A morte de Berinjela e a decadência dos necrológios

Quando o mundo era menor, os meios de comunicação limitados, todas as pessoas de boa educação, a primeira coisa que faziam ao abrir o jornal era consultar a página de necrológios para ver se algum conhecido tinha partido.

Durante anos, na Rua São Vicente de Paulo, tinha um vizinho que, dia sim outro também, tocava a campainha de minha casa para comentar sobre os falecimentos. Como os assuntos eram poucos, como os programas sensacionalistas da TV praticamente não existiam, falar-se sobre mortes de pessoas públicas ou conhecidas rendia muito.

Até março do ano passado, os necrológios dos jornais perderam o sentido porque os jornais viraram, em decorrência da pandemia, um necrológio só.

Placar de contaminados, mortos, por cidades, estados, regiões, países, idades, sexos, não me lembro de algum outro momento que soubéssemos, ou tivéssemos à disposição, tantas informações sobre a morte como agora. Enquanto na televisão sádicos de toda ordem mandavam as pessoas ficarem em casa sem dizer como deveriam proceder para pagar as contas.

Mas, desde que a vacinação acelerou, o número de contaminação e mortes mergulhou em consistente declínio, e os necrológios foram, gradativamente, voltando ao que eram antes da pandemia. A ocupar um pequeno pedaço de uma página perdida do 2º caderno. Nos dias em que os jornais mortalmente feridos por outra pandemia que não tem vacina e muito menos cura vêm com um 2º caderno...

Lembro-me ainda no ano passado, e na Folha, o dia em que parei para ler sobre a notícia do falecimento do Paulo Augusto Cruz (1948-2021). Velho conhecido de todos nós. Menos por todas as suas e demais atividades artísticas – foram muitas –, mas pela sua presença na embalagem dos cigarrinhos de chocolate da Pan.

Paulo Augusto, mais conhecido como Paulo Pompeia – da cidade de Pompeia, onde iniciou a sua carreira no circo como palhaço Berinjela. Por sinal, o apelido que meus netinhos me deram pelo formato e tamanho de meu nariz. Paulo Pompeia não morreu de Covid. Morreu do que sofreu a vida inteira, uma cardiopatia congênita.

Além do circo, trabalhou na Globo, em novelas e Malhação; na RecordTV, Turma do Gueto; na Cultura – Castelo Rá-Tim-Bum. Foi apresentador do Telecurso, e participou de filmes. E agora, ao partir, e de certa forma, recoloca os necrológicos em seu devido lugar, ¼ de página horizontal, ao pé de uma página par, a da esquerda.

Um dia, um funcionário da Chocolates Pan foi assistir a um espetáculo do falecido Circo Garcia. Gostou da performance do palhaço mirim Berinjela, ele, Paulo Pompeia...

Os tempos passaram, deixou de ser elegante fumar, passou a ser temerário fumar, passou a ser quase suicídio fumar, e a Pan rebatizou seu cigarrinho de chocolate para Rolinhos de Chocolate, mas, como a pressão crescesse, virou lápis, Chocolápis... O dia em que os amaldiçoados cigarros viraram os prosaicos e abençoados lápis...

Paulo Pompeia, Palhaço Berinjela, morreu sem colocar um cigarro na boca e detestava chocolate. Mas era a alegria da criançada... E dos adultos, também, nos velhos tempos dos circos.

E mais alguns anos, dos velhos tempos dos jornais...

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing
famadia@madiamm.com.br