A retórica do pitoresco

A pré-candidatura de um conhecido influenciador à prefeitura de São Paulo colocou em evidência um padrão de comunicação a que chamo de retórica do pitoresco. Uma forma verbal de seduzir, envolver e, praticamente, neutralizar o outro num debate ou num simples bate-papo. Ela consiste, basicamente, em quebrar qualquer esquema que a mente do interlocutor organize.

A chave para esse processo é a introdução do pitoresco, aquilo que escapa ao repertório normal no raciocínio médio das pessoas. Não significa aprofundar a discussão, mas “alargá-la”, ou seja, sem sair da superficialidade, acrescentar novos dados ou citações inesperados. Informações que carregam sempre alguma referência, provavelmente presente na memória do outro, e que o induz a aceitá-la como verdade. Do tipo que ninguém vai pesquisar para confirmar ou não.

Como resposta a certas perguntas incômodas, o pré-candidato costuma referir-se, por exemplo, a um conselho que os pais judeus dão a seus filhos. Não importam que conselhos são esses, a introdução de pais e filhos judeus na conversa soa pitoresca e fixa a atenção.

Todos temos registro de uma “sabedoria milenar do povo judaico”, o que imediatamente nos acomoda na história. E, por fim, será sempre “agradável” para a mente saber o que “pais judeus dizem para seus filhos”, seja isso real ou uma invenção.

Da mesma forma, quando destaca a intenção de construir um prédio de um quilômetro de altura em São Paulo, está usando mais uma vez o pitoresco para flertar com a fantasia de grandeza das pessoas e tirando o foco de problemas, com os quais pode não saber como lidar, a Cracolândia, por exemplo.
A fluência verbal e a postura corporal relaxada resultam de exercícios e testes, uns tantos malsucedidos, mas que ensinaram a mente a ajustar-se ao modelo mais eficaz. O comportamento não é diferente do praticado por bons vendedores em geral.

Claro que uma inteligência privilegiada contribui muito para o melhor uso de técnicas disponíveis. Por exemplo, tantos querem ser pastores e, mesmo com uma demanda grande, apenas alguns viraram estrelas, como Silas Malafaia, Edir Macedo, J. R. Soares e Waldemiro Santiago. São aqueles que revelaram talento para a oratória e se dedicaram com mais afinco ao estudo de técnicas de psicologia.

Quando outro pré-candidato chama o influenciador, seu potencial adversário, de “picareta”, está apenas se utilizando de uma terminologia tradicional, com que aprendemos a denominar manipuladores, de propósitos comerciais, políticos ou religiosos.

A acusação resgata o fato de que os métodos do adversário, guardadas as devidas proporções (e, talvez, intenções) pertencem à mesma família dos utilizados por golpistas que tentam obter nossas senhas por telefone ou nos extorquir com acusações graves a que se dizem capazes de comprovar com fotos e documentos.

Na política, certamente ele não será nem o primeiro nem o maior “picareta”, a chamarmos assim o seu modus-operandi. Por isso, acho que seu voo, baseado apenas no uso de técnicas que, com o tempo, se tornam previsíveis e enfadonhas, será curto.

Mas não fracassará necessariamente. Terá a chance de se encaixar em algumas das aspirações (não necessariamente mais éticas) que, historicamente, motivam os políticos e, quem sabe, a partir daí, construir sua trajetória.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
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