Certa vez, li numa das chamadas revistas masculinas (não sei se Status, Homem ou Playboy), entrevista com uma chacrete. Entre as coisas previsíveis que ela dizia, me surpreendeu a informação sobre o sacrifício que era dançar a tarde inteira no programa e, depois, passar uma hora em pé no ônibus, até Niterói. Igual à maioria dos adolescentes, eu encarava aquelas mulheres como verdadeiras deusas, inalcançáveis na luxúria que inspiravam.

Imaginava legiões de homens abastados, ajoelhados diante delas, oferecendo anéis e diamantes ou, pelo menos, uma carona de Ford Galaxie até Niterói. A minha preferida era a “índia Potira”, como Chacrinha se referia a ela. Lembro de um amigo comentando, durante os habituais passeios de câmera por seu rebolado, “ela está dançando pra mim”. Brigamos.

Com o tempo, dançarinas, como as chacretes e, mais tarde, as paquitas, passariam a ser eufemisticamente chamadas de “ajudantes de palco”. Mas o fato é que essas jovens, escolhidas a dedo, pelos belos corpos, sempre tiveram como missão manter a audiência masculina de olhos vidrados na expectativa do próximo close em suas pernas e bundas.

É uma coisa antiga e como coisa antiga deve ser tratada. Por isso, é elogiável a decisão da Globo de aproveitar a saída do Faustão para reformular o programa, extinguindo o papel decorativo-excitante das dançarinas. Aliás, fico curioso em ver como a Band vai lidar com a atitude da concorrente: migrarão as “faustetes” desempregadas para a nova emissora do ex-chefe, mantendo viva a “tradição”? Se pensarmos bem, é um nó difícil de desatar. De um lado, pesará a conveniência comercial. Afinal, se audiência a qualquer preço não fosse determinante para algumas decisões, certas excrecências não estariam no ar. Mas, por outro lado, há o risco da adoção de um modelo “envelhecido”, que uma nova geração de telespectadores talvez rejeite. A Globo, como guia da boa televisão aberta brasileira, tem mesmo a obrigação de inventar e extinguir, tudo a seu tempo. Fez bem, inclusive, ao tirar do ar idiotices, como as videocassetadas.

Aqui não se trata de condenar o apelo popular das atrações, mas de parar de estimular o pior em nós, como o sadismo e a falta de empatia. Domingo desses, assistia à reprodução de uma entrevista da Hebe Camargo no programa Silvio Santos. Fiquei impressionado com a qualidade das suas respostas e com seu humor leve e espirituoso. Hebe fazia uma atração popular e merecia sucessores à altura.

Nem precisamos de tanto saudosismo para lembrar que programas de auditório, como o Show do Milhão, por exemplo, deram lá também a sua contribuição para a cultura, sem abrir mão do estilo do apresentador. Ou seja, é possível fazer televisão com apelo de massa e ser, ao mesmo tempo, construtivo. Tampouco, é necessário ser chato para apresentar conteúdo relevante.

Sou fã de documentários sobre surfe, na tevê fechada, sem nunca ter surfado, e acompanho com respeito às reportagens do canal aberto da Record sobre a geografia da fome no Brasil. Segmentada ou massiva, a televisão precisa de talento e bom senso.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing (stalimircom@gmail.com)