Todos conhecem a história da crise dos mísseis de Cuba.

EUA e URSS chegaram a uma crise cuja única solução racional era cada um voltar para o seu lado. A palavra racional aqui importa (e muito) pois uma decisão irracional poderia ter iniciado a terceira guerra mundial.

No caso da crise “Marcas versus Facebook” o mesmo se dá. Não interessa a ninguém a evolução dessa crise.

De um lado temos marcas cujos CEOs e CMOs precisam tomar ações e cobrar o Facebook, ameaçando-o com suas verbas de marketing. Se as marcas não fazem isso os movimentos sociais, organizados ou não, as pressionam e as ameaçam com o boicote e o shaming nas redes sociais. Isso obviamente levaria boards de acionistas a demitir CEOs e CMOs. Então eles precisam agir.

Alguém decepcionado pois eu não coloco nas marcas uma postura moral de quem apenas deseja “fazer o bem”? É, amigo… o buraco é mais embaixo. Não nego que exista nas empresas muita gente interessada em agir moralmente. Meu ponto é que as forças institucionais e sociais que operam sobre esse contexto são maiores que o agir moral.

Há nas marcas ainda uma co-dependência do Facebook e do Instagram (junto com o YouTube) para manter seus níveis de brand awareness e brand salience, fundamentais para a compra. Não existem alternativas. É ali que as pessoas estão e é ali que as ferramentas de micro-segmentação e targeting permitem um bom nível de ROI da comunicação. As pessoas em geral não estão mais nas mídias tradicionais. Então não faz sentido pensar em migração temporária em larga escala dessa verba para os veículos tradicionais.

Do lado do Facebook existem questões complexas relacionadas a liberdade de expressão (quem tem o poder e a autoridade moral de sempre dizer o que constitui um discurso de ódio, onde muitas vezes a realidade de cada caso não cabe em julgamentos e decisões fáceis. O Facebook tem o direito (e seria moral) de reduzir discursos de extrema-direita? Fará o mesmo com os de extrema-esquerda? E quais as consequências sociais? Isso não é simples, obviamente.

Tem ainda o fato de que o Facebook teme a regulação governamental e precisa agir com esse risco em mente.

Há ainda o fato das receitas de propaganda no Facebook serem muito fragmentadas. Os 100 maiores anunciantes em 2019 eram responsáveis por 6% (US$ 4,2 bilhões) do total de US$ 70 bilhões que a plataforma recebeu. Então a verdade é que a plataforma tem fôlego para seguir. E Zuckerberg não pode ser pressionado por comitês. Seu emprego não tem risco.

Ou seja, tudo indica que nessa crise dos mísseis de Facebookland, assim que essa dinâmica de teatro acabar, assim que as marcas tiverem mostrado aos seus públicos que elas apoiaram o #stophateforprofit, assim que o Facebook tomar algumas medidas paliativas (por exemplo, regras mais rígidas do que constitui um anúncio de ódio), cada um voltará pro seu lado e todos eles se encontrarão novamente nas reuniões de planejamento de mídia.

Até que venham novas pressões dos movimentos sociais e do grande público e novas crises se instalem. Essa é a única constante.

Benjamin Rosenthal é professor da FGV-SP