Enquanto a crise conjuntural que estamos enfrentando há cinco anos segue com o desanimo e desalento de milhões de brasileiros, um mercado paralelo, de bugigangas, tralhas e quinquilharias made in China não para de crescer. Todos os dias, dezenas de milhares de brasileiros fazem pequenas compras – de até US$ 50 – nos market places daquele país. Demora pra chegar, mas chega. Em média, leva de 30 a 90 dias. E abaixo dos US$ 50 não existe taxa; e acima muitos decidem arriscar. A quantidade de compras é tanta que 80%, quase 90%, de tudo acaba passando.

A primeira consequência dessa inundação chinesa é a situação dos Correios, que piora dia após dia, já que não sabe mais como fazer o processamento e entrega desses milhares de pequenos produtos… A outra é que os market places chineses, querendo atrair mais compradores brasileiros, estão desenvolvendo um grande esforço para reduzir os atuais 60 a 90 dias, para 30, no máximo. Dentro desse escopo, a AliExpress, varejo online do maior market place do mundo,o Alibaba, realizou no primeiro semestre do ano passado uma parceria com o braço de logística do grupo lançando a alternativa AliExpress para os clientes brasileiros. Entregas entre 22 e 28 dias.

Assim, o debilitado comércio analógico brasileiro, o concorrido comércio eletrônico brasileiro, e o debilitado Correios passam a enfrentar o todo-poderoso Alibaba em condições de concorrência dramáticas. Tempos de disrupção ampla, geral e irrestrita. E em momentos como esse, o primeiro que muitas gerações, muito especialmente nós, brasileiros, estamos vivendo, enquanto muitos se perguntam “isso pode?”, outros, minoria, nem mesmo param para perguntar, fazem. E, se depois não puder, resolve-se… Todos os anos assistimos pela televisão, por exemplo, o Shopping 25 de Março da cidade de São Paulo, campeão das tralhas, quinquilharias e contrabando do país, ser fechado e todas as mercadorias confiscadas. Enquanto testemunhamos mais um crime dos muambeiros pela TV, milhares de paulistanos vão abrindo milhões de mercadorias que compraram sem tirar a bunda da cadeira. Todos, enquanto abrem suas compras, penalizados com os contrabandistas da 25, mas felizes pelo recebimento das mercadorias… Mais alguns dias tudo volta ao normal, ou ao irregular. O shopping reabre suas portas, comerciantes, mercadorias e clientela voltam, e segue a vida. E temos um encontro marcado no ano que vem para assistir o mesmo e patético espetáculo.

O Shopping 25 de Março sendo fechado pela milionésima vez… Tipo, o Dia da Marmota, lembram, do filme? Pode? Não, não pode, mas depois se resolve, se resolvem ou não se resolve e fica por isso mesmo. É ilegal? Megailegal? Mas… Sob a luz da tal da legalidade, que todos deveríamos respeitar, preservar e defender, 80% das poucas startups de sucesso, todas, estão gravadas de ilegalidades… Pode, não pode, mas vão fazendo. Primeiro fazem e, se preciso for, depois perguntam, e enquanto aguardam pela resposta continuam fazendo. Quando vem a resposta, entram na Justiça e, enquanto a Justiça não decide, vão fazendo. Pode? Poder não pode, mas segue o fluxo e a vida.

Num país onde uma Nestlé comprou a Garoto há quase 20 anos e até agora continua aguardando pela decisão final e irrecorrível da Justiça para receber o que comprou, poder não pode, mas vai convencer quem quer que seja que no país onde não pode, mesmo não podendo, pode… Enquanto o Brasil não resgatar um mínimo de segurança para os negócios estaremos literalmente excluídos de investimentos e investidores mais conservadores, que pressupõe um mínimo de decência, civilidade, legalidade e justiça para fincar raízes e empreender. Quando éramos criança e ouvíamos nossos amigos e parentes sorrirem, terminando conversas com felicidade e afirmando que o Brasil é o país do jeitinho, sorríamos, também… Hoje, sabemos onde o país do jeitinho nos levou. Lembra, “seo guarda”, o senhor não poderia dar um jeitinho? Deu… Deu?!

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing
(famadia@madiamm.com.br)