A IA nos deu tempo. O que você vai fazer com ele agora?

É sedutora a capacidade da inteligência artificial em transformar dias em horas. O que antes consumia uma semana inteira de trabalho agora sai antes do almoço. E aí todo mundo olha para essa velocidade e pensa: “Maravilha, agora posso produzir o triplo”. Esse é o erro.

Recentemente, li a segunda edição da pesquisa “O Futuro das Agências”, que indica que 88% dos profissionais da área consideram que a IA potencializa a criatividade — potencializa, não substitui. A diferença parece sutil, mas é fundamental. A máquina acelera, claro, mas o jogo continua sendo nosso. A pergunta que fica é: o que você vai fazer com o tempo que sobrou?

Para muita gente, o óbvio seria produzir mais. Três campanhas no lugar de uma, dez variações em vez de três. Afinal, se dá para fazer, por que não? Porque quantidade nunca foi sinônimo de qualidade – e quando tudo fica mais rápido, o tempo se torna ainda mais valioso.

A IA nos libertou do operacional chato. Aquela adaptação de peça que levava a tarde toda? Resolvida. O storyboard que levava dois dias? Pronto. Sobrou espaço, e é aí que mora a diferença entre o bom e o memorável.

Pense no que realmente importa numa campanha. Não é a velocidade de produção. É o detalhe que ninguém pediu, mas todo mundo nota. O timing, a elegância da solução, são essas coisas que custam tempo. Não o tempo perdido em tarefas mecânicas, mas o tempo investido em pensar, questionar, melhorar. Tempo para deixar a ideia respirar antes de mostrar pro cliente.

Já estamos vendo os primeiros sinais da armadilha. Agências acelerando processos em vez de aprofundá-los. Criativos apresentando 20 caminhos quando deveriam estar lapidando três. A velocidade virou pressão para entregar mais do mesmo, só que mais rápido. É como ter uma Ferrari e usá-la para fazer frete.

O verdadeiro potencial da IA não está em produzir numa velocidade sobre-humana. Está em liberar o criativo para pensar. Para entender o problema de verdade. Para participar mais ativamente do negócio do cliente. Para propor caminhos que não estavam no briefing, pois exigem conhecimento profundo, não execução veloz. Saramago nos ensinou: “não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”. Na criação, isso é quase sagrado. A pressa mata a boa ideia, mas a procrastinação, também.

A Nielsen aponta que a qualidade criativa é responsável por 70% do sucesso de uma campanha. Não tem a ver com volume de material produzido, mas com a força da ideia executada com excelência. E excelência não se alcança correndo. Tem a ver com repertório, sensibilidade e senso estético apurado por anos de trabalho.

A IA não vai substituir o criativo, mas, sim, o criativo apressado, aquele que confunde produtividade com criatividade. A verdadeira revolução não é fazer em uma hora o que levava um dia. É usar as horas que sobraram para pensar melhor. Ganhamos o presente mais raro em publicidade: tempo. A pior coisa que podemos fazer é desperdiçá-lo.

David Levy é head de criatividade na Heads Propaganda, do Brivia_Group