A etapa mais espinhosa do branding
Criar nome para uma determinada marca é a etapa mais espinhosa do branding. É um caminho estreito e pedregoso, até que o horizonte fique claro.
Muitas empresas têm métodos muito bem elaborados e apoiados em indiscutível racionalidade. Mas ouso confessar que muitas e muitas vezes não funcionam.
E por quê? Em primeiro lugar, porque a avaliação de uma nova palavra para representar a marca passa por filtros de subjetividade do tipo: “Acho que não combina”, ou “É meio estranha, parece outra coisa” ou mesmo “Lembra tudo, menos este produto”.
As intervenções da equipe e dos clientes vão por aí afora. São conversas mergulhadas em subjetividade, em que a racionalidade do método ajuda pouco.
Ajuda sim, mas apenas para eliminar alternativas absolutamente descabidas, palavras que ferem a polidez, a educação, bons costumes e entram no sombrio território da escatologia. O Google pode indicar várias que não tenho coragem de escrever aqui.
Depois que vencemos o desafio interno, ou mesmo paralelamente a isso, temos de enfrentar o soberano e impiedoso INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), onde a luta é ainda mais ferrenha.
Quantas e quantas vezes chegamos a esse momento com a desanimadora constatação: “Todas as palavras que nós tanto batalhamos para descobrir já estão registradas!”
Uma ideia simples da dificuldade de vencer uma batalha nessa arena: só em 2024, o INPI recebeu mais de 440 mil pedidos de registro de marca.
Apesar de tudo, no fim acaba bem. Conseguimos. Habemus marca. A partir daí, o nome segue o caminho da matriosca, que é conhecida como uma criação russa, mas que nasceu no Japão. É um jogo de várias bonecas, em que uma sai da outra em um ciclo maternal evolutivo.
O que é isso se não a própria representação do que vai acontecendo com o desdobramento na história da marca? A batalha da escolha do nome original sofre um deslocamento semântico. E quase nos esquecemos do seu significado original.
Por exemplo, quem se lembra que o nome do maior banco privado brasileiro significa pedra preta em tupi-guarani? Outro exemplo de deslocamento semântico: já tentou comprar revista Veja numa gôndola de supermercado, ou Veja Multiuso numa banca de jornais?
Pronto, a marca adquiriu seu plano de voo e seu nome se alojou em nosso imaginário, com todas as suas conexões cognitivas e emocionais.
Mas, um belo dia, o mesmo mercado que a acolheu e deu asas a ela começa a praticar uma metonímia, da parte pelo todo. Todo aquele esforço de criação original vai se tornar ainda mais poderoso e compacto.
Aliás, leu as últimas notícias sobre a Vale? E ninguém vai fazer ingênua pergunta: “Qual, a Companhia Vale do Rio Doce?”
Nessas reduções no nome, haverá sempre viúvos e viúvas do nome antigo, podem apostar. Mas é impossível resistir à força da metonímia, porque ela se impõe, quase sempre, de forma orgânica e “batizada” pela voz corrente do mercado.
É pura ironia, mas se você convidar alguém para comer no Kentucky Fried Chicken, o tempo para falar a marca é longo o suficiente para trocar por um lugar mais perto. Melhor ir direto ao KFC.
No ambiente contemporâneo da modernidade líquida, de Bauman, o nome sólido de muitas marcas está sujeito à liquidez.
A linguagem corrente, de maneira geral, é mais compacta, quase lacônica. Contanto que ela continue carregando os significados e sentimentos que foram implantados em nosso imaginário lá no começo.
Jaime Troiano é presidente do conselho da Troiano Branding