A guerra também se trava nas mídias sociais
A guerra na Ucrânia é o primeiro grande confronto mundial com as mídias sociais, sendo um dos principais meios de comunicação do mundo. Nessa arena digital, tem sido travada uma batalha de comunicação, narrativas e opinião pública.
Para Singer e Brooking, especialistas em segurança e autores de Like War, as mídias sociais se tornaram um novo espaço de batalha onde tecnologia, política e comunicação se misturam. Um ambiente no qual diferentes agentes com objetivos concretos no mundo real tentam influenciar a opinião pública.
Neste conflito, as grandes plataformas de mídias sociais Meta (a dona de Facebook, Instagram, Whatsapp), Twitter, LinkedIn e o Google se viram forçadas a abandonar sua postura de neutralidade política e tomaram medidas concretas contra a Rússia.
Nesta semana, Nick Clegg, Vice Presidente da Meta, declarou que a empresa está “rebaixando o conteúdo de páginas do Facebook e contas do Instagram de meios de comunicação controlados pelo Estado russo, e estamos tornando-os mais difíceis de encontrar em nossas plataformas”. De maneira similar, Alphabet (dona do Google e Youtube) e Twitter impuseram restrições ao Governo russo, mas ao mesmo tempo buscaram manter seus serviços abertos para as pessoas e colaboraram com demandas do Governo ucraniano, impedindo, por exemplo, que o aplicativo RT (da mídia oficial russa) fosse baixado no território ucraniano.
Como as plataformas têm o alcance de bilhões de pessoas no mundo e seus algoritmos e regras definem o alcance das mensagens, seu posicionamento em um dos lados tem um peso enorme na narrativa que será dominante para a grande maioria da população mundial.
Outro participante fundamental na guerra da comunicação são as pessoas comuns. Os indivíduos que estão ali vivendo e sofrendo com a guerra. A capacidade que cada cidadão tem de fazer um filme, bater uma foto e postar nas suas mídias sociais têm um impacto imenso na formação da opinião pública. As emoções que são despertadas por quem assiste a um vídeo de um civil, “gente como a gente", são muito fortes.
Além disso, o contexto de uma luta de um gigante contra um pequeno, o “mal contra o bem” e de um povo unido lutando por sua liberdade, são elementos muito fortes para sustentar, motivar e engajar nas mídias sociais. São inúmeros os exemplos de posts de civis viralizando (obtendo centenas de milhares de visualizações de maneira espontânea) em diferentes contextos da guerra. Uma imagem mostrando a diferença de tamanho entre Rússia e Ucrânia, estilo David contra Golias, e saudando o heroísmo da resistência dos ucranianos, obteve mais de 100 mil curtidas no Instagram.
A força dessa comunicação viral impacta diretamente no resultado da guerra. Por um lado pressiona governos e governantes a se posicionarem e tomarem ações. Políticos estão muito cientes do poder das mídias sociais e como isso impacta na sua popularidade. Por outro lado, existe um fator motivador para os ucrânianos que estão ali resistindo, de diferentes formas, à invasão russa. O post de cada indivíduo reforça o senso de patriotismo e disposição de resistência, fortalecendo o propósito comum do grupo.
Por fim, as lideranças também têm um papel primordial. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, um ex-ator, vem lutando com maestria essa batalha: frequência alta de conteúdos (vídeos quase todos os dias), mensagens fortes, empáticas e se mostrando humano no campo de batalha ao lado das pessoas. Seus canais tem milhões de seguidores, no Instagram são 14 milhões e o engajamento com seu conteúdo vem crescendo exponencialmente. Por volta de 20 de fevereiro, o presidente tinha uma média de 4 mil curtidas nos seus posts do Instagram, na última semana, teve uma média de 70 mil curtidas nos posts e alguns milhões de visualizações em cada um. Ele tem usado esses canais para pressionar mandatários ao redor do mundo, reforçar as mensagens para o seu povo e também para combater fake news - um de seus posts foi para contra atacar uma notícia que ele teria fugido do país - .
Em contrapartida, o Kremlin tem tentado bloquear seus cidadãos de obter informação fora dos canais oficiais do governo e proibido termos como “invasão” e “guerra”, tentando manter uma narrativa de operação especial. Os canais oficiais de Putin nas mídias sociais contém postagens burocráticas e sem engajamento. Na prática, ele abriu mão de utilizar sua imagem nas mídias sociais como força influenciadora na disputa de narrativas.
“Os russos perderam fortemente a batalha da informação sobre a invasão da Ucrânia” tweetou Dmitri Alperovitch, um pesquisador em cibersegurança e chairman do Cybersecurity think tank Silverado Policy Accelerator.
Ao que tudo indica, quanto mais o conflito durar e mais violento ele se tornar, maior será a repercussão nas mídias sociais e maior o apoio digital que a Ucrânia irá obter. Fica a pergunta: o quanto a guerra digital pode influenciar no engajamento de outros países, especialmente da Otan, na guerra territorial. Sem dúvidas, cada uma das batalhas tem suas singularidades, e poderios muito distintos. A batalha nas mídias sociais se dá em um espaço metafórico, de comunicação, de desnudar realidades para todos, onde o tempo e o espaço ganham outra dimensão, criando rastros de momentos intensos que mudarão o mundo.
Felipe Bogéa é professor da pós-graduação em Marketing da ESPM