos atuais meios eletrônicos sofisticados de “download”, nem a internet arrasou com tudo para se transformar no único meio de comunicação da sociedade moderna.
Tanto é verdade que utiliza fortemente todos os demais meios de comunicação para se promover. Num planeta multicultural habitado por 6,5 bilhões de seres humanos há lugar para todos, desde que cada um busque o seu posicionamento correto e se estruture dentro desse novo cenário.
Mas para quem não deveria haver lugar mesmo é para estes contraventores cuja ganância levou o mundo para o caos em que se encontra. Estes “elementos”, como diria a polícia, deveriam ter seus bens sequestrados, prisão perpétua decretada pela Justiça e sentenciados a prestar serviços comunitários para sempre para a mesma comunidade que lesaram, até agora impunemente.
Se o “major” Ernesto Corrêa estivesse vivo – ele que nos faz tanta falta – sei que concordaria comigo que o jornal não vai acabar e estas bancarrotas de hoje são casos pontuais, como também sei que estaria escrevendo artigos furibundos contra estes especuladores irresponsáveis que continuam nadando de braçada nas fortunas indecentes que amealharam por meio de polpudas comissões e de escandalosos “bônus de performance” – uma aberração que esperamos não se repita no novo capitalismo que haverá de emergir. E, quando esta nova ordem se implantar, podem crer que o jornal estará presente, investigando o seu cumprimento e reportando tudo nos seus mínimos detalhes. Como vem fazendo até hoje.
PS. Este artigo foi publicado pela primeira vez em abril de 2010. A história demonstrou que o vaticínio estava correto. As recentes declarações de Miles Young, CEO da Ogilvy, e de Martin Sorrell, CEO da WPP, em defesa da mídia impressa, me fizeram ter vontade de republicá-lo em versão mais curta, contrariando a prática de que geralmente as reedições são revistas e ampliadas… E nada melhor do que nesta edição que comemora os 50 anos de atividade jornalística do Armando Ferrentini, que criou e produz um jornal indispensável para o setor. Se Miles Young admitiu que é impossível criar e consolidar uma marca sem a mídia impressa, não é possível criar uma marca de agência no Brasil sem o Propaganda & Marketing. E eu sei bem disso porque dediquei 30 anos da minha vida a criar no Brasil a marca Ogilvy & Mather, então desconhecida no nosso mercado, que havia se associado à Standard Propaganda. A pujança da Ogilvy atual prova que deu certo. Sempre com a ajuda e a cobertura do Armando Ferrentini e do seu Propaganda & Marketing.
*Jornalista, publicitário e empresário, é presidente da Brandmotion Consultoria de Fusões e Aquisições